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Brasil perde bilhões com portos defasados e capacidade de carga no limite

O Brasil vem deixando de movimentar bilhões de dólares todos os anos em razão de um problema crônico: saturados, os portos nacionais não conseguem atender a demanda de mercadorias por problemas de infraestrutura.

O que aconteceu

Os portos no Brasil não conseguem receber grandes navios. A capacidade de uma embarcação de contêiner (grande caixa de metal que traslada a carga pelos navios) é medida em TEU — 6,1 metros de espaço para carregar até 16 toneladas. Acontece que os canais dos portos brasileiros têm calado raso, e não podem receber os maiores navios do mundo, com capacidade para 24 mil TEUs.

Calado determina capacidade de navegar dos navios de carga. É a distância vertical entre a quilha do navio e o a linha de flutuação da água. A medida é determinante para medir a capacidade de atracamento de um navio.

Maiores embarcações são de 13 mil TEUs. Só no ano passado um navio de 366 metros e 14,4 mil TEUs atracou por aqui pela primeira vez, diz o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (CentroNave). Mesmo assim, operou com carga reduzida já que nenhum dos seis portos que podem recebê-lo têm calado de 16 metros, profundidade minima para que esse tipo de embarcação opere com o máximo de contêineres.

Os navios no Brasil estão com cinco gerações de atraso. O de 11,4 mil TEUs é de 2008.
Cláudio Loureiro de Souza, diretor executivo do CentroNave

O porto de Santos, com calado de 14,5 metros, deixa de receber 1 milhão de toneladas por ano.

Calado pequeno nos portos brasileiros impede a entrada dos maiores navios do mundo
Calado pequeno nos portos brasileiros impede a entrada dos maiores navios do mundo Imagem: CentroNave

Bilhões a menos

US$ 1 bilhão a menos para transportadoras. A cada ano, 499.200 TEUs deixam de ser transportados nas rotas Santos-Ásia, Santos-Europa e Santos-Mediterrâneo por causa do calado. É US$ 1 bilhão a menos do potencial de faturamento para as transportadoras, segundo a consultoria Solve Shipping. "Cada metro de limitação no calado são 800 contêineres não embarcados", diz Leandro Barreto, da Solve.

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Para o comércio exterior, essa perda potencial chega a US$ 20,6 bi por ano, de acordo com a Solve: US$ 6,4 bi em exportações e US$ 14,2 bi em importações.

Terminais de carga no limite

A capacidade dos terminais está se esgotando. A previsão é que a demanda supere a capacidade operacional (que inclui perdas, interrupções e mão de obra disponível) em 2028. O caos deve começar em 2037, quando a demanda também vai superar a capacidade instalada, ou seja, vai chegar ao limite, sem margem de manobra para corrigir eventuais lacunas.

No porto de Santos, a capacidade operacional foi superada na pandemia.

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Atrasos e cancelamentos

A superlotação congestiona os "berços" portuários. O preenchimento das áreas onde os navios atracam ultrapassou a recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de 65%, em nove dos 13 principais terminais de carga do país. "Em 2024, os navios demoraram 50 horas, em média, para atracar em Santos. Já estamos colapsados", diz Souza, da CentroNave.

Muitos navios esperam demais e vão embora. Os atrasos aumentaram 33% e os cancelamentos de escala saltaram 49% de 2023 para 2024 nos 13 principais terminais, diz a Solve. "Aí o navio cancela e vai para o próximo porto. Como o ano tem 52 semanas, os navios deveriam fazer 52 viagens por ano. Fazendo menos, o frete sobe", explica Barreto.

Em Santos, o governo Lula quer dobrar a capacidade dos terminais de contêiner. A aposta é no leilão do Terminal STS-10, em novembro, quando uma concessão permitirá a construção em uma área 621,9 m² e 1,3 km de cais. "Vamos fazer a dragagem, a concessão do canal de dragagem, mais R$ 5 bi de investimentos em 30 anos", afirmou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, em maio à EBC. Haverá "aumento em 50% da capacidade na movimentação de TEUs", diz a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) ao UOL.

Terminal de carga STS 10 no porto de Santos aumentará capacidade após leilão
Terminal de carga STS 10 no porto de Santos aumentará capacidade após leilão Imagem: Divulgação

Foram 41 leilões portuários e investimentos de R$ 6 bi de 2013 a 2022. "Nos quatro anos do nosso governo, vamos realizar o equivalente a 60 leilões", disse o ministro. A Antaq diz que "estão previstos 20 arrendamentos [nos portos] para 2025 e 17 em 2026".

