Só para assinantesAssine UOL

O saldo da baixaria: Pablo Marçal teve dois processos por dia de campanha

Fora do segundo turno da disputa eleitoral pela Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) envolveu-se em 105 processos judiciais decorrentes de ofensas, desinformação e agressões em seus 51 dias de campanha oficial - média de pouco mais de duas ações por dia.

Os casos espalham-se pelas esferas cível, criminal e eleitoral, e Marçal está, na maioria deles, na posição de réu.

O coach foi condenado a oferecer dezenas de direitos de resposta e a retirar desde xingamentos até vídeos de desinformação produzidos por inteligência artificial de seus perfis nas redes sociais.

O levantamento feito pelo UOL aponta:

  • Dos 105 processos, 94 estão na Justiça Eleitoral, oito na esfera cível e três na esfera criminal;
  • Ricardo Nunes (MDB) é quem mais aparece como autor na parte contrária, em 31 ações. Guilherme Boulos (PSOL) vem em seguida, aparecendo 24 vezes;
  • Marçal está no polo passivo na maioria das ações, e só figura como autor em 15 delas;
  • Os processos mobilizaram pelo menos 42 magistrados, entre juízes, desembargadores e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
  • Além de outros candidatos na corrida pela Prefeitura, há entre os envolvidos o padre Júlio Lancellotti, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o líder do Movimento Brasil Livre Kim Kataguiri.

Dentre os casos na Justiça Eleitoral estão alguns mais avançados e que podem tornar Marçal inelegível em eleições futuras: um deles é o que investiga o pagamento de seguidores para produção e divulgação de cortes em vídeo nas redes sociais, instaurado a partir de denúncia da campanha de Tabata Amaral (PSB). Outro investiga a divulgação do laudo falso que acusava Boulos de uso de cocaína.

Há ainda questionamento do próprio PRTB sobre a escolha de Marçal como candidato, além de vários outros casos que tiveram menor repercussão.

Imagem

Embates contra Nunes e Boulos e Datena

Lutando contra Ricardo Nunes por espaço como candidato da direita e do bolsonarismo, Marçal passou os 51 dias disparando uma barragem de ofensas e ataques ao atual prefeito de São Paulo. Ao longo da campanha, acusou Nunes de corrupção, desvio de merendas escolares, superfaturamento de creches, violência doméstica e vínculo com o PCC.

Continua após a publicidade

Ele usou termos como "babaca", "covarde", disse que o prefeito era "esquerdista" e tentou emplacar o apelido "Bananinha".

Ricardo Nunes (MDB), em discurso após avançar ao 2º turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo
Ricardo Nunes (MDB), em discurso após avançar ao 2º turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo Imagem: Reprodução/GloboNews

As 31 ações de Nunes contra Marçal são eleitorais, e tratam de pedidos de resposta pelas ofensas ou pedidos de remoção de conteúdos postados por Marçal, quase sempre com sucesso: pelo menos 13 deles já foram encerrados com decisão favorável ao prefeito.

Também estiveram no centro das ações as repetidas acusações sem provas feitas por Marçal contra Guilherme Boulos, alegando que o candidato do PSOL seria usuário de cocaína. Aliado do coach, o candidato a vereador Daniel José (Podemos) também embarcou nas acusações e foi alvo de ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

José Luiz Datena (PSDB), que agrediu Marçal com uma cadeirada em debate no dia 15 de setembro, acionou a Justiça Eleitoral dez vezes e a Justiça Cível outras duas. Todas as ações tratam do mesmo tema: o apresentador acusa Marçal de ter feito insinuações com gírias usadas para fazer alusão ao crime de estupro. A Justiça Eleitoral concedeu direito de resposta e ordenou a remoção de posts de Marçal.

Lula, Kataguiri, Lancellotti, e ataque a ex-servidor de ministério

Os ataques de Marçal durante a campanha ultrapassaram a esfera dos adversários diretos na corrida. O coach publicou conteúdos acusando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "roubar trilhões de reais"; disse que Kim Kataguiri, um dos fundadores do Movimento Brasil Livre recebia dinheiro de Ricardo Nunes e estava "na mão" do prefeito; chamou o padre Júlio Lancellotti de "lança leite" e disse que seu trabalho na filantropia era "politicagem".

Continua após a publicidade

O ex-servidor do Ministério do meio ambiente e apoiador de Boulos Marco Mills Martins caminhava pela rua quando foi atacado por Marçal: o coach soprou um pó branco na sua direção e depois postou vídeo do ocorrido com a legenda "Faz o M, cheirador". Todos os casos correm na Justiça.

A insistência em acusar Boulos de uso de cocaína culminou com a publicação do laudo falso na última sexta-feira. O documento é assinado pelo médico José Roberto de Souza, falecido em 2022 - a assinatura usada por Marçal é falsa.

Laudo falso sobre Boulos em perfil verificado de Pablo Marçal no X
Laudo falso sobre Boulos em perfil verificado de Pablo Marçal no X Imagem: Reprodução / X

A família de José Roberto de Souza foi a última parte atacada por Marçal a acionar a Justiça no último dos 51 dias de campanha. Carla de Souza, filha do médico, entrou neste sábado com uma ação popular pedindo a cassação da candidatura do coach.

Domínio da internet e total desprezo por regras

Para especialistas em direito eleitoral, a Justiça enfrenta desafios para responder ao comportamento de Pablo Marçal. O domínio do coach sobre a internet e a forma como ignora a legislação são fatores inéditos no cenário político nacional.

Continua após a publicidade

"É lógico que uma situação como essa deixa a gente perplexo, mas não pode pensar a norma com base na exceção da exceção, nós nunca tivemos isso. É uma situação em que você tem ao mesmo tempo uma pessoa com completo descolamento do cumprimento de regras e uma capacidade de comunicação na internet maior do que todos seus adversários somados multiplicados por dez", explica o advogado Fernando Neisser, advogado e professor da FGV-SP.

Neisser avalia que a Justiça Eleitoral foi atuante na campanha de Pablo Marçal, e projeta que o coach deve ser condenado e ficar inelegível, em particular pela divulgação do laudo falso e pelo pagamento por cortes de vídeo de campanha.

"Ele vai ser investigado, eventualmente condenado, punido e vai ficar oito anos inelegível. Essa é a resposta", afirma Neisser. "A gente tem um exemplo na nossa cara sobre isso, porque grupos políticos ligados ao ex-presidente Bolsonaro buscaram construir uma atuação em torno do discurso de descredibilizar o sistema de votação. Fizeram isso por dois ciclos eleitorais. Esse tema sumiu do debate. Eu tô acompanhando as eleições municipais e candidatos ligados ao Bolsonaro e esse tema desapareceu pela firmeza dada na resposta eleitoral. Isso deve se repetir".

Deixe seu comentário

Só para assinantes