Ministério dos Direitos Humanos tem denúncias de assédio e demissões
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio Almeida, tem sido alvo de denúncias de assédio moral e pedidos de demissão em série desde o início da gestão, em janeiro de 2023.
O UOL descobriu que, até janeiro de 2024, foram abertos dez procedimentos internos para apurar supostos casos de assédio moral no ministério.
Sete foram arquivados por "ausência de materialidade", e três ainda estavam em aberto até julho deste ano.
Desde o início do governo, ao menos 52 pessoas saíram da pasta: 25 em 2023 e 27 entre janeiro e julho de 2024. Ao menos 31 pediram demissão.
Nos últimos meses, a reportagem conversou com ex-funcionários que atuaram em diferentes setores e níveis hierárquicos.
Todos criticaram as condições de trabalho da equipe gerida por Silvio Almeida. As identidades serão mantidas em sigilo.
Os principais alvos das reclamações são o próprio ministro e duas assessoras diretas: a chefe de gabinete Marina Basso Lacerda e a secretária-executiva Rita Cristina de Oliveira.
Os relatos apontam episódios de ordens dadas aos gritos, prazos de trabalho inviáveis, crises de ansiedade e orientação para gravar reuniões em busca de divergências na equipe.
Após a publicação desta reportagem, a assessoria de comunicação do Ministério enviou ao UOL nota na qual afirma que as informações são baseadas "em falsas suposições" e que "desenvolve diversas ações para prevenção e enfrentamento de assédios e discriminações". (Leia a nota na íntegra no fim do texto)
'Pior que Damares'
Nenhum ex-servidor entrevistado pelo UOL registrou formalmente os casos de assédio contra o ministro e suas assessoras. Eles dizem ter medo de perseguição política e jurídica.
Três fontes ouvidas pela reportagem afirmam que o clima de pressão levou muitos a pedirem para sair.
Dos 27 desligamentos ocorridos em 2024, 18 pediram para sair, segundo o Diário Oficial da União.
Entre as saídas que ocorreram no primeiro semestre deste ano, estão as de duas diretoras, cinco coordenadoras-gerais e 16 coordenadores.
Seis desses profissionais não completaram seis meses na equipe. Oito ficaram menos de um ano.
A chefe de gabinete do ministro, Marina Basso Lacerda, e a secretária-executiva Rita Cristina de Oliveira são apontadas como principais responsáveis pelas pressões sobre os servidores.
Servidora concursada da Câmara, Lacerda atua na área de direitos humanos. Oliveira é Defensora Pública da União e, na ausência de Almeida, é quem o substitui.
Três entrevistados relataram episódios de gritos em reuniões conduzidas por Oliveira, que teria decidido uma exoneração "aos berros".
Outro entrevistado, que ocupou cargo de confiança, afirma que os prazos dados pela secretária-executiva eram "inviáveis", como pedidos de informações técnicas complexas a serem entregues "em 20 minutos".
Um ex-funcionário do ministério conta que, nos corredores, tornou-se comum a percepção de que trabalhar na atual gestão é "pior do que na [gestão] de Damares".
O UOL ouviu o mesmo comentário de outras cinco pessoas que integravam a equipe.
Dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) ajudam a ilustrar essa percepção.
Nos quatro anos da gestão da hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF) foram abertos 12 procedimentos para apurar denúncias de assédio moral na pasta.
Sob Silvio Almeida, já são dez em um ano.
Em sete casos, o denunciado ocupa cargo comissionado - preenchido por indicação, sem necessidade de concurso público.
Há ainda dois servidores de carreira e um sem identificação de cargo.
'Inexperiência, arrogância e autoritarismo'
Ex-funcionários também afirmam que cobranças feitas por grupos de movimentos sociais causam desconforto no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Em uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 31 de julho, a militante Rosa Cimiana, que representa anistiados políticos na Comissão de Anistia, fez críticas a Silvio Almeida e à equipe dele.
Ela disse que o gabinete do ministro "funciona à sua imagem e semelhança, em uma combinação de inexperiência política, arrogância e autoritarismo".
Cimiana conta que chegou a fazer protesto com faixas em um dos julgamentos da Comissão de Anistia. Em outra ocasião, na frente da sede do ministério, a polícia foi acionada para retirar as faixas.
Ela afirma à reportagem que foi interpelada por um funcionário da pasta e acusada de fazer "companheiros virarem inimigos".
Um ex-servidor que ocupou cargo de confiança na pasta relata que "o gabinete não aceita" esses tipos de cobranças públicas.
Os responsáveis pelos setores, diz ele, são culpabilizados.
Entrevistados contam que, durante reunião com secretários e assessores especiais do Ministério no ano passado, Silvio entrou na sala e gritou estar decepcionado e descontente com a equipe, sem explicar o porquê.
Um deles detalha que o ministro ameaçou exonerar quem não cumprisse as ordens dele e da secretária-executiva.
Também proibiu as pessoas de falarem com a imprensa ou escolherem assessores sem a autorização dele.
O entrevistado comparou a atitude com a de um "quartel das Forças Armadas".
Outro lado
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) não vai se pronunciar sobre matéria cuja a formulação se baseia em falsas suposições, sem lastro na realidade, ou em qualquer registro produzido pelos órgãos de controle da Pasta. A matéria mente ao tentar induzir que há um ambiente sistemático de assédio.
Além do que considera-se a matéria irresponsável, uma vez que assédio moral é crime tipificado no Código Penal. E, portanto, necessita de provas materiais e investigação séria para sua configuração, e não apenas depoimentos de pessoas que foram exoneradas por não se adequarem ao trabalho ou por cometimento de faltas graves.
Importante ressaltar que o ministério desenvolve diversas ações para prevenção e enfrentamento de assédios e discriminações. Ressalte-se que o MDHC foi o primeiro ministério da atual gestão do Governo Federal a lançar o Plano de Integridade, ainda em abril de 2023. Em junho de 2024 foi lançado a nova edição do Plano, para vigorar no Biênio de 2024/25.
*Colaborou Cristina Fibe
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