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Judiciário patina em igualdade com 35% de mulheres em cortes superiores

O Judiciário está longe da igualdade nas vagas para mulheres. A presença feminina é muito menor que a dos homens, especialmente no alto escalão dos tribunais superiores, apesar da implantação de regras importantes sob o comando de Luís Roberto Barroso no STF (Supremo Tribunal Federal) e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Raio-X

Maioria na população e minoria no Judiciário. As mulheres representam 51,5% da população brasileira, aponta o Censo, mas ocupam apenas 39,37% dos cargos na magistratura, segundo o painel do CNJ, o que inclui todas as instâncias da Justiça. Em 2024, elas eram 36,8% do Judiciário.

Proporção de mulheres cai quanto mais alto forem os cargos. Entre os 372 magistrados de cortes superiores — instância em que há a decisão definitiva das ações na Justiça --só 35% são mulheres, segundo o CNJ. São considerados juízes de cinco tribunais superiores: TST (Tribunal Superior do Trabalho), STM (Superior Tribunal Militar), STJ (Superior Tribunal de Justiça), TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e STF.

Nenhuma desembargadora. A participação feminina cai ainda mais, para 18%, nos cargos de ministro e conselheiro. Já entre os desembargadores nos tribunais superiores, cargo acima dos juízes, não há nenhuma mulher.

Pirâmide invertida. Segundo o STF, entre os juízes de primeira instância, 40% são mulheres, razão pela qual este percentual serve de meta para a segunda instância.

Meta atingida na Justiça do Trabalho, e resultado aquém na Justiça estadual e federal. Nos tribunais de segundo grau, a meta de 40% já foi atingida na Justiça do Trabalho, com 42% de mulheres desembargadoras. Nas Justiças Federal e Estadual, entretanto, os percentuais ainda são de 23,6% e 22,7%.

Única presidente mulher em tribunal militar. No STM, há uma mulher entre 15 ministros. A autodeclarada feminista Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha ocupa a presidência desde março e é a primeira mulher eleita para o cargo em mais de 200 anos de história da Corte Militar.

Em breve, não será a única. A advogada Verônica Abdalla Sterman foi indicada por Lula para o STM, mas ainda espera a sabatina no Senado. Seriam, então, 2 mulheres para 13 homens.

STF tem mulher solitária. No Supremo, apenas a ministra Cármen Lúcia ocupa uma das 11 cadeiras desde a aposentadoria de Rosa Weber, substituída por um homem: Flávio Dino. O outro nomeado por Lula neste mandato foi seu advogado Cristiano Zanin.

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Vagas no STJ poderiam melhorar o cenário. No STJ, são apenas cinco ministras entre os atuais 32 integrantes (16%). A indicação mais recente, de Carlos Brandão, no dia 27 de maio, veio preencher a vaga da ministra Laurita Vaz, que se aposentou.

Expectativa com promoção de outra mulher. O presidente Lula precisa indicar um novo nome para o lugar de Assusete Magalhães, também aposentada. A expectativa é que a vaga fique com uma mulher, o que ameniza o quadro, mas longe da equidade.

Judiciário brasileiro em transição. O Brasil tem buscado evitar a discriminação de gênero no Judiciário, como parte da Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas). A resolução que institui a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Judiciário é um marco, com mentoria e redes de apoio a mulheres que buscam cargos de liderança.

Nova regra quer ampliar presença feminina nos tribunais. Em 2023, o CNJ aprovou uma resolução que determina o uso alternado de listas exclusivas para mulheres e listas mistas nas promoções por merecimento, até que as desembargadoras alcancem 40% de presença nos tribunais. A medida foi assinada por Rosa Weber e teve sequência com Barroso.

20 juízas promovidas. Desde 2024, segundo dados do CNJ, 20 juízas foram promovidas a desembargadoras por listas exclusivamente femininas. A primeira foi a juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes, promovida pelo Tribunal de Justiça de SP em abril de 2024. A expectativa é que esse número cresça. Mas apesar das promoções, nem todas as desembargadoras ocupam cargos nas cortes superiores.

