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Crise no Ibama afeta economia e desafia respostas a mudanças climáticas

A paralisação de servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) que se arrasta desde janeiro toca numa das áreas mais estratégicas da economia brasileira.

O setor de óleo e gás está em compasso de espera. Sem licenciamento ambiental para, por exemplo, fazer a perfuração de poços, a Petrobras estima uma queda de 2% da produção em 2024.

É muita coisa para um setor que responde por 10% do PIB industrial brasileiro e pelo segundo maior volume de exportações do país.

A paralisação das licenças tem um efeito cascata em toda a cadeia produtiva.

Nas contas do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás), o país deixa de arrecadar R$ 200 milhões por mês com a produção represada.

Já nos cálculos dos servidores, o rombo é ainda maior. A Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) calcula perdas mensais de R$ 470 milhões na arrecadação e mais de R$ 485 milhões em royalties.

E isso levando em conta apenas o setor de óleo e gás.

A mobilização no Ibama afeta importantes áreas da economia que dependem de licença ambiental, da importação de veículos a obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Greve no Ibama, que emite licenças, afeta importação de carros elétricos vindos do porto de Yantai (China)
Greve no Ibama, que emite licenças, afeta importação de carros elétricos vindos do porto de Yantai (China) Imagem: AFP
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Apesar disso, o governo Lula não conseguiu chegar a um acordo de aumento salarial com os servidores que pusesse fim à paralisação.

A Ascema reivindica equiparação de salários com a ANA (Agência Nacional de Águas). O piso passaria de R$ 8.817,72 para R$ 15.058,12 enquanto o teto sairia de R$ 15 mil para R$ 22.900.

No início de julho, eles começaram uma greve, que a Justiça decidiu interromper dias depois.

Os servidores retomaram o trabalho em operação-padrão — esforço reduzido, sem ir a campo, mantendo o essencial. Mas o drama está longe de acabar.

O presidente Lula (PT) e a ministra Marina Silva no Dia do Meio Ambiente, no Palácio do Planalto
O presidente Lula (PT) e a ministra Marina Silva no Dia do Meio Ambiente, no Palácio do Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

O mundo nas costas

Em 2010, último ano do segundo governo Lula, havia 791 processos de licenciamento em curso no Ibama, e 316 servidores para tocá-los. Cada servidor, portanto, em média, cuidava de dois processos e meio.

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Em 2024, segundo ano do terceiro mandato do petista, há 3.859 processos de licenciamento em curso, e 237 servidores encarregados deles. Cada servidor agora cuida em média de mais de 16 processos.

Os servidores se indignaram com a demanda e a remuneração e pararam. O movimento chegou a atingir 25 unidades da Federação, mas, com a determinação judicial para interromper a greve, arrefeceu.

Nos últimos sete meses, os funcionários deixaram de ir a campo e trabalharam remotamente. O desempenho do órgão despencou. Apenas 15 licenças foram emitidas no primeiro semestre de 2024.

Os dados são da Ascema, que os atribui à falta de atratividade da carreira ambiental brasileira. Com salários defasados, os profissionais da área priorizam outros concursos públicos ou mesmo o setor privado.

O último reajuste foi acertado em 2015 e pago em parcelas em 2016 e 2017.

Com os atuais salários, as vagas abertas por aposentadoria não são preenchidas.

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O resultado dessa equação é que quase a metade das vagas do órgão estão ociosas. Das 5.241 vagas existentes no órgão, 2.286 estão desocupadas.

No governo Bolsonaro, as condições de trabalho dos servidores do meio ambiente se deterioraram por decisão do então presidente da República.

Órgãos como Ibama e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tiveram orçamento e prerrogativas esvaziados.

A resposta dos servidores foi trabalhar ainda mais. "Se parássemos, entregaríamos o que Bolsonaro queria", disse Alexandre Gontijo, da diretoria da Ascema.

No primeiro semestre de 2021, a título de comparação, 70 licenças foram emitidas pelo Ibama.

Espécie em extinção

A categoria esperava que a situação mudasse com a saída de Bolsonaro do poder e a chegada de Lula, cuja campanha se contrapôs à do adversário e deu destaque à pauta ambiental. Com expectativas altas, a frustração foi grande.

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Quem recebeu aumento no fim do primeiro ano de mandato de Lula não foram os servidores do meio ambiente, e sim os policiais rodoviários federais.

Sob Bolsonaro, a PRF foi politizada e protagonizou uma das cenas mais emblemáticas da eleição de 2022, ao fazer blitze nas estradas no dia do segundo turno, atrapalhando a chegada de eleitores às urnas.

"A gente vem de um governo que nos humilhou, nos assediou e nos perseguiu por quatro anos e resistimos bravamente. Impedimos a boiada de passar", diz Wallace Lopes, fiscal do Ibama há 15 anos.

Ele avalia que o quadro evoluiu um pouco no governo Lula, com um pouco mais de autonomia.

