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Bolsonarista raiz suaviza a imagem para ganhar do PT na capital do agro

Neto de pastor e defensor dos ideais bolsonaristas antes mesmo de Jair Bolsonaro ser um nome nacional, o deputado federal Abílio Brunini (PL) fez força para não ser visto como um político de extrema direita.

Na disputa pela Prefeitura de Cuiabá, ele baixou o tom de voz, tolerou provocações e trocou polêmicas por propostas. Um feito para quem ficou famoso por atravessar a rua para brigar.

Essa mudança teve largada por causa de uma pesquisa feita pelo PL em outubro do ano passado — os dados revelaram o cansaço do eleitor com as confusões de Abílio como maior empecilho para a vitória.

O presidente do partido em Mato Grosso, Ananias Filho, recrutou um marqueteiro para mudar esse cenário.

Neste domingo (27), o deputado ganhou a eleição com 53,8% dos votos válidos. Lúdio Cabral, do PT, recebeu 46,2%.

Abílio alugou um posto desativado como comitê eleitoral e comemorou a vitória no local
Abílio alugou um posto desativado como comitê eleitoral e comemorou a vitória no local Imagem: Felipe Pereira/UOL

O que você quer ser quando crescer?

Logo no começo do trabalho, o marqueteiro Caco Mesquita chamou Abílio para um papo reto.

Ele afirmou que a postura de ir para uma UPA filmar problemas, gerando embates e likes nas redes sociais, renderia meia dúzia de mandatos de deputado federal, mas que inviabilizaria ser prefeito ou governador.

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Mesquita acrescentou que ser vereador ou deputado proporciona um microfone para gritar, mas que um cargo no Executivo dá acesso à caneta e ao poder de mandar.

Segundo o marqueteiro, para ganhar o voto do eleitor Abílio teria de provar maturidade e capacidade de gestão, atributos distantes do perfil de "bobo da corte" e causador de confusão construído por ele na Câmara dos Deputados.

O recado foi entendido.

Abílio ergue o braço triunfante com a vitória na eleição a prefeito de Cuiabá
Abílio ergue o braço triunfante com a vitória na eleição a prefeito de Cuiabá Imagem: Rennan Oliveira

Não houve media training, mas longas conversas para construir novos comportamentos. Abílio foi aconselhado a ser mais tolerante com adversários e mais caloroso com os eleitores.

Era hora de cumprimentar com um sorriso e chegar perto das pessoas — a avaliação era que o capital de seguidores nas redes sociais não era explorado da melhor forma.

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A língua afiada tomou horas de trabalho do marqueteiro e dos caciques do partido. Abílio pensa rápido, tem facilidade para ironia e para formular frases de efeito, mas muitas vezes descambava para a chacota. A impressão é que não tratava assuntos importantes de forma séria.

O presidente do PL conta que pesquisas feitas em janeiro mostraram que quase 50% da população de Cuiabá é conservadora e patriota. Um comportamento mais próximo ao de um estadista iria angariar os votos que faltavam para uma vitória em segundo turno.

Abílio foi a um culto agradecer pela vitória na eleição a prefeito em Cuiabá
Abílio foi a um culto agradecer pela vitória na eleição a prefeito em Cuiabá Imagem: Reprodução X

Fornecendo argumentos a Abílio

Ficou decidido que o deputado iria investir na imagem de homem que fez 40 anos e amadureceu. Para fortalecer esse discurso, foi sugerido ressaltar o nascimento dos dois filhos. A perda do avô durante a pandemia também foi citada.

Os acontecimentos foram embalados como fatos que fizeram Abílio refletir sobre seu papel de homem, pai e figura pública. Associado ao novo comportamento, ele se apresentou ao eleitor de Cuiabá como uma pessoa que aprendeu com a atividade politica. Virou um representante do bolsonarismo 2.0. Mas não o único.

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Candidato a prefeito de Fortaleza, o deputado federal André Fernandes (PL) abandonou a pauta de costumes e o hábito de zombar da esquerda. Ele chegou a esconder Jair Bolsonaro. A equipe de Abílio usa o caso para sugerir que a realidade exige mudanças de mais representantes do "bolsonarismo raiz" que buscam cargos no Executivo.

Em Cuiabá, até a fase das polêmicas de Abílio ganharam releitura. O discurso durante a campanha foi de que houve uma revolta legítima e proporcional ao tamanho do problema. A postura foi apresentada como uma reação que qualquer cidadão teria. Além de amenizar o perfil briguento, serviu para pregar que Abílio é um homem do povo.

O humor forneceu a saída para a última investida dos concorrentes. No final do primeiro turno, os adversários tentaram colar ao então candidato a pecha de louco.

A campanha subverteu a acusação e criou o slogan de que Abílio é "louco por Cuiabá". Camisetas com a frase foram distribuídas. A provocação dos rivais não deu o efeito esperado e foi interrompida no segundo turno.

Abílio concede entrevista na saída do último debate da eleição
Abílio concede entrevista na saída do último debate da eleição Imagem: Felipe Pereira/UOL

Aposta na polarização

A parte final da estratégia de campanha foi trazer os nomes de Bolsonaro e de Lula para a disputa. Abílio disputava contra Lúdio Cabral, deputado estadual do PT. A alta rejeição ao presidente no Mato Grosso era um argumento forte.

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Mas a situação ficou mais complicada quando o petista tratou de se posicionar contra o aborto, legalização das drogas e a chamada "ideologia de gênero". A tática de provocar medo no eleitor conservador ficou menos eficaz. Lula, então, virou a fragilidade a ser explorada.

A vitória ocorreu com mais dificuldade que o esperado. Pesquisas feitas na véspera de eleição indicaram empate técnico. No fim, Abílio teve 7,6% de vantagem. Quando foi comemorar com os militantes, encontrou os bolsonaristas mais radicais. Os gritos entoados com maior afinco foram "fora PT" e "Globo lixo".

Os integrantes da campanha deixaram a multidão à vontade. Era noite de festa. Mas a equipe do futuro prefeito avalia que a eleição em Cuiabá foi uma prévia das próximas disputas eleitorais — uma esquerda menos agarrada a pautas históricas e bolsonaristas se movendo para o centro.

Abílio estará sob análise. Vai revelar se o discurso de maturidade é real ou promessa de campanha. As primeiras reações foram de estadista. Ele elogiou Lúdio Cabral e disse que conversará com o governador e o presidente porque buraco de rua não tem coloração partidária. Resta saber se o futuro prefeito vai manter a postura por quatro anos.

Militante tira foto com o prefeito eleito de Cuiabá durante festa no centro da cidade
Militante tira foto com o prefeito eleito de Cuiabá durante festa no centro da cidade Imagem: Rennan Oliveira

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