Barroso se diz compromissado com a equidade. Ele fala em "fortalecimento da diversidade" e "pluralidade" em decisões judiciais (leia a íntegra da resposta ao final do texto). O ministro cita as resoluções adotadas pelo CNJ em ações afirmativas de gênero como uma ação positiva, mas vê a necessidade de "mais tempo de vigência para que produza os efeitos esperados".

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Promoção de 24 mulheres. Desde a entrada em vigor da resolução de listas exclusivamente femininas em 2023, foram promovidas 24 mulheres em Tribunais de Justiça estaduais em 14 estados —todas cortes de primeira instância. Entre eles, Espírito Santo (1), Goiás (2), Paraíba (1), Pernambuco (2), Paraná (2), Rio Grande do Sul (2), e São Paulo (4). Também mais três mulheres em Tribunais Regionais Federais.

O que explica a situação

Exclusão de mulheres na cúpula do Judiciário é antiga. Pesquisas do Judiciário apontam a falta de crescimento dos percentuais de participação feminina nas promoções nos tribunais de Justiça, Regionais Federais e do Trabalho.

O TSE é o tribunal com menor presença feminina. A Corte Eleitoral se destaca negativamente em todos os cargos, principalmente os altos: apenas 25% de seus integrantes são mulheres. Já o STJ tem a maior proporção de mulheres, totalizando 38% de magistradas.

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Participação feminina é maior em estados com pouca representatividade nacional. Amazonas (46%), Acre, Amapá e Rio de Janeiro (43%) têm os maiores percentuais de presença feminina na Justiça Federal, mas os três primeiros têm número reduzido de magistrados, o que limita o impacto nos índices nacionais.

Os estados com maior percentual de mulheres entre os magistrados são:

  • Amazonas - 46%
  • Acre - 43%
  • Amapá - 43%
  • Rio de Janeiro - 43%

Justiça do Trabalho lidera em equilíbrio de gênero. Entre os 3.549 magistrados, 47% são mulheres.

Justiça do Trabalho quase alcança igualdade

  • Juiz(a) substituto(a): 51,14% feminino
  • Juiz(a) titular: 46,72% feminino
  • Desembargador(a): 39,23% feminino
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Alguns estados alcançam maioria feminina na magistratura. São Paulo, Bahia e Pernambuco, com 56%, 55% e 54%, respectivamente, se destacam com maioria de mulheres nos cargos de juíza substituta, titular e desembargadora.

Os próximos passos

Dificuldades apontadas por mulheres. Estudos sugerem que o baixo crescimento da presença feminina é reflexo de barreiras, como a dificuldade de mudança de domicílio em razão de promoções, segundo levantamento da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Entre as magistradas ouvidas, 84% relataram dificuldade de ser acompanhada pelo cônjuge em caso de transferências.

Maior carga doméstica para elas. O próprio Barroso diz que "a ascensão de mulheres aos mais altos cargos do Judiciário é dificultada pelas exigências atribuídas ainda de forma desproporcional à condição feminina, sobre a qual recai, por exemplo, maior carga de trabalho com funções domésticas e de cuidado de filhos e familiares".

Leia a íntegra da resposta do STF

"A política de paridade de gênero nos tribunais não está a cargo do STF, mas sim do CNJ, que é o órgão responsável pelo controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário. O aumento da participação feminina em cargos de decisão fortalece a diversidade e a pluralidade de perspectivas nas decisões judiciais, bem como uma composição do Judiciário mais inclusiva e representativa da sociedade. Por isso, o CNJ editou a Resolução nº 525, de 27.09.2023, instituindo uma ação afirmativa de gênero para acesso de magistradas aos tribunais de segunda instância (tribunais de justiça, tribunais regionais federais e tribunais regionais do trabalho). Como resultado, desde a entrada em vigor da Resolução CNJ nº 525/2023 até hoje, foram promovidas 24 mulheres em listas exclusivamente femininas, nos seguintes tribunais: TJES (1), TJGO (2), TJMA (1), TJMG (1), TJMS (1), TJMT (1), TJPB (1), TJPE (2), TJPI (1), TJPR (2), TJRS (2), TJSC (1), TJSP (1), TJSP (4), TRF1 (1), TRF3 (1) e TRF5 (1).

