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"Vivemos uma era pós-privacidade", diz cineasta holandesa no Festival Path

Donna Verheijden, cineasta holandesa no Festival Path - TAB
Donna Verheijden, cineasta holandesa no Festival Path Imagem: TAB

Kaluan Bernardo

Do TAB, em São Paulo

01/06/2019 12h14

O Festival Path, apresentado pelo TAB, começou cheio de perguntas sobre nossa sociedade e interações no mundo digital. Presente da cineasta holandesa Donna Verheijden, que apresentou em primeira mão seu curta-metragem "Kiss the Sky - The Eye Tricks The I" ("Beijo no céu - o olho engana o eu", em tradução livre) repleto de provocações sobre a sedução das imagens.

"Sou uma criadora de imagens, mas principalmente uma colecionadora delas", conta a cineasta antes da exibição do filme. "Eu também me sinto seduzida pelas imagens, mas às vezes consigo me distanciar delas e questioná-las", comenta. Verheijden mostrou uma planilha com mais de 7 mil filmes de onde ela tirou as imagens de "Kiss the Sky", que também traz filmagens inéditas.

O curta foi exibido no Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano o evento é apresentado pelo TAB.

O filme apresenta uma vlogueira fictícia que questiona: O que é público, o que é privado? O que é verdade? Meu olho me engana? Quem vende o que eu vejo? E vende para quem? É possível amar sem imagens nesse mundo? Se eu sou um conjunto de recursos a serem extraídos, o que sou na verdade? Meus sonhos são meus ou fazem parte de uma projeção coletiva planejada para todos? Nesse caso, posso confiar no que vejo?

"Meu rosto é uma vitrine de uma loja. Eu sou um produto", crava a protagonista no meio do curta. Verheijden completa após a exibição: "Vivemos em uma era pós-privacidade".

Trecho do curta-metragem "Kiss the Sky - Eye tricks the I" - Reprodução/TAB - Reprodução/TAB
Trecho do curta-metragem "Kiss the Sky - Eye tricks the I"
Imagem: Reprodução/TAB

A cineasta explica que o filme é inspirado em uma pintura do holandês Wallerant Vaillant. Nela, há cartas abertas, fechadas, amassadas e rasgadas - todas dispostas sobre um quadro de madeira e conectadas por um laço vermelho. Nas cartas há um selo: você sabe quando ele foi violado e alguém abriu o envelope. Nas redes sociais, não. "Nossas conversas são realmente privadas quando estamos gerando dados, extraídos por empresas que usam nossas informações para criar ainda mais imagens e nos levar a um novo ciclo de consumo?", pergunta a cineasta.

Todos esses questionamentos ressoam com o espírito do tempo: em 2018 o rei Mark Zuckerberg ficou nú quando jornais mostraram que dados dos usuários do Facebook foram utilizados por empresas como Cambridge Analytica para promover campanhas políticas e manipular informações. O Facebook, no entanto, é apenas parte de um grande ecossistema de corporações que lucram a partir da extração e organização de dados pessoais.

Trailer /// Kiss the Sky ? Eye Trick the I from Donna Verheijden on Vimeo.

A exploração do desejo

"Kiss the Sky" é o terceiro filme de uma sequência que reflete sobre como imagens nos seduzem para o consumo. Os outros dois curtas "All The World's a Stage" ("O mundo todo é um palco", tradução livre) e "Land of Desire" ("Terra de desejo", tradução livre) questionam como nosso desejo interno é chocado com o desejo externo "projetado em nós pela publicidade, que nos faz desejar algo que não queríamos", nas palavras de Verheijden.

Na época do escândalo da Cambridge Analytica, o pesquisador Danilo Doneda explicou ao TAB: "A exposição da intimidade é apenas um aspecto nessa discussão de privacidade. O grande efeito sobre todos nós é de a pessoa se prestar a ser manipulada a partir de suas características íntimas, suas fraquezas."

Sua afirmação vai ao encontro da conclusão da protagonista do curta-metragem: "Minha exploração é vendida como liberdade. E liberdade é controle." Existe saída?

Questionada sobre como subverter o cenário, Verheijden mostra que o papel da arte é muito mais trazer perguntas do que respostas."Não sei como podemos mudar. Sei que precisamos de mais diálogo. Em momentos tão radicais e com as pessoas sensíveis, é necessário dar um passo para trás e conversar de volta com a mídia que nos cerca", diz.