MP investiga se deputada usou Barões da Pisadinha para esquema ilícito
O Ministério Público do Tocantins investiga se a deputada estadual Janad Valcari (PL), ex-empresária dos Barões da Pisadinha, usou os shows da banda para um esquema de enriquecimento ilícito.
Janad assinou, como empresária dos músicos, contratos para receber R$ 1 milhão em verbas públicas de três cidades que contrataram shows em 2023: Rio dos Bois, Porto Nacional e Ponte Alta do Tocantins.
Em 2024, ela enviou R$ 965 mil em emendas para estas mesmas três cidades.
A deputada e empresária nega as acusações. Ela disse ao UOL que os shows aconteceram quando ela ainda não tinha poder de enviar emendas, por ainda estar no seu primeiro ano de mandato.
Segundo Janad, as verbas de 2024 não têm relação com os shows de 2023. "Sempre agi dentro da legalidade para evitar conflito de interesse", ela diz.
A deputada, no entanto, não informou qual era o objetivo específico das verbas para as três cidades. "A decisão de aplicação do recurso é do prefeito."
A reportagem procurou as prefeituras, que também não informaram qual foi o uso das emendas.
Janad foi a sócia majoritária da empresa que representa a banda, chamada Os Barões da Pisadinha Produção Musical Ltda, entre agosto de 2020 e dezembro de 2023.
No fim do ano passado, ela transferiu suas cotas na empresa para seu filho, Lucas Freitas Valcari, de 20 anos. O UOL procurou Lucas, mas não teve retorno.
"Nunca escondi que o Barões da Pisadinha é um empreendimento familiar, que existia antes da minha entrada na vida pública. Natural que a administração permaneça entre os membros da família", diz Janad.
MP levanta contratos e emendas
O inquérito aberto no dia 10 de julho vai apurar dois pontos:
- Se ela infringiu a lei que proíbe que parlamentares sejam donos de empresas com contrato pago pelo poder público -- nesse caso, o inquérito inclui também o período entre 2021 e 2022 em que foi vereadora de Palmas
- Se Janad Valcari foi a própria agente do poder público que possibilitou os contratos nestas três cidades ou em outros municípios
A infração investigada (improbidade administrativa por enriquecimento ilícito) pode ter como pena a devolução do dinheiro com multa, a suspensão dos direitos políticos e a proibição de assinar contratos com o setor público por até 14 anos.
Na fase atual da investigação, o órgão levanta as emendas liberadas por Janad e questiona a fonte de recursos das cidades do Tocantins em que a banda fez shows com verba pública.
"A Janad tinha três meses que era deputada [quando assinou pelos shows]. Quer dizer que a gente não pode tocar no Tocantins mais?", questiona ao UOL o tecladista da banda, Felipe Mota.
"Não precisamos de verba pública. Já fizemos mais de 800 shows, no Brasil e no mundo, e estão fazendo isso agora por causa de dois, três shows."
Ele não informou qual porcentagem dos cachês ficou com a empresária e quanto os músicos, sócios minoritários na empresa, receberam na divisão.
'Barões da Emendinha' em três cidades
O UOL teve acesso aos contratos e emendas assinados por Janad com três prefeituras que contrataram shows da banda e depois receberam verba de emendas.
Em Rio dos Bois, com 2,7 mil habitantes, a empresa ganhou R$ 330 mil da prefeitura para um show em maio de 2023.
Em maio de 2024, a prefeitura recebeu R$ 200 mil de emenda da deputada.
O logotipo de Janad Valcari aparece no campo de "apoio" da imagem de divulgação do show em Rio dos Bois.
"É tradição que os prefeitos citem os deputados majoritários das cidades como apoiadores dos eventos do município. Apoio e emenda são coisas bem diferentes", diz Janad sobre seu nome no cartaz.
Em Ponte Alta do Tocantins, com 8 mil habitantes, a banda levou R$ 350 mil em novembro de 2023. A cidade ganhou R$ 225 mil de emendas de Janad entre maio e julho de 2024.
Em Porto Nacional, com 53 mil habitantes, foram R$ 350 mil por um show em fevereiro de 2023 e R$ 550 mil de emenda em janeiro de 2024.
Os contratos de shows acontecem sem licitação. A prefeitura escolhe o artista e, como não há concorrência, assina diretamente com ele.
Esse mecanismo, chamado de inexigibilidade, é permitido por lei. O abuso político nestes eventos, no entanto, é alvo de ações do MP.
Os Barões e o piseiro
Os Barões da Pisadinha estouraram em 2019 como o primeiro grande sucesso nacional do piseiro, subgênero do forró com arranjos eletrônicos no teclado.
Foram os artistas mais tocados do Brasil no ranking semanal do YouTube em maio de 2021. Desde então, o sucesso diminuiu e eles não estão mais entre os 100 nomes dessa lista.
Mesmo com menos hits atuais, a banda registra 4,7 milhões de ouvintes mensais no Spotify.
Entre 2023 e 2024, eles realizaram 12 shows pagos por prefeituras do Tocantins, com cachês que somaram R$ 3,9 milhões.
No resto do Brasil, a banda realizou neste período ao menos mais 23 shows de prefeituras, com cachês que variaram entre R$ 300 mil e R$ 450 mil, e somaram R$ 7,8 milhões.
As informações são do Portal Nacional de Contratações Públicas, que reúne a maioria dos contratos municipais no Brasil.
Felipe diz ao UOL que, atualmente, metade dos shows da banda é de prefeituras e a outra metade, de contratações privadas.
'Emenda Pix estadual'
Além da música, Janad Valcari também é empresária no ramo de educação no Tocantins. Ela se elegeu vereadora em 2020 e deputada estadual em 2022.
Pré-candidata do PL à prefeitura de Palmas, ela lidera as pesquisas: aparece com 41% das intenções de voto em levantamento do instituto Real Time Big Data, feito entre os dias 22 e 24 de junho.
Em 2023, todos os deputados estaduais do Tocantins ganharam R$ 7,1 milhões em emendas, que podem ser distribuídas de forma livre e sem detalhamento público do uso das verbas.
A falta de transparência deste mecanismo é semelhante à das chamadas "emendas Pix" na Câmara dos Deputados.
Como empresária, Janad responde a um processo por fraude em licitação em Paranã (TO) em 2017.
Segundo o MP, Janad Valcari, seu ex-marido, Odirley Valcari, e outras pessoas se juntaram com a prefeitura para direcionar uma licitação de R$ 1,2 milhão em equipamentos para shows, em que as duas únicas concorrentes eram de propriedade do grupo.
"À época, eu era apenas uma funcionária da empresa, trabalhava com carteira assinada. Não houve irregularidade da minha parte e colaboro com as investigações para mostrar minha inocência", diz Janad.
A ação corre no Tribunal de Justiça do Tocantins e ainda não foi julgada. O ex-prefeito de Paranã, Fabrício Viana, que também é réu, não quis comentar o caso.
Odirley Valcari, que também já foi empresário dos Barões da Pisadinha, é réu em outra ação por fraude em licitações de equipamentos para shows em Porto Nacional. Ele também não quis comentar.
Em setembro de 2021, o MP realizou nesta ação de Porto Nacional, com apoio da Polícia Civil do Tocantins, a "Operação Pisadinha".
Na operação, a casa de Odirley, onde a ex-esposa também morava, chegou a ser alvo de busca e apreensão. Janad não era alvo da operação nem ré nesta ação.
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