Família de Alcolumbre desmatou terra pública no Amapá para plantar soja
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Parentes do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), desmataram terrenos da União para plantar soja.
A empresa responsável foi multada pelo Ibama em 2022, segundo processo obtido pelo UOL.
As terras desmatadas, ocupadas ilegalmente, integram a chamada Amazônia Legal no Amapá.
Pierre Alcolumbre, tio do senador, e Alberto, André, José, Marcos e Hanna Alcolumbre, seus primos, compraram fazendas nos últimos anos em uma região de disputa fundiária, onde há pecuaristas e produtores de soja em terras públicas.
Sob direção de um aliado de Alcolumbre, um ministério do governo Lula (PT) aprovou uma obra de pavimentação de estrada que liga as fazendas da família do senador.
Regularização das terras
Em 2019, durante sua primeira passagem pela Presidência do Senado, Alcolumbre assinou um decreto na condição de presidente da República em exercício para facilitar a regularização de terras obtidas por meio de grilagem no Amapá.
O momento coincide com o avanço das empresas de seus parentes na gleba Matapi Curiaú Vila Nova —área pública de 99 mil hectares (o equivalente a 90 mil campos de futebol) em transferência da União para o estado do Amapá.
As empresas da família —Agropecuária Lago Novo e Agro Alegria— fizeram nessa região, desde 2017, os seguintes registros no CAR (Cadastro Ambiental Rural) federal, necessários para tentar regularizar áreas obtidas por meio de grilagem:
- 4.400 hectares em invasões em área da União;
- 3.800 hectares com matrículas autorizadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Fazendeiros têm direito à regularização sob determinadas condições, como ter o CAR, respeitar a legislação ambiental, não ser proprietário de terras em outros locais, ocupar e explorar a área de forma pacífica e pagar pela transferência da terra.
As terras da família Alcolumbre que estão em área de invasão não atenderam a essas condições, mesmo com o CAR.
A Agro Alegria (nome em homenagem à avó de Davi, Alegria Alcolumbre), uma das empresas de Pierre Alcolumbre, foi multada, em 2022, pelo Ibama em R$ 82 mil por desmatar 81 hectares de área protegida para plantar soja em uma dessas invasões.
Imagens de satélite analisadas pelo Ibama mostram que a supressão vegetal ocorreu entre 2018 e 2020, após a empresa ocupar a região para plantação de soja.
A Agro Alegria negou ter cometido a ilegalidade, mas fez um acordo para compensar a multa com R$ 42,5 mil em objetos doados ao Ibama, como equipamentos e ração para animais silvestres.
A responsável pelo registro das propriedades da Agro Alegria no CAR é Érica Souza Rossi, engenheira ambiental acusada pelo MPF em 2020 de integrar uma organização criminosa envolvida com grilagem na região.
Segundo a acusação, Érica teria "corrompido servidores" do Incra no Amapá para autorizar a regularização fundiária com documentação fraudulenta. A ação penal, oriunda da Operação Shoyu da Polícia Federal, ainda não foi julgada.
"Investigações dão conta de haver se instalado no estado do Amapá um coordenado esquema criminoso", que "agia com o fim de beneficiar indevidamente um grupo de empreendedores do agronegócio" com a participação de Érica, segundo o MPF.
Procurada, Érica disse, por meio de sua defesa, que está a seu favor "o princípio da presunção de inocência" e que não iria comentar a acusação.

Estrada ligando as fazendas
No final de 2023, um convênio foi aprovado pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), de Waldez Góes, ex-governador do Amapá e aliado de Alcolumbre, para pavimentar uma estrada na região das fazendas.
O convênio prevê um repasse de R$ 8,6 milhões à Prefeitura de Santana, comandada por Bala Rocha (PP), também próximo a Alcolumbre.
O trajeto previsto da estrada liga as fazendas dos Alcolumbre ao sul com aquelas ao norte. A obra ainda não começou.
Questionado, o ministério disse que a obra "atendeu aos critérios técnicos e normativos exigidos para a celebração de instrumento de repasse junto ao MIDR".
"Não há qualquer tipo de favorecimento político no convênio em questão, mas sim o alcance de importantes benefícios socioeconômicos na região, com melhorias no fluxo de produção e da acessibilidade dos moradores", disse o ministério.
Disputa judicial
Um decreto de 2016 determinou a transferência dessa e de outras glebas da União ao Amapá. É um pleito antigo de fazendeiros da região, que querem regularizar as áreas de invasões com matrículas no cartório de imóveis.
Com a transferência para o Amapá, a terra continua pública, mas o trâmite do governo estadual para repassar a propriedade a particulares era considerado mais fácil.
Também em 2016, porém, o Ministério Público do Amapá acusou o governo estadual de entregar títulos de domínio em áreas em que não tinha competência para atuar, com indícios de fraudes documentais e violações à legislação fundiária e ambiental.
O processo de transferência da União ao estado ficou travado.
Foi nesse contexto que, em outubro de 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL), Alcolumbre assumiu como presidente em exercício e assinou um decreto com medidas para pressionar a União a transferir, de imediato, as terras ao governo do estado.
Simultaneamente, a família do senador expandia seu domínio. Em 2019, a Agro Alegria começou a plantar soja em suas fazendas; em 2020, a Agropecuária Lago Novo, dos primos André e Alberto, comprou áreas usadas para pecuária.
Em outubro de 2020, a transferência das terras da União para o Amapá foi revertida pela Justiça Federal até que o Incra termine o processo de regularização fundiária, e todos os títulos que haviam sido cedidos pelo estado foram anulados.
Enquanto isso, o Incra está transferindo frações dessas terras a pequenos produtores que cumprem os requisitos da lei.
O UOL pediu posicionamento do Incra sobre os terrenos ocupados pela Agro Alegria.
O órgão respondeu que os imóveis em questão não possuem "processo de regularização junto ao Incra" e não foram "objeto da concessão de título de domínio expedido por esta autarquia".
"Trata-se de suposta ocupação em terra pública", disse.
Procurados, os integrantes da família de Alcolumbre não responderam.
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