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Daniela Pinheiro

REPORTAGEM

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'Se Bolsonaro for eleito, o Brasil desembarcará do mundo', diz ex-ministra

Isabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente - Divulgação
Isabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente Imagem: Divulgação

Colunista do TAB

07/05/2022 04h01

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É com um pé em Portugal e outro no Brasil, de olho nos patrícios e nos locais, que irei tocar essa coluna. Ela não terá só reportagens ou crônicas. Será mais que um relato frio e menos do que um tratado de geopolítica. Vai tratar dos temas sérios, dos irrelevantes, dos espantosos, dos frívolos e dos essenciais. Não nessa ordem, não na mesma extensão, mas com igual galhardia, graça e gana de aprender. Boa leitura.

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'O próximo ministro do Meio Ambiente vai precisar de boa mídia e sorte'

Entre 2010 e 2016, durante os governos Lula e Dilma, a bióloga Izabella Teixeira ocupou o cargo de ministra do Meio Ambiente. Com um perfil técnico, sem filiação partidária, menos midiática e mais "mão na massa" do que a estrela da área — a ex-ministra Marina Silva, ex-candidata à Presidência —, ela foi peça fundamental na aprovação de políticas de impacto para o país, como o Código Florestal e o Acordo de Paris sobre alterações climáticas, no qual o Brasil se comprometeu a reduzir em até 50% suas emissões de gases de efeito estufa até 2030 (o que não parece ter a mínima chance de acontecer).

Tornou-se uma importante referência sobre meio ambiente no mundo e foi premiada pela ONU por sua participação no combate ao desmatamento da Amazônia. Atualmente é consultora de diversas empresas e instituições privadas do setor no Brasil e no exterior. Durante quase duas horas de conversa, ela falou sobre o desastre ambiental brasileiro, por que acha que as próximas eleições têm a ver com a luta do bem contra o mal, as razões de não pronunciar o nome de um ex-ministro e o que a permanência de Bolsonaro no poder pode significar para o país. A entrevista foi editada e condensada para melhor compreensão.

Daniela Pinheiro: Nas últimas semanas, o New York Times e o Washington Post publicaram extensas reportagens sobre desmatamento, extermínio de tribos indígenas, o escândalo que se passa na Amazônia. Por que esse assunto interessa muito aos gringos e pouco aos brasileiros?
Izabella Teixeira: Porque lá fora é um assunto já introjetado no dia a dia das pessoas, como parte da realidade política, um valor para a sociedade. Na Europa, o green movement influencia o comportamento das pessoas. Nos Estados Unidos, o debate sobre energia renovável é diário e, por exemplo, na China, discute-se a civilização ecológica nas escolas. No Brasil, a dona Maria e o seu Pedro não entendem nada porque aqui é considerado um assunto de elite. Já reparou que só usamos expressões em inglês quando conversamos sobre isso? Isso tem que acabar. E já está acabando. A covid-19 mostrou que, quando chega uma desgraça, não tem classe social. Os ricos não puderam se esconder em Genebra. Ficou todo mundo igualmente trancado em casa por conta da pandemia.

A dona Maria também não se identifica com a imagem do urso polar se equilibrando num pedaço de gelo derretido, não sabe se CO2 é para comer ou passar no cabelo, e escuta que todas as desgraças vão acontecer num futuro próximo -- uma realidade intangível.
A nova geração já entendeu isso. O peso que esse tema tem hoje nos movimentos sociais e na juventude é quase igual ao que tem no exterior. Com eles, não tem essa de prometer coisa para daqui a 20 anos. Eles querem é para já. E são eles que estarão tomando as decisões sobre o mundo daqui a dez anos.

E a dona Maria?
À dona Maria é preciso explicar as mudanças climáticas como o que se passa com alguém que está com febre. O corpo humano funciona bem com 36°C de temperatura. Com 39°C, começa a colapsar. É a mesma coisa com o meio ambiente. O aumento de 1,5°C é colapso. E entender que, se aumenta o calor, falta água, e aí aumenta a luz, porque a energia no Brasil vem das hidrelétricas, e por aí vai. Não é mais assunto de verdinho fazendo fotossíntese. É o aumento do preço da comida, da energia. E você está errada. As desgraças já estão acontecendo.

