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Fornecedor da Prefeitura de SP acusa aliado de Nunes de pedir propina

Um fornecedor da ADE Sampa (Agência São Paulo de Desenvolvimento), vinculada à prefeitura da capital paulista, acusa o presidente da entidade, Renan Marino Vieira, de lhe pedir propina.

Vieira é aliado próximo do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição.

A denúncia foi feita por Edilson Pereira Oliveira. Ele é dono da Suede, que desde 2019 fornecia funcionários terceirizados à ADE Sampa.

Ele procurou a polícia em agosto de 2023 para registrar boletim de ocorrência.

Segundo o inquérito policial, Oliveira relatou que em 15 de dezembro de 2022 Vieira o chamou para uma reunião numa churrascaria na zona sul de São Paulo.

A Suede pedia desde outubro daquele ano uma renegociação com a ADE Sampa -- havia despesas extras não previstas no contrato em vigor.

Oliveira registrou no BO que Renan teria lhe pedido que "lhe fosse repassado 50% do valor pedido no reequilíbrio de contrato".

"Mesmo com o fato de não ter concordado com as condições de Renan, o contrato continuou sendo cumprido normalmente, porém sem o reajuste solicitado", registrou o fornecedor.

O empresário reafirmou a denúncia em dois depoimentos adicionais à Polícia Civil, mas disse não ter registros da conversa.

Segundo Oliveira, após o almoço na churrascaria ele teria sido surpreendido com descontos nos pagamentos mensais da ADE Sampa.

Sede da churrascaria Nativas, na zona sul de São Paulo, onde empresário diz ter se encontrado Renan Vieira
Sede da churrascaria Nativas, na zona sul de São Paulo, onde empresário diz ter se encontrado Renan Vieira Imagem: Thiago Herdy/UOL

A justificativa da entidade, segundo registrado em depoimento, eram as "supostas faltas cometidas por funcionários da Suede durante a prestação de serviços".

Segundo Oliveira, a relação com a prefeitura ficou insustentável. Seis meses após o encontro, sem retorno e com medo de falir, ele apresentou um pedido de renúncia ao contrato.

Entre os documentos levados pelo empresário à polícia estão os emails em que cobra os valores descontados após o alegado pedido de propina de Vieira.

Oliveira entrou na Justiça e, em julho deste ano, a juíza da 3ª Vara Cível de São Paulo, Monica Di Stasi, deu razão a ele e decidiu que os descontos feitos pela ADE Sampa foram ilegais.

No entendimento da juíza, a empresa não foi notificada sobre as razões para a aplicação de multa contratual, tampouco teve a chance de apresentar sua defesa em âmbito administrativo.

A ADE Sampa foi condenada a pagar R$ 476,8 mil à Suede, acrescidos de juros. Cabe recurso à decisão.

Renan Vieira (centro); ao fundo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB)
Renan Vieira (centro); ao fundo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) Imagem: Reprodução

O caminho de Vieira

Oliveira afirmou ao UOL ter sido orientado a não dar detalhes sobre o caso à imprensa para não atrapalhar as investigações.

Ele disse que reafirma o teor de suas declarações às autoridades.

"Se eu concordasse com isso (suposta propina), estaria para sempre na mão deles. Na forma como estava sendo proposto por ele, não tinha como isso dar certo", disse sobre a proposta de Vieira.

Renan Vieira é ex-presidente do Conselho da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul), entidade que já foi presidida pelo prefeito Ricardo Nunes.

No início de 2021, ele ocupou a chefia da subprefeitura da Capela do Socorro, por indicação de Nunes.

Após a morte de Bruno Covas (PSDB) e a ascensão do vice Nunes ao cargo de prefeito, ele foi nomeado em agosto daquele ano presidente da ADE Sampa, um cargo estratégico e com atuação próxima ao prefeito.

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A ADE Sampa é a agência de apoio ao empreendedorismo na cidade e vinculada formalmente à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho.

O UOL perguntou a Oliveira se o prefeito foi mencionado durante as tratativas com Vieira.

"Ele (Renan) falava diversas vezes para a gente que ele é ligado diretamente ao prefeito. Você me pergunta se ele é soldado do prefeito? Ele é. Mas não tenho como saber se o prefeito sabe tudo o que ele faz", afirmou.

Por meio da assessoria de imprensa, a reportagem perguntou a Nunes se ele sabia das denúncias contra seu aliado, mas não houve resposta.

A reportagem perguntou a Renan Vieira se o almoço citado pelo ex-fornecedor aconteceu, mas ele também não respondeu.

Por meio de nota, sua assessoria informou:

"Em relação à acusação que teria sido feita por um empresário, o sr. Renan Vieira a considera leviana e irresponsável."

Questionada sobre a interrupção em parte dos pagamentos à Suede, a prefeitura registrou:

"A administração municipal informa ainda que tratou-se de uma decisão da própria empresa Suede em não renovar o contrato de prestação de serviço".

A investigação da Polícia Civil segue em curso.

Renan Vieira e Ricardo Nunes com integrantes da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul)
Renan Vieira e Ricardo Nunes com integrantes da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul) Imagem: Reprodução/Facebook

Organização aliada

Com a saída da Suede, a ADE Sampa divulgou em agosto de 2023 um edital para escolha de um novo fornecedor.

Em vez de empresas, foram chamadas organizações da sociedade civil para realizarem o trabalho de orientação a microempreendedores nos postos da prefeitura, a um custo estimado em R$ 19,4 milhões.

O prazo para a apresentação de propostas foi de apenas 10 dias.

Duas organizações se inscreveram, mas apenas uma foi classificada: o Instituto Viva Melhor (IVM), entidade da zona sul paulistana, reduto político de Nunes.

O IVM administra sete creches e unidades de atendimento à criança e ao adolescente financiadas pela prefeitura.

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Uma terceira organização reclamou do prazo do edital, pois a legislação determina prazo mínimo de 30 dias para elaboração de propostas. A reclamação foi desconsiderada.

Segundo o Diário Oficial, em julho de 2021 o IVM indicou o filho de Ricardo Nunes, Ricardo Nunes Filho, para representá-lo de forma voluntária no Conselho Municipal dos Direitos da Juventude.

Sede do IVM, que já teve como representante o filho do prefeito Ricardo Nunes, Ricardo Nunes Filho
Sede do IVM, que já teve como representante o filho do prefeito Ricardo Nunes, Ricardo Nunes Filho Imagem: Thiago Herdy/UOL

Apesar da indicação, Nunes Filho não chegou a ocupar o posto -- um representante de outra entidade foi escolhido para seu lugar.

Por meio da assessoria de imprensa da prefeitura, o UOL perguntou ao prefeito se ele ou o filho tiveram alguma participação na escolha da organização escolhida pela ADE Sampa, além de questionar qual a relação deles com a entidade.

"O sr. Ricardo Nunes Filho nunca teve participação na entidade. Informa também que ele próprio pediu, logo depois da inscrição, para que fosse cancelada sua participação no pleito ao Conselho Municipal dos Direitos da Juventude, os quais são formados por voluntários que não recebem qualquer tipo de remuneração", informou a prefeitura.

Segundo o Portal da Transparência paulistano, O IVM recebeu R$ 6,3 milhões do governo municipal em 2020.

Esses valores cresceram ano a ano a partir da chegada de Nunes ao poder. Entre 2021 e 2024, os repasses somaram R$ 109,4 milhões.

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O representante do IVM, Geraldo Salvador de Souza, não retornou os contatos da reportagem.

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Imagem: Arte/UOL

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