Anatel banca R$ 700 mil em cursos e palestras no exterior para conselheiro

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Desde que tomou posse há pouco mais de dois anos, o conselheiro da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) Alexandre Freire engatou cursos e palestras no exterior que custaram R$ 696 mil aos cofres públicos.
Os gastos incluem aulas, voos em classe executiva, seguro-saúde e ajuda de custo para hospedagem e alimentação. As viagens afastaram Freire do Brasil por cerca de três meses.
O mandato do conselheiro termina em novembro de 2027, quando deixará a agência com ao menos seis diplomas de cursos internacionais. Cinco de uma universidade em Boston (EUA) e outro de uma instituição em Oxford (Inglaterra).
Freire fez os dois primeiros cursos em julho e em setembro de 2023, na Universidade de Harvard, nos EUA.
A agência investiu R$ 124 mil nas viagens aos Estados Unidos, para aulas sobre "negociação e liderança" e, depois, sobre "gestão estratégica".
As duas contratações contrariaram regra interna da Anatel, que exige um ano de "efetivo exercício", antes que o servidor faça cursos, intercâmbios ou estágios no exterior. Nas ocasiões, o conselheiro estava na agência havia menos de 12 meses.
A agência reguladora também impõe um intervalo mínimo de 18 meses entre duas capacitações fora do país, mas, segundo a Anatel, o conselheiro tem sido liberado da exigência, por tratarem-se de "casos excepcionais, devidamente motivados".
Alexandre Freire tomou posse em dezembro de 2022. No ano seguinte, fez dois cursos com um hiato de dois meses e, depois, mais dois com uma diferença de cinco meses.
A Anatel afirmou em nota que os gastos com capacitações e viagens ao exterior são públicos, seguem regras orçamentárias e têm "foco no interesse público".
Declarou ainda que o objetivo dos cursos é "contribuir para o excelente desenvolvimento das atividades da agência, que requerem conhecimentos profundos e atualizados".
O que o conselheiro alegou para fazer os cursos
O UOL analisou os pedidos apresentados por Alexandre Freire à Anatel para fazer os cursos e identificou trechos repetitivos:
"[A capacitação presencial] possibilita significativo network entre os representantes da instituição e dos demais órgãos de governo e empresas que estarão presentes, aumentando a rede de influência desta Anatel, o que um curso online não permitiria."
"A estrutura do programa me auxiliará, portanto, a criar uma visão estratégica melhor das ações da agência, tomar decisões mais estratégicas e ter melhor resultado para a Anatel, beneficiando toda sua estrutura por meio de melhores decisões."
"O aprimoramento dessa competência nessa instituição, reconhecida como uma das melhores do mundo, me deixará ainda mais preparado para enfrentar os desafios que virão nos próximos anos, maximizando a criação de valor em ações que envolvam a agência."
Além desses argumentos, Freire justificou como cada programa poderia beneficiá-lo.
Afirmou, por exemplo, que o curso sobre negociação era importante, pois trata-se de "uma habilidade essencial para cumprir com zelo" a tarefa de conselheiro. "Normalmente, as pessoas mais preparadas quase sempre levam a melhor", disse.
Em agosto passado, declarou que a experiência que tinha em gestão e liderança "ainda" não era "suficiente para impulsionar a mudança e garantir o sucesso da Anatel".

Quem é o conselheiro
Alexandre Freire é advogado e trabalhou como assessor na Presidência da República, no Congresso e no gabinete do ministro do STF (Superior Tribunal Federal) Dias Toffoli.
Além de conselheiro, é presidente do Ceadi (Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas), da Anatel. Foi relator do processo em que a empresa Starlink, de Elon Musk, pedia a expansão dos serviços no Brasil.
O centro tem orçamento próprio, dedica-se a pesquisas e debates acadêmicos e opera com 14 integrantes. Metade é da Anatel.
O restante são sete representantes da sociedade civil —quatro deles têm ligação com ministros do STF:
- Roberta Maria Rangel: advogada e esposa de Toffoli;
- Daiane Nogueira de Lira: advogada da União, ex-chefe de gabinete de Toffoli e atual conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça);
- Otávio Luiz Rodrigues Junior: ex-conselheiro da Anatel, trabalhou no gabinete de Toffoli no Supremo e orientou o doutorado de Roberta Rangel.
- Victor Oliveira Fernandes: servidor de carreira da Anatel, ex-chefe de gabinete do ministro Gilmar Mendes e atual conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Além de presidente do Ceadi, Freire também está à frente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações, da Anatel. O conselheiro mencionou os cargos ao solicitar cursos no exterior.
O que diz a Anatel
A agência informou ao UOL que a administração federal permite a compra de passagens aéreas em classe executiva de voos internacionais com mais de sete horas de duração para ministros, secretários e diretores de reguladoras.
Apontou também "necessidade médica", pois o conselheiro teve diagnóstico de trombose.
Declarou que os cursos e missões internacionais "tiveram por fim contribuir para o excelente desenvolvimento das atividades da agência, que requerem conhecimentos profundos e atualizados de telecomunicações e ecossistema digital".
Afirmou que, como presidente do Ceadi, Freire "precisa interagir internacionalmente para a troca de experiências".
O UOL perguntou à Anatel por que o conselheiro foi liberado de exigências internas estabelecidas pela própria agência. A agência informou que o intervalo de 18 meses entre capacitações "pode ser excetuado em casos devidamente motivados" e que não há um limite máximo de cursos que se pode fazer.
"Considerando a duração limitada do mandato, o conselheiro buscou capacitações que tragam valor à agência nesse curto período de tempo, de forma a tomar as melhores decisões possíveis, voltadas ao interesse público", afirmou.
"Considerou-se a realização de capacitações no início do mandato de extrema importância para que os frutos colhidos no evento de capacitação sejam reverberados na agência em um curto espaço de tempo."
A Anatel informou que a participação do conselheiro em duas COPs (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) e em um evento da ONU, nos EUA, "foram fundamentais para consolidar o papel da Anatel como instituição no ecossistema de sustentabilidade e ações verdes".
Em nota, a Anatel também informou que os integrantes do Ceadi são escolhidos pelo conselho diretor. Os representantes ficam por quatro anos e participam voluntariamente. A agência valorizou os currículos dos integrantes.
"A escolha deu-se com base no conhecimento acadêmico e profissional, trazendo as experiências prévias em outros órgãos públicos ou instituições privadas. Não há qualquer relação com conexões a autoridades públicas", afirmou.
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