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Parte dos batalhões de operação que deixou 28 mortos não tinha câmeras

No dia 7 de agosto deste ano, a Polícia Militar afirmou à imprensa que o MP (Ministério Público) teve acesso às filmagens de 7 das até então 16 ocorrências com mortes nos primeiros dias da Operação Escudo, que deixou 28 mortos no Guarujá.

Nove dias depois, a Promotoria informou que apenas três imagens mostravam confrontos.

O UOL apurou que alguns batalhões enviados para a Baixada Santista não possuíam as câmeras corporais implementadas, a exemplo do 8º Baep (Batalhão Especiais de Ações Especiais de Polícia) de Presidente Prudente.

A reportagem também descobriu que, das sete imagens enviadas pela polícia ao MP, seis mostram apenas policiais sentados na viatura fazendo rondas na região.

Segundo moradores, policiais perguntavam em abordagens onde moravam suspeitos. Alguns afirmam ter visto agentes aumentando e diminuindo o volume das câmeras, o que investigadores analisam como uma possível forma de gastar bateria. Com a bateria descarregada, os PMs iniciavam o trabalho ostensivo.

Citando a operação Escudo, a Justiça de São Paulo decidiu liminarmente que o estado tem 90 dias para instalar câmeras corporais em todos os batalhões da corporação, sob pena de multa de R$ 100 mil. Mas ela foi derrubada pelo presidente do TJ-SP um dia depois atendendo a pedido do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

"Segundo informam as autoras, no caso narrado na inicial [Operação Escudo] os policiais teriam desligado as câmeras de filmagem dos seus uniformes, no momento da prisão, a fim de acobertar ilegalidades. Eis a urgência da medida", escreveu o juiz Josué Vilela Pimentel.

A reportagem apurou que o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, já sabe que PMs aprenderam a burlar câmeras corporais bloqueando a filmagem. Uma forma é colocar o fuzil na frente dela. Outra é atirar apenas de lado, sem esticar o braço para a frente.

Homens são presos no Guarujá durante Operação Escudo
Homens são presos no Guarujá durante Operação Escudo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
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PMs que usam as câmeras corporais têm acesso à imagem via aplicativo de celular. Dessa forma, quando percebem que a câmera capturou algo que possa incriminá-los, eles podem "arredondar a ocorrência" plantando uma arma no local, por exemplo.

O TJM (Tribunal de Justiça Militar) nega as acusações e diz que as câmeras são invioláveis.

"Para dar um xeque-mate nessa dúvida, era só mostrarem a câmera. Mas, se a polícia falou que foi troca de tiros, é isso que vai prevalecer", desabafou Douglas Brito, chefe de Filipe do Nascimento, um dos mortos pela polícia na operação.

Policiais que estão fora da investigação e especialistas em segurança pública afirmam que a legitimidade da Polícia Militar pode ficar em xeque caso o controle externo da atividade policial não esclareça à sociedade, com transparência, como ocorreram as mortes, pouco tempo depois do assassinato de um policial, no mesmo local.

Em novembro de 2021, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou um estudo que mostrava que 90% dos casos de mortos por policiais recebidos pelo Ministério Público eram prontamente arquivados. E a expectativa de transparência no caso do Guarujá está justamente nos ombros da Promotoria paulista, por meio do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial).

"Tudo isso nos leva a crer que a gente tem mais elementos para interromper essa escalada da violência policial do que nós tínhamos há três anos. A grande questão é: qual o posicionamento real do procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubo?", questiona Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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A reportagem pediu à assessoria de imprensa do Ministério Público uma entrevista com Mário Sarrubbo, mas o MP afirmou que nem ele nem promotores do Gaesp estão falando sobre o assunto no momento.

Cleiton Barbosa Moura, morto pela PM no Guarujá durante a Operação Escudo
Cleiton Barbosa Moura, morto pela PM no Guarujá durante a Operação Escudo Imagem: Luís Adorno/UOL

"A política de câmeras corporais deu resultados fundamentais para segurança pública do estado de São Paulo e a gente não quer perdê-la. Queremos todas as respostas para a sociedade e, assim, continuar confiando que essa é uma política bem-sucedida", diz Cláudio Aparecido da Silva, ouvidor das polícias.

Governo de SP x câmeras corporais

Desde que se iniciou a discussão sobre a implementação das câmeras corporais na PM paulista, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, então oficial da reserva da corporação e deputado federal, se posicions frontalmente contra a tecnologia.

"A tropa tá desanimada, pessoal. A tropa de Rota está bem desanimada. Imagino que todos os policiais estejam, né? Que estão usando essa câmera, porque o cara fica ali 'pô, eu faço tudo certo e ainda tão duvidando da minha legalidade'", disse em vídeo publicado no YouTube.

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O governador Tarcísio de Freitas também criticou o uso de câmeras durante a campanha ao Palácio dos Bandeirantes.

"Para mim, é um voto de desconfiança para o policial. Eu acredito na polícia, no policial. Naquele profissional que coloca uma farda e sua vida em risco, fazendo isso muitas vezes por vocação, para nos defender (...) Você tira a privacidade do policial e não permite que algumas coisas que eram rotina no patrulhamento aconteçam", afirmou durante sabatina promovida pelo UOL.

Depois, pressionado por dados do próprio governo que indicavam redução na letalidade policial sem aumento de mortes de PMs, Tarcísio baixou o tom e indicou que o programa prosseguiria. Mas, após a Operação Escudo, sem alarde, cortou R$ 11 milhões que estavam destinados às "bodycams".

Em nota, a SSP afirma que "todas as ocorrências de morte durante a Operação Escudo são investigadas pela Deic de Santos, com apoio do DHPP, e a Polícia Militar, por meio de inquérito policial militar. Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário".

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