Essa semana, soube-se que parte de uma aldeia ianomâmi foi incendiada e indígenas desapareceram depois da denúncia do estupro de uma criança e o desaparecimento de outra por garimpeiros.
Ali, estupro e fome são o desmatamento. Isso é que é preciso também entender. Desmatamento é corrupção, violência contra menor, prostituição infantil, tráfico de mulheres, de drogas, tráfico de armas, crime organizado, sonegação fiscal, garimpo ilegal, violência no campo, pobreza, menor índice de desenvolvimento. E fome. É a terra de ninguém. Isso tem que ser parado já. Só se vai ter um futuro quando se acabar com isso. E não é da noite pro dia.

Há como parar essa cadeia de destruição?
Do Brasil ou do meio ambiente? Bom, do primeiro, há as eleições. Do segundo, eu diria que é preciso imprimir uma agenda de futuro e lidar com a realidade. Repactuar as coisas. Houve muita coisa errada até hoje? Sim, mas vamos repactuar. É pensar: como é que eu lido com a regularização da pecuária na Amazônia? Como eu faço a pecuária brasileira ser uma pecuária sem desmatamento? O Brasil é capaz de produzir as soluções. Não só porque tem alternativas, mas porque consegue fazer com qualidade.

Em termos de ambiente, como classificar Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é responsável pelo maior retrocesso nas políticas ambientais do Brasil. A trajetória, até então, sempre foi de caminhar para frente, mesmo com governos de matizes ideológicas diferentes.

Por que os brasileiros ficam mais compungidos com a guerra na Ucrânia do que com o que acontece com esses indígenas?
O Brasil conhece pouco o Brasil. E somos poucos solidários com a gente mesmo. Em alguns momentos críticos -- como nos desastres naturais e na pandemia --, houve muita solidariedade. No geral, não se percebe que a solidariedade está ao lado. Há uma coisa da exposição midiática também. Quando é estimulado, o brasileiro reage.

O governo esconde ou maquia dados sobre várias instâncias da administração pública. Como se sabe o que está passando de verdade no meio ambiente hoje?
Felizmente, é uma área em que há muita pesquisa, mapeamento internacional. Não estamos no escuro e por isso insistimos que a situação é mais do que crítica.

Como deve ser e o que tem que fazer o próximo ministro do meio ambiente no Brasil?
Alguém pragmático, com enorme capacidade de diálogo político com a sociedade e o setor privado, com o Congresso, com a comunidade internacional. Que encare o ambientalismo como uma questão estratégica para o desenvolvimento. Ele ou ela tem que ser mais do que a mulher de César. Tem que ser, parecer e, o mais importante, terá que ter boa mídia e muita sorte.

Por que sorte?
Porque, às vezes, você faz as coisas e nada dá certo.

Tem interesse no cargo?
Nenhum. Acho que o Brasil precisa de novas caras. Esse novo pacto pela democracia é a oportunidade de abrir caminho para aparecerem pessoas novas. Eu posso apoiar, ajudar, criticar, mas não se evolui com o velho time. Ganhamos a Copa do Mundo, mas não podemos esquecer do 7 a 1. É preciso escalar novos times, entendeu? Quem faz o futuro são novas caras, não as velhas.

É exatamente essa a maior crítica à campanha do Lula. Só velhas caras. Brincam que eles ainda estão na época do Orkut.
Isso é o PT, não acho que seja o todo. O senador Jaques Wagner, que foi ministro da Casa Civil do Lula, governador da Bahia, parlamentar, é da velha guarda, mas está tocando uma das iniciativas mais inovadoras sobre discussão climática no Congresso. Ele foi para a conferência do clima em Glasgow, liderou vários debates com uma visão de Brasil, dos interesses do país. Não era uma visão de 2010. É uma coisa de hoje e do futuro.

