Brasil vira alvo de mafiosos italianos: 22 foram presos em 10 anos
O Brasil deixou de ser um lugar em que os mafiosos italianos buscam apenas se esconder e viver uma aposentadoria de frente para o mar.
O país também virou destino para os negócios de organizações criminosas da Itália como Cosa Nostra, 'Ndrangheta e Camorra, as três maiores máfias daquele país.
O movimento chama atenção das autoridades brasileiras e italianas. Em dez anos, pelo menos 22 mafiosos foram presos no Brasil, em operações da Polícia Federal e da Interpol.
Os dados são de um levantamento exclusivo do UOL.
Do total, nove eram procurados pela Interpol por atos ilegais em seu país de origem e 13 cometiam crimes no Brasil quando foram detidos.
A maioria havia sido condenada à prisão na Itália por tráfico internacional de drogas e exercia cargos de chefia em seus grupos.
Outros crimes fazem parte do pacote do mafioso no Brasil:
- Compra de imóveis em nome de laranjas
- Abertura de empresas de fachada
- Investimentos ilegais em empreendimentos imobiliários
- Lavagem de dinheiro
Lavando dinheiro e a própria imagem
No passado, mafiosos usavam o Brasil para fazer uma "lavagem de imagem", mas isso mudou, segundo Jorge Pontes, delegado aposentado da PF que já chefiou a Interpol no Brasil e coordenou investigações e capturas de mafiosos.
Um exemplo é a história do chefe da Camorra napolitana Pasquale Scotti, preso no Recife em 2015 quando levava os filhos de 13 e 15 anos para a escola.
Não havia indícios de que ele tivesse cometido crimes em território brasileiro quando foi preso, a não ser pelo uso de identidade falsa.
"Entre 1980 e 1990, ele vinham, chegavam, constituíam família e não cometiam mais crimes. Nos anos 2000, já havia criminosos ligados às máfias aqui com interesse de negociar exportações de drogas", afirma Pontes.
Brasil no centro do jogo
Oito dos 22 criminosos identificados pelo UOL pertenciam à 'Ndrangheta, considerada a maior organização criminosa do mundo.
Todos eles estavam envolvidos no tráfico internacional de drogas.
A 'Ndrangheta tem operações em 45 países e fatura até US$ 50 bilhões por ano, segundo relatório da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial.
Parte da cocaína comprada na América do Sul e distribuída em países europeus e africanos escoa pelo porto Gioia-Tauro, na Calábria, sul italiano, dominado pelo grupo.
Os principais parceiros da 'Ndrangheta no Brasil são membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), que coloca cocaína em navios que atracam nos portos brasileiros, principalmente o de Santos.
Somente uma dupla de mafiosos da organização, Vincenzo Pasquino e Rocco Morabito, promoveu 15 desembarques de cocaína no porto calabrês entre 2019 e 2021.
A droga vinha de navios que saíram do Brasil, Colômbia, Equador e Panamá.
Morabito visitava o Brasil desde 1992. Usava o país e outros da América do Sul para fazer negócios e se esconder.
Foi preso em 2021 e extraditado para Itália, por determinação do Supremo Tribunal Federal.
O maior mafioso do mundo
A Cosa Nostra atua no Brasil desde pelo menos os anos 1970.
Principal mafioso siciliano, Tommaso Buscetta viveu aqui nos anos 1970 e 1980.
Ele ficou conhecido por se tornar o primeiro grande delator da máfia e um dos primeiros a usar o Brasil como parte da rota de tráfico internacional de cocaína.
Buscetta morreu nos Estados Unidos aos 71 anos, no ano 2000.
Hoje a Cosa Nostra busca o Brasil para lavar dinheiro.
Uma recente operação da PF e do Ministério Público Federal descobriu um esquema que pode chegar a R$ 300 milhões em grilagem de terras, construção de empreendimentos imobiliários e cooptação de PMs e de funcionários de cartórios e de prefeituras de cidades litorâneas no Nordeste.
No mundo todo, o esquema de lavagem de dinheiro pode ter movimentado cerca de R$ 3 bilhões, indica o Ministério Público Federal.
Quem são os principais mafiosos italianos atuantes no Brasil
Giuseppe Calvaruso (Cosa Nostra)
Gestor do caixa da Cosa Nostra, segundo autoridades italianas. Ligado a um dos mafiosos mais procurados do mundo, Giovanni Motisi, frequentava o Brasil havia 15 anos e decidiu fazer investimentos em imóveis e terras no país para lavar dinheiro da máfia. Foi preso em 2021 e cumpre pena de 16 anos de reclusão na Itália.
Pietro Ladogana (Cosa Nostra)
Ele era morador de Natal e braço-direito de Calvaruso. Criou diversas empresas para investir dinheiro da Cosa Nostra no Brasil. Conseguiu dinheiro de sócios italianos não ligados à máfia.
Ele foi condenado a 14 anos de prisão no Brasil por mandar matar um representante desses sócios, Enzo Albanese, após este descobrir que o dinheiro investido era desviado.
Giuseppe Bruno (Cosa Nostra)
Filho de um empresário associado à Cosa Nostra, assumiu os negócios da máfia italiana no Rio Grande do Norte e na Paraíba, após a prisão de Ladogana. Expandiu os negócios criando novas empresas e sofisticando o esquema que pode ter lavado R$ 300 milhões no Brasil. Foi preso em setembro pela Operação Arancia.
Rocco Morabito e Vincenzo Pasquino ('Ndrangheta)
A dupla de criminosos comandava um esquema de tráfico de drogas e de armas, que tinha como base o Brasil.
Rocco Morabito, 58, vulgo Tamunga, era tido pela Interpol como "um dos foragidos mais procurados da Europa", até ser pego em 2021 no terceiro andar de um flat no bairro de Tambaú, em João Pessoa, pela PF.
Pasquino também foi detido na ocasião. Morabito enviava armas "procedentes dos países da ex-União Soviética" para a América do Sul.
Aqui, elas teriam como destino as mãos de guerrilheiros, grupos paramilitares e seguranças de cartéis. Ambos foram extraditados para Itália.
Pasquino firmou acordo de colaboração premiada com a Justiça italiana e prometeu entregar nomes de parceiros do crime no Brasil e na Itália.
Nicola Assisi e Patrick Assisi ('Ndrangheta)
Nicola Assisi (pai) e Patrick Assisi (filho) formavam um dos principais elos entre o PCC e a máfia da Calábria. Viviam no Brasil desde 2013.
Nicola era conhecido no mundo do crime como "Fantasma da Calábria", dado seu perfil discreto.
Já Patrick se casou com uma brasileira e teve dois filhos, um deles nascido no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Os dois já tinham condenação de mais de 30 anos de prisão na Itália. Em 2019, a dupla foi presa em Praia Grande (SP), no mesmo prédio onde morava o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos principais chefes do esquema internacional de tráfico do PCC.
Pai e filho cumprem pena por tráfico internacional de drogas em presídios federais.
Pasquale Scotti (Camorra)
"Pasquale está morto. Eu sou Francisco", foi assim que Pasquale Scotti se apresentou aos policiais federais que o prenderam em 2015, no Recife.
Seus negócios incluíam uma sociedade de uma casa noturna, uma empresa de importação de alimentos, uma fábrica de fogos de artifícios e uma imobiliária.
Ele usava no Brasil o nome falso de Francisco de Castro Visconti. Na Itália, de onde fugiu em 1984, ele foi condenado por 22 homicídios. Foi extraditado em 2016. Ele chorou ao deixar o Brasil.