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Professor não pode virar fiscal de celular em aulas, alertam educadores

A aprovação nesta terça-feira (12) do projeto de lei que veta o uso do celular nas salas de aula e nos intervalos de escolas de São Paulo abre espaço para o debate sobre quem fiscalizará a regra e como ela será implementada.

Segundo a proposta assinada por 41 deputados estaduais, aprovada em votação simbólica, caberá às escolas "estabelecer protocolos para o armazenamento dos dispositivos eletrônicos durante todo o horário escolar".

Para educadores ouvidos pelo UOL, a responsabilidade deve ser dividida.

"A fiscalização não pode ficar só nas costas do professor, que já tem uma série de atribuições na sala", ressalta o educador Mozart Neves Ramos, especialista em políticas públicas voltadas à área da educação.

Ex-secretário de educação de Pernambuco, ele diz que a nova lei, em alguns casos, tende a expor os docentes a mais riscos, caso não se estabeleça uma norma clara com os pais, alunos e gestores responsáveis.

Neves cita os recorrentes casos de violência sofridos por professores da rede pública para respaldar a necessidade de um acordo entre os envolvidos, assim como campanhas de conscientização.

"Caso contrário, o problema vai continuar", diz Mozart, que é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, centro de pesquisa da USP Ribeirão Preto.

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Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Protocolo para as escolas

Manoela Miranda, gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, demonstra a mesma preocupação.

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"Defendemos um protocolo muito claro e apoio às escolas para que gestores e professores consigam implementar a norma sem que ela se transforme em uma demanda a mais", afirma.

Vice-presidente da Apeoesp (Sindicato dos professores do estado de São Paulo), a deputada estadual Bebel (PT) afirma que os pais dos alunos devem ser responsabilizados pelo cumprimento da lei. "Inclusive assinando um termo específico."

Autora do projeto, a deputada Marina Helou (Rede) diz que o texto dá respaldo a professores e diretores, que enfrentam uma batalha contra os eletrônicos nas salas de aula, mas destaca que caberá ao governo estadual criar os mecanismos necessários para que lei seja tirada do papel.

"A parceria com a Secretaria da Educação vai ser fundamental nessa implementação, tanto na formação como no apoio. A ideia é tirar do professor essa responsabilidade (de fiscalização)", diz.

28% das escolas de ensino fundamental e médio do país vetam o uso de celular e 64% impõem algum tipo de restrição ao uso, como horários pré-determinados.

Os dados são da pesquisa TIC Educação 2023, do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).

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A explicação para a adoção de ações pontuais está no apoio dos docentes.

Enquete divulgada pelo Sind-UTE/MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) mostra que 95% dos professores das redes estadual e municipais veem prejuízos no uso inadequado de celulares em escolas.

6,5% dos docentes afirmam que o uso de celulares interfere na disciplina em sala, promovendo comportamentos de desrespeito e dificultando a gestão da autoridade do professor.

Se a lei for sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), São Paulo seguirá o exemplo da rede municipal do Rio, que desde fevereiro veta o uso do aparelho até em recreios e intervalos.

Na capital fluminense, no entanto, a regra foi estabelecida via decreto e não por lei específica.

Para o psicólogo Cristiano Nabuco, especialista em dependência digital, a discussão não deve se restringir à proibição ou não.

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"Temos de aproveitar esse momento para começarmos a desenvolver um conceito de cidadania digital, que envolve usos e costumes", diz.

Mozart vai além: "Estamos atrasados, mais uma vez, nos debates essenciais relativos à educação. Era para estarmos tratando do uso de inteligência artificial nas salas de aula e da capacitação dos professores para esse desafio".

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