Que visão é essa?
A da agroecologia, por exemplo. Produzir alimentos mais saudáveis, sem ter que acabar com o agronegócio no Brasil. Tem que ter agronegócio, mas com baixo carbono, com tecnologia avançada, sem desmatamento. Mas como isso vai ser empacotado? É tomar decisões hoje que vão nos levar para o futuro com segurança alimentar competitiva, sei lá o que mais. É a agenda do futuro, não do passado.

Reconhecer áreas griladas na Amazônia seria um exemplo?
Esse debate político vai ter que lidar com a realidade. Como vão se resolver os problemas das palafitas em Belém? Destruindo-as? Vai falar que o brasileiro não vai mais comer carne porque desmata a Amazônia? Churrasco, cervejinha no fim de semana é parte da cultura deste país. Que equação climática pode ser feita se não admitirmos o mercado de carbono? Tem que saber regular isso no contexto que se espera resolver. A regularização fundiária, por exemplo, não é mais um debate como no passado.

O que achou da chapa Lula-Alckmin?
A sinalização de um compromisso democrático, amplo, com a democracia. É um sinal político importante para uma transição, mostrando que as forças são capazes de se alinharem, e veja, Marina Silva aderiu. Olha só!

Marina Silva teve 20 milhões de votos, é uma figura internacional conhecida e mal se ouve falar dela. É omissa?
Ela é uma personagem política importante na democracia brasileira.

Perde-se muito tempo e saliva ainda debatendo esquerda e direita?
Esse debate tem que acabar. A eleição no Brasil é uma disputa pela democracia versus a autocracia. Essa frente que está sendo montada está deixando as diferenças, as mágoas de lado, entende? Não é mais o momento de pensar no umbigo. É preciso pensar no Brasil, promover a convergência. Olhar adiante, abandonar o retrocesso. E o bolsonarismo é um retrocesso. É uma luta do bem contra o mal. As pessoas têm que se juntar para acabar com o mal. Ponto.

Isso a dona Maria entende?
Não se pode mais ser tolerante, percebe? Você é do bem? Você quer as pessoas felizes? Você quer as pessoas corretas, com liberdade, com capacidade de expressão, com o Estado funcionando, sem perseguição, sem se matarem, sem se armarem e dando tiro nas pessoas à toa. Você quer isso? Você quer respeitar os direitos individuais e coletivos? Você quer viver numa sociedade mais harmônica, você quer ser responsável pelo poder público? Você quer manter o sistema federativo do Brasil? Você quer falar a verdade e parar de viver na fake news? Você é uma pessoa do bem, então é desse lado de cá que se deve estar. Não tem escolha difícil. A escolha no Brasil é pelo bem ou pelo mal, é pela vida ou pela morte. É tão simples quanto dizer [que se] é pela democracia ou pela ditadura.

Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, defensor do agronegócio, entusiasta do desmatamento, foi secretário particular de Alckmin e depois do Meio Ambiente em São Paulo.
Quando era ministra, participei de vários encontros com o governador Alckmin e nunca vi essa pessoa com ele. Deixa eu te dizer: eu não pronuncio o nome dessa outra pessoa, ok? Quando você for escrever, não me ponha dizendo o nome dele. Isso só o promove. Ele vai lá, copia e põe no Twitter distorcendo tudo. Isso é um pacto entre todos os ex-ministros dessa pasta. Não mencionamos esse nome.

Como vocês combinaram isso?
Temos um grupo no WhatsApp que se chama "Ex-ministros Meio Ambiente" e estamos todos lá. Os do bem, né? Do [Carlos] Minc ao [Gustavo] Krause. Até chegar no Edson Duarte, que foi o último do governo Temer. Partilhamos notícias, fazemos Zoom, estamos unidos. Nós fomos os primeiros a nos posicionar como grupo contra o caos ambiental promovido por esse governo.