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Entre os juízes de primeira instância, 40% são mulheres, razão pela qual este percentual serve de meta para a segunda instância. Nos tribunais de segundo grau, a meta de 40% já foi atingida na Justiça do Trabalho, com 42% de mulheres desembargadoras. Nas Justiças Federal e Estadual, entretanto, os percentuais ainda são de 23,6% e 22,7% respectivamente, de modo que é necessário mais tempo de vigência para que a política de ação afirmativa produza os efeitos esperados. Os dados podem ser acompanhados no painel disponível no seguinte link: Poder Judiciário - Dados de Pessoal do Poder Judiciário.

Além disso, o CNJ também aprovou outras medidas de equidade, como a Resolução CNJ n. 496/2023, que alterou a Resolução CNJ n. 75/2009 para estabelecer paridade de gênero nas comissões examinadoras e bancas de concurso da magistratura. Também foi editada a Resolução CNJ nº 540, de 18.12.2023, segundo a qual os tribunais devem observar, sempre que possível, a participação equânime de homens e mulheres, com perspectiva interseccional de raça e etnia, para que haja, no mínimo, 50% de mulheres em cargos como juízas auxiliares da Presidência e Corregedoria, cargos de chefia e assessoramento, comissões, comitês, grupos de trabalho, mesas de eventos, estagiárias e terceirizadas etc.

Para os Tribunais Superiores não há promoções por merecimento, mas indicações relativamente discricionárias do Executivo, que ficam sujeitas à aprovação do Senado Federal. As indicações para o Supremo Tribunal Federal dependem do Presidente da República (CF, art. 101, parágrafo único). Outros Tribunais Superiores, como o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho, também dependem de indicação do Presidente, mas entre os integrantes de listas formadas por representantes de órgãos e entidades de classe (CF, art. 104, parágrafo único, e art. 111-A). Nesses casos, o aumento do número de mulheres depende das escolhas do Presidente da República e também da presença feminina nas listas que lhe são submetidas, quando aplicável.

A ascensão de mulheres aos mais altos cargos do Judiciário é dificultada pelas exigências atribuídas ainda de forma desproporcional à condição feminina, sobre a qual recai, por exemplo, maior carga de trabalho com funções domésticas e de cuidado de filhos e familiares. Isso reduz a disposição para promoções, que muitas vezes envolvem mudanças de cidade. Daí a necessidade de uma política ação afirmativa que sirva de contrapeso a essas dificuldades estruturais, as quais também precisam ser enfrentadas pelo Poder Público e por toda a sociedade.

A adoção dessa política de ação afirmativa suscitou resistências, especialmente no início, inclusive por meio de questionamentos judiciais. Embora compreensível a frustração de quem teve sua promoção adiada em razão da política, trata-se de um efeito colateral necessário para promover um avanço civilizatório. A política tem sido implementada de forma ampla e contínua, o que é necessário para que se obtenham os resultados desejados."

O que Barroso já disse sobre gênero

Por uma questão de justiça de gênero, o que por si só já seria suficiente, mas também por uma questão de interesse público geral. A vida é uma combinação boa do masculino e do feminino na justa medida e, portanto, nós queremos também ter essa manifestação nos tribunais.
Luís Roberto Barroso, em dezembro de 2023

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As mulheres são cerca de 40% dos juízes de primeiro grau, mas, quando chega nos tribunais de segundo grau, são menos de 20%. Portanto, onde é puramente mérito, as mulheres têm este percentual. Onde já há algum tipo de injunção política, as mulheres perdem essa participação.
Luís Roberto Barroso, em fevereiro deste ano

Não me é indiferente o fato de que algumas pessoas do sexo masculino tiveram frustradas as suas expectativas, mas infelizmente alguns avanços produzem esse efeito colateral. Como disse, não me é indiferente, mas às vezes é o preço que a gente tem que pagar para empurrar a história na direção certa.
Luís Roberto Barroso, em maio deste ano

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