"Os resultados já foram entregues, taí a redução drástica do desmatamento na Amazônia", afirma.

O fiscal usa essa melhora como prova da importância da sua categoria para o país. Para ele, a recuperação projeta a imagem do Brasil no mundo como liderança na questão ambiental e climática.

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"Pra gente não faz o menor sentido que um fiscal ambiental receba menos que um policial rodoviário", afirma Lopes. A categoria que recebeu reajuste terá teto salarial de R$ 23 mil com os aumentos concedidos.

O servidor ambiental, o fiscal, está ali atuando praticamente como força de segurança nas terras indígenas e nas unidades de conservação. O analista ambiental é responsável pela autorização de uma usina nuclear, usina hidrelétrica, de grandes obras, gasodutos, minerodutos, plataformas de petróleo. Não é um trabalho trivial. O que a gente pede hoje é meramente um tratamento equânime
Wallace Lopes, fiscal do Ibama

O servidor compara o efetivo do Ibama à Guarda Civil Municipal de Salvador. O órgão ambiental tem menos de 800 fiscais em atividade para proteger os biomas brasileiros, inclusive a Amazônia Legal, cuja extensão territorial equivale à da Europa Ocidental. A guarda da capital da Bahia tem 1.300 agentes.

"A gente brinca que estamos na lista de criticamente ameaçados de extinção. Nosso efetivo é um sexto do número de micos-leões-dourados que existem", diz Lopes.

Servidor do Ibama atira com fuzil para inutilizar um motor usado em um garimpo ilegal recem aberto na terra indigena yanomami em Roraima
Servidor do Ibama atira com fuzil para inutilizar um motor usado em um garimpo ilegal recem aberto na terra indigena yanomami em Roraima Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Ação e reação

Em 1º de julho, uma segunda-feira, com as negociações emperradas, os servidores decidiram dar uma cartada mais pesada. Entraram em greve. Durou pouco. O governo, por meio da Advocacia-Geral da União, entrou na Justiça e conseguiu obrigar a retomada dos trabalhos.

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O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, tentou intermediar as negociações com a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escalou seus assessores, mas não se envolveu diretamente.

O governo não chegou a nenhuma proposta que agradasse aos servidores, e Agostinho anuiu à ação da AGU.

Se o Orçamento não permitiu o aumento salarial e reestruturação das carreiras ambientais, o governo Lula se empenhou para reagir às emergências climáticas, segundo Agostinho.

"O governo ajuda muito. Eu mesmo já empenhei R$ 84 milhões, e o governo sinaliza com mais recursos", disse o presidente do Ibama ao UOL.

Há duas semanas, mais R$ 4,5 milhões foram disponibilizados para contratar aeronaves que devem auxiliar no combate aos incêndios no Pantanal.

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Recurso não está faltando. Embora o Orçamento aprovado no ano passado tenha diminuído o recurso para combate a incêndio, os recursos já foram complementados no primeiro semestre. Eu mesmo remanejei do orçamento interno do Ibama de outras áreas para responder às queimadas

Rodrigo Agostinho presidente do Ibama

Brigadistas do Prevfogo do Ibama combatem incêndio às margens do Rio Paraguai, em Corumbá (MS)
Brigadistas do Prevfogo do Ibama combatem incêndio às margens do Rio Paraguai, em Corumbá (MS) Imagem: Bruno Santos/Folhapress

O pior cenário

A questão, portanto, não é o dinheiro, mas a gravidade das mudanças climáticas. A seca no Pantanal costumava ocorrer em agosto, setembro e outubro.

Nunca havia sido registrado fogo no primeiro semestre como em 2024, disse Agostinho. Até junho, 5% do Pantanal ardeu em fogo, 720 mil hectares queimaram.

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A região do município de Corumbá, tradicionalmente úmida por causa do rio Paraguai, está há seis anos sem encher e registra a pior seca dos últimos 70 anos. Com ventos fortes e calor exagerado em junho, o fogo se alastrou precocemente.

O governo no final do mês mandou sete aeronaves para a região e conseguiu reunir 500 agentes do Ibama, ICMbio, da Marinha e da Polícia Federal para conter os incêndios, com algum êxito.

"Não acho que tem o que comemorar, torço muito pra acabar logo", afirmou Agostinho. "Mas temos que trabalhar com o pior cenário."

O governo montou uma sala de situação, que se reúne diariamente, para monitorar e discutir ações emergenciais à questão climática.

A preocupação de Agostinho é que a maior crise de todas ainda nem sequer começou: a seca da Amazônia.

Os rios não se recuperaram da seca do ano passado, não há previsão de chuva no horizonte e não se descarta que a seca deste ano seja ainda pior que a de 2023.

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Há muito trabalho para os servidores ambientais tentarem proteger a Amazônia. Mas é preciso ter recursos suficientes para tanto desafio.

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