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Construtora vende apartamento que seria para baixa renda por R$ 1,5 milhão

A dez minutos de bicicleta do parque Ibirapuera, em um dos endereços mais caros de São Paulo, um apartamento destinado a famílias de baixa renda é negociado por quase R$ 1,5 milhão.

Lançamento de luxo da Econ Construtora, o Peak Vila Olímpia colocou à venda 386 unidades de 25 m² (a partir de R$ 434.200), 44 m² (a partir de R$ 889.200) e 61 m² (R$ 1.487.700).

Todas as metragens possuem unidades que se enquadram como HIS (Habitação de Interesse Social), exclusivas para compradores ou locatários com renda familiar de três a seis salários mínimos.

Essa é a condição estabelecida pela Prefeitura de São Paulo ao mercado imobiliário em troca de descontos fiscais e incentivos urbanísticos.

Mas os subsídios nem sempre alcançam o público-alvo, segundo investigação do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

O órgão instaurou inquérito civil para apurar a venda de apartamentos que deveriam ter caráter social a investidores e compradores com renda acima do teto definido.

Quase 240 mil imóveis estão na mira da Promotoria de Habitação e Urbanismo, como mostrou reportagem do UOL.

A Econ Construtora informou que o empreendimento foi "devidamente licenciado pela prefeitura" de acordo com as normas vigentes. A empresa destacou ainda que a informação de que parte das unidades seriam HIS constou de todo o processo de aprovação, mas não explicou como checa a renda de eventuais compradores.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) não respondeu à reportagem por que liberou uma HIS avaliada em R$ 1,5 milhão nem qual foi o desconto em outorga onerosa concedido à construtora.

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Conta não fecha

Se tentasse comprar uma das unidades de 61 m², uma família com ganho mensal de R$ 5.648 (quatro salários mínimos, por exemplo) comprometeria toda a renda e levaria mais de oito anos para pagar apenas o ato de compra, as parcelas mensais, semestrais, anuais e as chaves.

Depois, ainda precisaria conseguir aval bancário para financiar o restante (R$ 888 mil).

 Imagem ilustra projeto de fachada do Peak Vila Olímpia
Imagem ilustra projeto de fachada do Peak Vila Olímpia Imagem: Reprodução

Diante da inviabilidade de negociar imóveis com o público-alvo, corretores ouvidos pela reportagem orientam clientes a registrarem a compra em nome de terceiros ou como investidores "para não dar problema no futuro".

Mas a "orientação" só ocorre quando a sigla HIS é citada de alguma forma na negociação. Segundo os mesmos corretores, "ninguém fiscaliza".

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Diferentemente do que exige a legislação municipal, não há "publicidade ostensiva" a respeito do público-alvo, seja no stand de vendas, nos diversos sites que promovem o empreendimento ou na ficha técnica que orienta o trabalho de corretagem e detalha o projeto a clientes.

A reportagem só encontrou menção ao termo Habitação de Interesse Social no final de um vídeo institucional do projeto, mas de forma quase imperceptível, com fonte ilegível a olho nu.

Em nota, a Econ afirmou que a publicidade sobre a tipologia das unidades está refletida nas respectivas matrículas imobiliárias, no material de marketing e nos contratos, conforme as normas atualmente vigentes.

Falta de fiscalização

Segundo o Ministério Público, a distorção é resultado da falta de fiscalização, pela Prefeitura de São Paulo, dos benefícios concedidos pelo município para "incentivar o mercado imobiliário" a produzir moradia para famílias de renda mais baixa.

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O principal subsídio para as construtoras é o desconto parcial ou total da chamada outorga onerosa — taxa cobrada pela prefeitura para se construir acima da área permitida.

 Perspectiva ilustrada do bar previsto para o topo do Peak Vila Olímpia
Perspectiva ilustrada do bar previsto para o topo do Peak Vila Olímpia Imagem: Divulgação

A cobrança não é feita em projetos que possuem 80% ou mais das unidades oferecidas no modelo HIS.

Foi por causa dessa regra, estabelecida no Plano Diretor de 2014, que os chamados "studios" se proliferaram pela cidade em bairros como Vila Olímpia, Itaim Bibi, Vila Madalena e Pinheiros.

A meta era reduzir o déficit habitacional e levar mais moradores a regiões com oferta de empregos e de mobilidade, como nas proximidades das estações de metrô.

Na prática, porém, a suspeita é que dezenas de construtoras se valeram dos benefícios fiscais sem a contrapartida estipulada.

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Para o professor de economia Luciano de Castro, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, o modelo de política adotado pela prefeitura é custoso e ineficiente.

Perspectiva de planta de 61 m² do Peak Vila Olímpia
Perspectiva de planta de 61 m² do Peak Vila Olímpia Imagem: Divulgação

"O governo deveria se preocupar em melhorar a infraestrutura da cidade (transporte e vias públicas, por exemplo), as condições de crédito e, claro, investir em outras medidas que façam com que a população mais pobre aumente sua renda e possa então escolher onde quer morar diante de suas possibilidades e preferências", diz Castro, que chama a atenção ainda para o alto custo de vida em bairros como a Vila Olímpia.

"O resultado é que esse tipo de intervenção pública no mercado acaba por provocar distorções que prejudicam o conjunto da sociedade", completa.

Em nota, a Secretaria Municipal de Habitação informou que notificou 56 empreendimentos até o momento para que apresentem os documentos de comprovação da correta destinação das unidades HIS construídas mediante subsídios.

Já a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento afirmou que cabe ao proprietário do empreendimento a responsabilidade de assegurar que as famílias atendidas estejam dentro das faixas de renda estabelecidas pela legislação.

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Nenhuma multa foi aplicada até agora.

Segundo a legislação, fraudes comprovadas levarão ao pagamento do dobro do valor da outorga onerosa isenta no licenciamento.

Brecha para aluguel

A gestão de Ricardo Nunes flexibilizou as regras no início do ano para tentar reduzir a possibilidade de fraudes.

A prefeitura passou a permitir que imóveis enquadrados como HIS sejam comprados por investidores, desde que alugados para famílias com renda mensal de três a seis salários mínimos.

No caso do Peak Vila Olímpia e em dezenas de outros exemplos na região, no entanto, o valor da locação também impede o acesso à moradia pelo público-alvo.

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A estimativa é de que o aluguel no empreendimento, que fica na rua Quatá, custe ao menos R$ 5.000 por mês, e o condomínio, R$ 900.

Unidades enquadradas oficialmente como HIS já são locadas no bairro para famílias ou solteiros que recebem acima do teto estabelecido pela legislação. É o caso do Viva Benx Vila Olímpia, na alameda Raja Gabaglia.

Entregue há cerca de um ano, o prédio tem várias unidades para alugar nas principais plataformas online.

Os preços variam conforme metragem e decoração. A reportagem encontrou opções de 25 m² por R$ 5.200 por mês, com o condomínio incluso.

A Benx diz em nota que segue rigorosamente as legislações vigentes no desenvolvimento de unidades HIS, "reafirmando o compromisso com a qualidade e com o atendimento das necessidades habitacionais da população".

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