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A agência diz auxiliar na formulação e concessão de alguns canais. É o caso do canal de acesso aos portos de Paranaguá (PR) e Santos (SP), "o que permitirá o aprofundamento da infraestrutura e o recebimento de navios maiores".

Terminais agrícolas

A capacidade dos terminais agrícolas também saturou. Eles estavam com 91% da capacidade para exportação em uso em 2024, acima do limite de segurança estimado em 85%, segundo a consultoria Macroinfra. Em 2028, a capacidade instalada (cerca de 234 mi de toneladas) será insuficiente para absorver a demanda de exportação, que chegará a 238,9 milhões.

O porto de Santos deve ganhar um respiro. O terminal para granéis vegetais (STS-11) foi arrematado em 2022 pela empresa chinesa Cofco, que promete construir um terminal para aumentar a capacidade de 4,5 milhões para 14 milhões de toneladas por ano.

Com os terminais lotados, o tempo de espera para atracar é longo. No porto de Santos, o tempo médio de carregamento agrícola passou de 10,5 dias, em fevereiro de 2024, para 17,5 dias no mesmo mês de 2025. Em Paranaguá (PR), passou de 8,6 para 12,5 dias. "Tempo de espera que custa dinheiro", diz Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, que lembra de outro problema crônico para o agronegócio: o escoamento da produção por rodovias.

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Todo ano a agricultura perde 10% da safra da fazenda até os portos, diz a Companhia Nacional de Abastecimento. Esse percentual representou perdas de R$ 56 bilhões só em 2022.

Mas transporte rodoviário segue crescendo. Cerca de 54% da produção é escoada por caminhões, contra 45% em 2010, segundo o Grupo de Pesquisa em Logística da Escola Superior de Agricultura.

Custo logístico chega a 15% do PIB. "Só 14% da malha rodoviária brasileira é pavimentada, e 67% é considerada péssima ou ruim", diz Quintella. "Tudo isso cria um custo logístico que pode chegar a 15% do PIB."

Os investimentos aumentaram no ano passado. Foram R$ 24 bilhões em 2024, o equivalente a 2% do PIB, como na média chinesa e americana. Em 2022, esse valor não passou de R$ 8 bi (0,6% do PIB).

Minérios: falta ferrovia e hidrovia

A exportação de minérios também enfrenta gargalos. Faltam estradas de ferro e hidrovias para escoar a produção. "O Brasil tem 30 mil km de ferrovias, mas só 10 mil estão em operação", diz o professor da FGV. "E as hidrovias são pouco exploradas."

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A produção deveria sair de caminhão, chegar a uma hidrovia, depois ferrovia até o porto. Falta integração modal.
Marcus Quintella, da FGV Transportes

Especialistas esperam que cinco ferrovias reduzam esse gargalo. A Ferrogrão ainda é um projeto, a Ferronorte está pronta, enquanto a Fico (Ferrovia De Integração Centro-Oeste) e a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste no Estado da Bahia) estão em construção. A ideia é integrá-las à Ferrovia Norte-Sul. São elas:

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Imagem: Arte/UOL

O problema é que construir ferrovia demora. "A Norte-Sul levou 40 anos", diz Quintella. No ano passado, investimentos públicos e privados somaram R$ 11,3 bilhões em ferrovias, diz o Ministério dos Transportes. "Em 2022, o investimento foi de R$ 8 bi."

O governo diz investir R$ 4 bi para transportar por hidrovias. A principal aposta é a hidrovia do Rio Paraguai, que corta o Pantanal. Em dezembro do ano passado, o governo aprovou o investimento em 400 balsas e 15 empurradores pra aumentar em 6 milhões de toneladas o escoamento de minérios de ferro e manganês por ali. O Brasil tem 12 mil km de hidrovias navegáveis, com potencial de 42 mil.

Infraestrutura ruim coloca o Brasil em "desvantagem competitiva". "Há um descompasso entre o crescimento da demanda por logística eficiente e a capacidade de resposta da infraestrutura portuária brasileira", lamenta o presidente do Conselho Federal de Engenharia (CFE), Vinicius Marinelli.

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Precisamos de acesso terrestre eficiente, portos com calado compatível com novos tipos de embarcações, sistemas modernos de armazenagem e movimentação de contêineres e processos digitais que reduzam o tempo e o custo das operações.
Vinicius Marinelli, da CFE

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