O ministro Paulo Guedes declarou, orgulhoso, a proposta de uma compensação financeira internacional para o Brasil por cuidar dos serviços de preservação ambiental. Concorda com isso?
Essa discussão de quem deve o que não leva a nada. O ponto deveria ser a ambição do Brasil em ser um protagonista da segurança climática. Essa postura do ministro é a de "me dá um dinheiro aí". Não se quer saber de responsabilidade nisso. O que está colocado pode, inclusive, remunerar o cara que sempre desmatou, por exemplo.

A comunidade internacional confia no que o governo brasileiro diz?
Para se começar a dialogar, é preciso que o Brasil controle minimamente o desmatamento. Recentemente, o que se viu foi um ministro que ri numa conferência internacional quando é indagado sobre os danos ambientais, que diz não ter números de desmatamento, que sai da sala para comer um sanduíche na hora em que se debate a coisa mais importante [Ela falava do ministro Joaquim Leite na COP26, a conferência mundial sobre o clima, em Glasgow, no final de 2021]. Isso tudo é observado pela comunidade internacional. Isso significa compromisso, credibilidade. Ali, as discussões importantes passaram ao largo do governo.

Como foi?
Em Glasgow, havia um espaço ocupado por entidades da sociedade civil, uma coalizão de empresários e ONGs brasileiras, que tomou a frente nos debates ambientais. Quem importa no mundo passou por aquele espaço montado lá. Sabe o que a gente ouvia? Que ali era o Brasil de verdade, o Brasil que nós conhecíamos.

Era o Brasil paralelo.
Ouvi isso de várias autoridades, big players, investidores. As pessoas iam para lá discutir dados reais. Imagine uma discussão dessas que não passa mais pelo governo porque eles fecharam o canal para qualquer diálogo. A recomposição dessa credibilidade é urgente.

Essas pessoas estão esperando uma mudança de governo?
Estão esperando que mude algo. Veja a capa da Time [essa semana, Lula está na capa da revista sob o título: "O Segundo Ato"]. Não se pode acusar a revista de comunista, pode? Pois a capa da Time é: há uma chance aqui. Como isso vai acontecer não pode ser uma reedição do passado, é preciso descobrir, chutar a bola para a direção menos errada. Há good boys and bad boys em todos os lados. Mas existe uma só via de se dialogar para o bem.

Qual foi a coisa mais absurda ocorrida nessa área ultimamente?
O próprio governo declarar que não está havendo desmatamento. Que a Amazônia não pega fogo porque é uma floresta úmida. Nunca imaginei que ouviria isso na minha vida. É um deboche com o país.

O que acha da ideia da Amazônia, pulmão do mundo, ser internacionalizada?
Primeiro, a Amazônia não é o pulmão do mundo. Tudo o que a floresta produz de oxigênio ela consome. Então, não há geração de oxigênio para o mundo, entendeu? É um equívoco de imagem. Segundo, é uma maneira rasteira de ver as coisas. A internacionalização não é a solução para nada. Soberania se exerce. E o exercício é da soberania em benefício de interesses nacionais, mas sendo solidário com o mundo. Essa discussão é considerando o quê? Que vão invadir o Brasil e tomar de assalto a Amazônia? Isso não existe. O Brasil é um país que tem soluções pacíficas, por mais de 150 anos com todos os seus vizinhos, com uma tradição diplomática, política e militar de defesa dos seus interesses.

Acha que Lula vai ser eleito?
Torço para que sim. Como disse, isso é uma disputa sobre respeito à democracia e à Constituição ou não.

Se Bolsonaro for reeleito, o que devemos esperar?
Essa é a pergunta que ninguém quer enfrentar. Acho que, se isso acontecer, o Brasil desembarca do mundo. Vamos pagar o custo de um atraso sem volta. Vai se perder uma janela ainda aberta para se reestruturar o país e torná-lo relevante mundialmente. Não será uma derrota eleitoral, será uma derrota de tempo. E vamos voltar a falar do Brasil do futuro e não do Brasil no futuro.

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