Contra fraudes, imóvel social em SP terá limite de preço e veto a Airbnb

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Após ter sua política de moradia social contestada na Justiça, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) resolveu intervir nos preços e vetar a compra por investidores para Airbnb.
As mudanças visam reduzir os riscos de fraude na venda de apartamentos populares destinados por lei a famílias de baixa renda.
A definição de valores máximos de venda para unidades enquadradas como HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular) é defendida por urbanistas desde 2014.
Foi quando começou a política de subsídios para a construção de moradias sociais pelo mercado privado em São Paulo.
Segundo o UOL apurou, a prefeitura editará um decreto específico para impor três tipos de limites, segundo as faixas de renda alcançadas.
Os valores estudados são:
- R$ 266 mil para o financiamento de unidades HIS 1 (destinadas a famílias que recebem de zero a três salários mínimos);
- R$ 369,6 mil no caso de apartamentos HIS 2 (endereçados a famílias com renda entre três a seis salários);
- R$ 518 mil para imóveis HMP (construídos para atender uma faixa mais alta, de seis a dez salários mínimos).
O salário mínimo atual vale R$ 1.518.
As faixas se assemelham às determinadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, que, por meio da Caixa Econômica Federal, ainda checa a renda dos potenciais compradores.
Em São Paulo, não há nenhum limite de preço.
Apesar de as unidades serem construídas mediante incentivos fiscais e urbanísticos —a prefeitura deixa de cobrar taxas e ainda libera um aproveitamento maior dos terrenos—, os valores de venda são estipulados apenas pelo mercado.
A checagem da renda também é falha, abrindo brecha para o desvirtuamento da política de incentivos.
Em SP, 'apartamento popular' por R$ 1,5 milhão
A falta de fiscalização faz com o que o metro quadrado de uma HIS 2 seja comercializado a mais de R$ 20 mil em bairros nobres como Pinheiros e Vila Madalena, na zona oeste da capital.
Imóveis de 25 m² saem por R$ 500 mil.
O valor é incompatível com a condição financeira de famílias com renda mensal de três a seis salários mínimos (R$ 4.554 a R$ 9.108).

O caso foi citado em ação civil movida pelo Ministério Público em janeiro deste ano.
Como forma de protesto, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocupou por algumas horas no dia 30 outro prédio em obras na Vila Olímpia para atender, em tese, HIS e HMP. O empreendimento já foi notificado pela prefeitura para comprovar a correta destinação dos imóveis.
Para a professora de direito Bianca Tavolari, da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo), a prefeitura dará um passo importante em direção ao controle dos recursos públicos se determinar tetos de valor para as unidades HIS e HMP.
Mas, novamente, será preciso provar a capacidade de fiscalização.
"Haverá intermediação direta da prefeitura ou esse controle será feito pelas instituições financeiras e/ou cartórios de registro de imóveis? Ainda que a determinação do preço seja relevante, sem uma alteração na forma de controle da demanda não será possível garantir que o público-alvo será atendido", disse Bianca, que também é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Criada em 2014, a política de incentivo à construção de moradias sociais pelo mercado privado em São Paulo chegou a prever que a demanda, ou seja, os moradores, fossem selecionados pela prefeitura.
Mas essa regra foi derrubada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em maio de 2018. Desde então, o município não tem ingerência sobre compradores de imóveis erguidos com recursos públicos.
Segundo a advogada Nathália Lopes, especialista em Direito Imobiliário e Urbanístico, o município precisaria garantir crédito imobiliário e/ou subsídios para que as famílias que são alvo da política tenham de fato acesso à moradia produzida.
"Sem a aliança entre crédito e construção, a efetividade no enfrentamento do déficit habitacional pode ser prejudicada, empurrando a população mais carente, muitas vezes, à moradia precária e informal."
Nunes promete lei contra Airbnb
A segunda alteração planejada pela gestão Nunes é um recuo.
A prefeitura pretende vetar novamente a venda de HIS e HMP para investidores com um projeto de lei a ser apresentado à Câmara Municipal.
A iniciativa visa impedir que os chamados "studios" produzidos mediante subsídio público em áreas valorizadas da capital, sejam usados como Airbnb.
Mas, diferentemente da imposição do teto de valor, Nunes terá de convencer o Legislativo a rever uma regra criada pelos próprios vereadores em junho de 2023, durante a revisão do Plano Diretor.

Na época, os parlamentares incluíram na lei a possibilidade de pessoas fora das faixas de renda adquirirem HIS e HMP.
A contrapartida é alugar tais imóveis para famílias que compõem o público-alvo.
"Com o passar do tempo, a fiscalização não se mostrou viável neste caso, especialmente quando o aluguel é de curta duração", explica o secretário municipal de Habitação, Sidney Cruz.
Nunes confirmou ao UOL que já encomendou projeto nesse sentido.
A avaliação interna é de que, se a compra dentro da faixa de renda já é de difícil fiscalização, a locação será ainda mais.
Nathália ressalta, no entanto, que a competência do município nesta seara é contestada.
Segundo a Constituição Federal, é de competência da União legislar sobre as formas de uso da propriedade, se mediante venda, locação ou comodato, por exemplo.
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