Executivo preso na Lava Jato vence no STF: 'Bala perdida me pegou'
Quase sete anos após ser preso na Operação Lava Jato, o executivo Daurio Speranzini Jr., 63, deixou de ser réu na Justiça.
Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) no início deste mês trancou a ação contra ele.
Na época da prisão, Speranzini era CEO da General Electric na América Latina.
Ele foi um dos alvos da Operação Ressonância, desdobramento da Lava Jato no Rio.
O executivo ficou preso durante um mês em 2018, na cadeia de Pinheiros, em São Paulo, acusado de formação de quadrilha e fraude a uma licitação de 2007, quando trabalhava na Philips.
O juiz do caso era Marcelo Bretas, às vezes citado como "Sergio Moro do Rio". Em 2023, Bretas foi afastado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
"A Lava Jato foi uma bala perdida que me pegou", diz Speranzini, em entrevista exclusiva ao UOL. "A casa caiu", completa.
É a primeira vez que o executivo conta o que ocorreu e qual foi o impacto da operação na sua vida.
Em 14 de janeiro, o ministro do STF Gilmar Mendes, que foi relator do caso, julgou que o MPF (Ministério Público Federal) não apresentou provas ou justa causa para o processo.
"O MPF não descreve minimamente as circunstâncias específicas das condutas" de Speranzini que teriam contribuído para os supostos crimes citados, escreveu Mendes. "Trata-se de uma narrativa manifestamente precária", acrescentou.
Em 27 de janeiro, terminou o prazo para o MPF recorrer.
Matheus Teodoro e Celso Torres, advogados de Speranzini, afirmam em nota que a decisão do STF "corrige uma injustiça e reafirma que a mera posição de liderança em uma empresa não pode justificar imputações penais sem provas concretas".
Frederico Crissiuma, que também defende Speranzini, acrescenta em nota que o processo se arrastou na primeira instância durante mais de seis anos, "sem que a instrução criminal sequer tenha se iniciado".
"Demorou, mas enfim se fez a necessária justiça", diz o advogado.
O executivo conta que festejou o "ponto final" dessa história. "O tempo conserta tudo. Ou quase tudo", diz.
'A casa caiu'
No dia 4 de julho de 2018, a Polícia Federal bateu à porta da casa de Speranzini em São Paulo.
Ele lembra que os policiais não foram violentos, mas zombavam de tudo que viram na casa, inclusive de seus relógios e dos quadros pintados por sua esposa.
"Não estava entendendo o que estava acontecendo. E perguntaram: 'Onde está o cofre?' Eu nem tenho cofre", conta.
Ele diz que foi levado para prestar depoimento na Polícia Federal, onde ficou detido por cerca de cinco dias.
"Depois, fiquei 30 dias no 'cadeião' de Pinheiros. Dormi no chão, porque tinha 15 pessoas na cela e apenas 10 camas", diz.
Ao sair da prisão, com um habeas corpus, ele foi afastado da GE. Ao fim, foi demitido, não por justa causa.
Speranzini conta que ficou debilitado psicologicamente na época.
"Estava indo no psiquiatra e no psicólogo todos os dias. Você imagina o porquê, né? Os pensamentos aos quais a gente é submetido... não são dos melhores", diz.
"A casa caiu de um jeito que era muito maior do que podia suportar."
Após a demissão, ele teve todos os bens bloqueados pela Justiça, inclusive a conta bancária.
"Absolutamente tudo caiu. Não sabia o que estava acontecendo. Tudo podia ter sido um erro de alguém [na Justiça], mas só o fato de eu ter tido essa exposição já foi muito, muito ruim", afirma.
"Foi fulminante. E eu me orgulho de ter aguentado tudo isso. Tive muita ajuda, principalmente da minha família. Graças a Deus, tenho três filhos maravilhosos e minha esposa."
'Modus operandi'
Engenheiro mecânico, Speranzini trabalhou na indústria da saúde desde a década de 1990, passando por diferentes cargos e países como França, Holanda e Argentina. Em 2010, saiu da Philips e foi para a General Electric.
"Trabalhei na GE por oito anos, nos últimos dois deles como presidente institucional, assumindo a responsabilidade de todas as divisões, um faturamento próximo a R$ 45 bilhões por ano, do México à Argentina."
"Também tive a oportunidade de trabalhar nos EUA como vice-presidente da área de serviço mundial, que tinha um budget de cerca de 7 milhões de euros por ano. Ou seja, tive uma carreira importante", completa.
Aos 57 anos, ele voltou ao Brasil para assumir o cargo de CEO da GE na América Latina. "Aí perdi tudo."
Speranzini diz que o "modus operandi" foi similar ao usado com outros alvos da Lava Jato.
"O que se fazia em Curitiba também se fez no Rio", diz, referindo-se às atuações dos juízes Sergio Moro, em Curitiba, e Marcelo Bretas, no Rio, e à pressão dos promotores por delações premiadas.
O executivo diz que não entendeu acordos de leniência com o MPF, tampouco as pressões para que fizesse uma delação —só não sabia sobre o quê.
"Nos últimos seis anos, foram feitas diversas delações premiadas —nenhuma nem sequer menciona meu nome, nenhum acordo menciona meu nome", diz.
O engenheiro diz que foi alvo de uma "bala perdida" da Lava Jato porque estaria "no lugar errado, na hora errada".
"Mas era o mercado onde eu atuava. Ah, não deveria ter falado com tais pessoas —não falei com tais pessoas. Ah, não deveria ter participado de licitação pública —mas minha postura era puramente jurídica, o mercado público de equipamentos médicos representava 70% do mercado, como não vou participar?", questiona.
"Tenho 63 hoje. Eles me roubaram sete anos do melhor da minha vida profissional. Isso é impagável", afirma ele.
O executivo diz que não cogita, até agora, a possibilidade de pedir indenização pelo que passou.
"Tive de aprender a viver de novo. Estou tentando aprender a viver de outra forma. Minha história é essa."
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