Topo

Testei se óculos de realidade virtual dão "barato" com efeitos psicodélicos

Repórter usa óculos de realidade virtual para testar efeitos psicodélicos - Arquivo pessoal e Arte/TAB
Repórter usa óculos de realidade virtual para testar efeitos psicodélicos Imagem: Arquivo pessoal e Arte/TAB

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, colaboração para o TAB, em São Paulo

04/09/2019 04h00

Ao som de uma música indie animadinha, eu me vejo numa sala que parece não ter paredes nem fim. Na minha frente, um boneco que se assemelha a um macaco vestido com roupas humanas e chapéu, falando inglês perfeitamente, dança e canta. À nossa volta, pelo menos dez bichos esquisitos, moles, como se fossem feitos de uma borracha macia, acompanham o ritmo da música numa coreografia esquisita.

As cores vão mudando de tempos em tempos, as formas se distorcem. Olho para baixo, e meu corpo é igual ao das criaturas que vejo: pernas e braços cilíndricos e aparentemente de borracha, fazendo ondas quando me mexo. Olho para cima, e vejo confete colorido cair de um céu estrelado.

Você pode achar que estou descrevendo o efeito alucinógeno de alguma droga, mas era uma quarta-feira, 14h30, e eu estava trabalhando. Também não era um sonho maluco. Essa experiência psicodélica foi criada por realidade virtual (RV).

Com equipamentos cada vez mais avançados e gráficos mais e mais refinados, a RV transbordou o universo dos games e já serve para inserir as pessoas em situações como a visita a um imóvel à distância, o enfrentamento de uma fobia ou, como algumas experiências prometem, uma viagem semelhante à de drogas.

Erick Grinaldi, CEO da Pixel — parque de realidade virtual onde tive a experiência acima —, afirma que a RV pode ser muito convincente, o que está diretamente ligado à qualidade dos equipamentos usados. Óculos como o Google Cardbord, que custa cerca de R$ 50 e são acoplados ao celular, não chegam nem perto de proporcionar a mesma imersão de um equipamento de ponta com headset e fones de ouvido.

"As experiências podem ser tão diferentes entre si quanto um carrinho de Lego é de uma Ferrari", compara.

Promessa antiga

Em 2016, o designer de som e produtor de videogames Robin Arnott criou a Soundself, uma experiência "tecnodélica" (ainda não disponível para o público em geral, mas já testada em eventos da área). Ele é um dos maiores nomes quando se fala em experiências psicodélicas em realidade virtual. Em entrevista à Wired, disse que queria replicar o estado mental que atingiu ao usar ácido e ajudar as pessoas a saírem de dentro das próprias mentes.

No Soundself, a pessoa enxerga formas caleidoscópicas e ouve ruídos programados para mudarem quando a pessoa se movimenta ou fala.

No mesmo ano, a pesquisadora Mar Gonzalez Franco, da Microsoft Research, fez muita gente começar a levar essa possibilidade a sério ao afirmar que "em 2027, teremos sistemas de realidade virtual onipresentes que vão permitir experiências multissensoriais tão ricas que serão capazes de produzir alucinações que misturam ou alteram nossa realidade perceptível."

Alucinação

"Na prática, a psicodelia é levar você a realidades fantásticas que seu corpo não tem no universo real. Numa visão bem simplista, toda experiência de realidade virtual é psicodélica", opina Grinaldi. "O real é o que a sua mente diz que é real."

Ele diz que mesmo os engenheiros e técnicos de informática que conhecem a programação dos softwares de realidade virtual ficam totalmente entregues às sensações proporcionadas por produtos bem feitos.

E é difícil duvidar disso. Em uma experiência que envolvia exposição ao medo de altura, eu me vi no topo de um prédio, olhando para fora e apenas com uma tábua na minha frente. O objetivo era caminhar sobre ela até o fim. Eu perdi o equilíbrio e quis me segurar à porta que via ao meu lado — só no mundo virtual.

Até tentava forçar meu cérebro a lembrar que eu estava em uma sala, em cima de uma tábua a cinco centímetros do chão e, por alguns segundos, a imagem se mantinha e eu conseguia dar alguns passos. Mas durava pouco. O que meu nervo ótico transmitia até o córtex era inegável: eu estava a centenas de metros do chão, ao ar livre.

Mas, por mais convincente que fosse a experiência, não dá para dizer que tive alucinações. As percepções foram todas causadas por estímulos externos em dois dos cinco sentidos: visão e audição. Como explica Eduardo Schenberg, neurocientista e empreendedor que estuda drogas psicoativas com foco em substâncias psicodélicas, não é possível afirmar, atualmente, que a realidade virtual seja capaz de reproduzir o mesmo efeito das drogas no cérebro.

"De certa forma elas desmontam uma hierarquia. O cérebro está organizado quase como uma orquestra: tem uma parte que se comporta como maestro, e várias outras que seriam os músicos", compara Schenberg. O que os psicodélicos fazem é, de certa forma, tirar o maestro de cena, afirma o especialista. Ele sai temporariamente e a orquestra fica caótica, abrindo também mais espaço para criatividade e novas composições — já que instrumentos que não tocavam juntos passam a fazê-lo.

Visitante usa óculos de realidade virtual em feira em Berlim (Alemanha) - Stefanie Loos/Reuters - Stefanie Loos/Reuters
Visitante usa óculos de realidade virtual em feira em Berlim (Alemanha)
Imagem: Stefanie Loos/Reuters

A semelhança entre o efeito das drogas e a RV estaria limitada ao som e à experiência visual, com a tentativa de replicar em código as distorções da realidade relatadas por quem já usou as substâncias. Franco, da Microsoft Research, acredita que nos próximos anos vamos desenvolver RVs capazes de englobar outras percepções sensoriais, além da visão e da audição.

Mesmo assim, não seria suficiente para agir como um alucinógeno. "A droga vai entrar no cérebro e modificar por dentro os impulsos que foram convertidos ao chegar pelos cinco sentidos. Então ela é muito mais específica, por agir direto no neurônio, do que os óculos e o fone, que jogam uma série de luzes e sons, estímulos sensoriais, convertidos pelo cérebro em impulsos elétricos", diz Schenberg.

Mas qualquer tipo de explicação sobre o efeito das drogas no cérebro, alerta, é apenas uma simplificação, já que o sistema é muito complexo e diferentes substâncias terão diferente efeitos em diferentes áreas.

Viagem sem consequência

Até daria para modificar o funcionamento do cérebro de uma forma similar às drogas psicodélicas, diz o especialista, mas isso dependeria de estímulos mais direcionados, como pulsos magnéticos no couro cabeludo, capazes de atravessar o crânio e as meninges.

Schenberg tem pesquisas com o uso dessas substâncias no tratamento psiquiátrico, e explica que a realidade virtual pode ser aliada, mas não necessariamente vai substituir medicamentos. Ele afirma que o estigma em relação às drogas ilícitas acaba dificultando a pesquisa dos possíveis benefícios — e até a melhor compreensão dos efeitos negativos.

Por enquanto, melhor aguardar mais estudos antes de sair em busca de uma viagem que altere o funcionamento do cérebro. "Existe uma diluição da linha do que é real e o que não é usando a realidade virtual", destaca Grinaldi, da Pixel. "É o efeito da psicodelia, sem o demérito da droga."