Banco Central investiga se Banco Luso Brasileiro lavou dinheiro para o PCC
O Banco Central instaurou um processo para apurar a conduta do Banco Luso Brasileiro, citado em investigação sobre a infiltração da organização criminosa PCC no sistema de ônibus na cidade de São Paulo.
O BC é a autoridade monetária do país e fiscaliza a atuação das instituições financeiras.
O Banco Luso depositou mais de R$ 20 milhões na conta de uma holding chamada MJS em 2015, segundo investigação do Ministério Público de São Paulo.
A holding teve como sócios Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, e outros dirigentes da Transwolff, empresa de ônibus acusada de lavar dinheiro para o PCC.
Ainda em 2015, a MJS foi incorporada à Transwolff para alavancar o capital da empresa de ônibus e participar de uma licitação da Prefeitura de São Paulo.
A investigação faz parte da Operação Fim da Linha, deflagrada em abril deste ano.
Procurado pelo UOL, o Banco Central afirmou que "não comenta processos e decisões judiciais, nem ações de supervisão em instituições específicas".
Já o Banco Luso Brasileiro afirmou que não tem acesso às investigações e teve conhecimento apenas de informações veiculadas pela imprensa. Em abril, o jornal Metrópoles divulgou que o PCC tinha injetado R$ 54 milhões na Transwolff através da MJS, mas não citou o banco.
O Banco Luso diz desconhecer qualquer ação de supervisão do Banco Central.
'Recursos de origem ilícita'
O UOL apurou que representantes do BC e do Banco Luso Brasileiro fizeram duas reuniões informais sobre o assunto, também em abril.
A Justiça de São Paulo enviou a documentação do caso para o BC e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a pedido dos promotores, que viram evidências de tentativa de ocultar "recursos de origem ilícita" por parte de membros da facção.
No dia 14 de agosto, um coordenador do Banco Central informou à Justiça que foi aberta uma "ação de supervisão" para averiguar a conduta do Banco Luso.
O ofício não revela a situação da investigação do BC.
A CVM afirmou que avaliou o caso e concluiu que não há "nos fatos narrados pelo juízo indícios de infrações a normas sujeitas à competência desta autarquia."
Caso haja comprovação de lavagem de dinheiro para facção criminosa, o BC pode impor sanções diversas que chegariam, a depender da gravidade do caso, à cassação da autorização de funcionamento do banco, afirma o desembargador aposentado e colunista do UOL Walter Maierovitch.
Essa punição está prevista na lei 9613/1998, que trata das punições para o crime de lavagem de dinheiro.
Uma investigação na esfera penal também pode ser aberta.
'Smurfing'
Segundo a investigação do MP, à qual o UOL teve acesso, os depósitos de mais de R$ 20 milhões em cheques do Banco Luso na conta da MJS caracterizam "smurfing". Trata-se de uma estratégia de lavagem de capitais que fraciona valores altos em quantias menores para dificultar a identificação de operações financeiras ilícitas.
Segundo extratos da MJS analisados pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do MP, a Transwolff alavancou seu capital de R$ 1 milhão para R$ 55 milhões com as operações, que incluíram:
- R$ 22,9 milhões em cheques do Banco Luso Brasileiro;
- R$ 3,9 milhões em depósitos fragmentados.
Aberta em 2014, a MJS teve como sócios Moisés Gomes Pinto, Cícero de Oliveira, o Té, e Carlos Couto Ramos, também réus na Operação Fim da Linha.
O MP diz que auditores da Receita Federal apuraram que a holding "não desempenhou nenhuma atividade operacional, não teve funcionários, não adquiriu nem alienou nenhum bem imóvel, não possuiu ônibus e não figurou como emitente ou destinatária de nenhuma NFe, tudo a evidenciar que foi criada com o único propósito de alavancar a Transwolff e ocultar a origem ilícita do dinheiro aportado na empresa".
Os mais de R$ 20 milhões entraram na conta da MJS através de cheques nominais de 88 microempresas de transportes que pediram empréstimos de R$ 260 mil a R$ 274,4 mil ao Banco Luso Brasileiro para financiamento de compra de ônibus da fabricante Caio-Induscar.
O UOL teve acesso aos contratos de financiamento.
O Ministério Público argumenta no inquérito que, se a MJS queria pedir empréstimos, "não haveria razão para que tais operações fossem realizadas de forma fracionada, ou seja, na modalidade smurfing, mas sim em uma operação única com o montante emprestado".
O UOL apurou que o compliance do Banco Luso Brasileiro barrou negociações com a Upbus, a outra empresa de ônibus investigada na Operação Fim da Linha.
Hoje, segundo fontes, também barraria novos negócios com a Transwolff.
'Bom dia, meu presidente'
Fundado em 1988 pelos Tavares de Almeida, o Banco Luso Brasileiro se reposicionou no mercado em 2011 "focando no financiamento ao segmento de transporte público".
Na época, novos acionistas se juntaram à empresa: o conglomerado português Amorim, controlado por família homônima e que é a mais rica de Portugal, e o grupo RC Participações, controlador da Caio-Induscar, da família Ruas.
O banco diz que a MJS e a Transwolff não são nem nunca foram seus clientes.
O MP, no entanto, cita ao menos duas comunicações diretas entre o banco e a Transwolff. Os emails foram obtidos com a quebra de sigilo de Pandora.
"Bom dia[,] meu presidente...", escreveu o gerente José Rubens Rodrigues para Pandora, em outubro de 2016.
"Apesar das dificuldades, vejo a possibilidade de pagto dos casos abaixo acima de 05 dias de atrasos, pois assim deixamos a situação mais confortável", acrescentou, referindo-se ao pagamento de parcelas dos veículos adquiridos por cooperados da Transwolff.
O gerente encaminhou outro email para Pandora, também referente a acerto de "contratos de capital de giro/CDC em aberto", em março de 2017.
O UOL perguntou por que as cobranças foram feitas à Transwolff, já que os contratos foram assinados por titulares de outros CNPJs.
O banco respondeu que financiou veículos para microempresas que prestam serviço à Transwolff.
"Uma vez que os pagamentos sejam atrasados, são iniciados processo[s] de cobrança, tanto para a microempresa, tomadora do crédito, como para Transwolff, garantidora da operação", informou o banco.
Entre os CNPJs está uma microempresa de Pandora (Luiz Carlos Efigênio Pacheco ME). Ele fez três financiamentos em agosto de 2015, totalizando R$ 808 mil.
Segundo o banco, Pandora não possui conta corrente com eles, mas a instituição realiza empréstimos mesmo para não correntistas.
Para aprovar financiamentos, a instituição diz analisar informações como o "score" de crédito do Serasa, além de consultar bases do BC e documentos societários da empresa e seus balanços.
Segundo o MP, Pandora é o "elo" da Transwolff com o PCC.
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