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Bernardo Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na pandemia, fazer as perguntas certas é melhor do que ter muitas respostas

Infodemia - Nijwam Swargiary/Unsplash
Infodemia Imagem: Nijwam Swargiary/Unsplash

Colunista do TAB

28/02/2021 04h00

O volume de informações sanitárias, políticas, econômicas e midiáticas acachapa qualquer pessoa, tornando-se certeira a incapacidade de navegar por tantos assuntos simultaneamente. Ano passado, a OMS criou um termo para descrever o fenômeno: infodemia, isto é, o "excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes e orientações confiáveis quando se precisa".

Um ano se passou e, além das informações (e desinformações) sobre o vírus, acumulam-se assuntos outros: as decisões do STJ sobre o caso de Flávio Bolsonaro, as movimentações no congresso a respeito da PEC 186, as mudanças na Petrobrás, as tretas no BBB21 e assim por diante.

Frente ao emaranhado de manchetes, a compreensão dos problemas e a tomada de posição correm o risco de naufragar. Já as reações podem ser muitas. Há quem realize o esforço de acompanhar toda e qualquer notícia, há quem escolha alguns poucos temas para se manter alerta e quem opte por lidar com as decisões de sua vida (o que pode ser, em si, extenuante).

As dificuldades para as análises se impõem. Como produzir conhecimento e tornar compreensíveis interesses múltiplos? Uma das estratégias, a meu ver, diz respeito à capacidade de formular perguntas que nos orientem. Isto é, a elaboração de perguntas nos permite transformar o caos e a dúvida em caminho.

Tomemos a pandemia como assunto. Após um ano do primeiro caso no Brasil, atingimos 250 mil pessoas mortas e, em 25 de fevereiro, presenciamos 1.582 óbitos por covid-19 — o recorde desde o início da pandemia. Enquanto as dúvidas a respeito das novas cepas se expandem e as UTIs de diversas cidades atingem a capacidade máxima, paira, simultaneamente, uma certa incredulidade a respeito dos comportamentos sociais. As aglomerações persistem, o uso de máscaras gera discussão e a atmosfera de comiseração parece ter diluído.

Ao invés de focar nas análises e respostas que poderiam justificar essas escolhas sociais, proponho refletir como estamos formulando perguntas para lidar com esses eventos. Por vezes, essas interpelações estão explícitas nos noticiários e nas conversas cotidianas, mas há situações em que elas sustentam nossas impressões mesmo quando implícitas.

Em primeiro lugar, algumas questões carregam respostas prontas: "Por que as pessoas são irresponsáveis?". Esse tipo de pergunta guarda um caráter retórico e uma resposta embutida, quem pergunta parece não desejar ir à fundo na indagação, prefere julgar a conduta das pessoas (como irresponsáveis) sem compreender suas motivações. Nesse caso, adota-se o que pode ser chamado de pergunta moralizante.

Em segundo lugar, quando tratamos de dilemas sociais, outro procedimento costuma ser comum. Busca-se uma causa única para o fenômeno em questão: "o que causa a indiferença das pessoas diante dos números de mortes?". Uma pergunta que começa com "o que" pode estar fadada a uma resposta simplória, como se houvesse um único fator explicativo. Nesse caso, estamos diante da pergunta unidimensional. Isto porque, os motivos para qualquer comportamento são múltiplos e não precisam ser predefinidos simplesmente como "indiferença".

Em terceiro lugar, há temas que sequer merecem escrutínios, pois carregam análises pré-fabricadas: "Por que o brasileiro não lembra das campanhas de vacinação no país? Porque é um povo sem memória". Trata-se de uma pergunta (ou análise) redundante, que costuma descartar a necessidade de um esforço analítico mais intenso e se sustenta por uma preconcepção.

Esses tipos de pergunta são pouco promissores. Talvez seja possível formular outros caminhos responsáveis por investigar como estamos entendendo a pandemia, os desafios e as mortes. Nesse sentido, valeria inquirir: como as pessoas narram a sua trajetória ao longo dos meses pandêmicos? Como as pessoas classificam seu comportamento diante do coronavírus? Elas mudaram de conduta e opinião ao longo dos meses? Quais palavras (ou metáforas) usam para conferir sentido aos eventos sanitários e às ações das autoridades públicas?

Tais formulações, quero crer, podem guiar o debate público para outros rumos. Ao invés de insistir na condenação direta da população, na seleção de um único fator ou na definição de uma análise forjada sem investigação, podemos optar por entender quais escolhas as pessoas e grupos precisaram (e ainda precisam) fazer para atravessar essa tormenta. Valorizamos, assim, o contexto das respostas e como sujeitos compreendem o universo em que estão agindo.

De toda forma, a escassez das perguntas também pode ser indício de que nossos recursos para a lida com a pandemia estão próximos do esgotamento (ou já chegaram ao fim). Se fazemos perguntas moralizantes, unidimensionais ou redundantes incorremos na falta de avaliação crítica dos fenômenos que vivemos.

Por sinal, parece que, findo um ano de Sars-Cov-2 no país, e perante tantas mortes, nossos recursos econômicos, simbólicos e criativos escoaram. As reservas financeiras de muitas pessoas tocaram o fundo da conta (embora haja quem tenha visto o patrimônio aumentar exponencialmente).

As estratégias simbólicas para manter alguma saúde mental, física e social também parecem rarear: a paciência rachou após um período resiliente. A quantidade de eventos dificulta nosso processo de sedimentação das informações, afinal, como toda semana recebemos um impressionante amontado de notícias e crises, logo precisamos abandonar informações para lidar com novos problemas. Resta a frustração indigesta de que não sentimos as mortes de cidadãs e cidadãos como antes, e a esperança frágil (e distante) das doses de vacina.

Talvez a atenção das indagações possa nos orientar nos próximos longos meses pandêmicos. Perguntas que nos estimulem e não nos interrompam. Entender como formulamos perguntas (explícitas ou implícitas) pode ajudar a compreender se as nossas respostas estão viciadas num cerco sem criatividade e sem saída.