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Michel Alcoforado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Zs têm buscado no consumo o conforto para os dilemas socioambientais

Fila para entrar na Shein, na tarde deste sábado (12), no Shopping Vila Olímpia - Beatriz Pacheco/UOL
Fila para entrar na Shein, na tarde deste sábado (12), no Shopping Vila Olímpia Imagem: Beatriz Pacheco/UOL

Colunista do UOL

16/11/2022 04h00

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Numa das faixas mais melancólicas do álbum "Meu Coco", Caetano Veloso pergunta a Enzo Gabriel qual será o seu papel na salvação do mundo. A música fazia uma alusão à notícia de que, naquele ano de 2019, 16.672 famílias brasileiras acharam de bom tom nomear os rebentos com a junção de dois nomes comuns.

Descobri o significado de ambos num desses guias para pais desesperados. Enzo significa o homem da casa, o vencedor, o senhor do lar. Já Gabriel, de origem hebraica, remonta aos tempos bíblicos e traz na origem a ideia de um homem forte, varão de Deus. A junção, quase redundante, me parece adequada aos desafios a serem enfrentados pela humanidade nos próximos anos. No entanto, tudo não passa de expectativa e ilusão.

Na semana em que o mundo festeja (ou lamenta) o nascimento do ser humano de número 8 bilhões e Lula, o presidente eleito aos 77 anos, viaja para a COP-27 com a expectativa de resolver o desmatamento da Amazônia e a queda na emissão de gases do efeito estufa, serão mais felizes aqueles que apostarem as fichas nos mais experientes do que nos novatos. Quanto mais o tempo passa, mais claro fica que as novas gerações estão se lixando para o imbróglio socioambiental criado pelos antepassados.

Acabo de realizar uma investigação longa com a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) em cinco países da América Latina. O retrato é translúcido.

Dentro e fora do Brasil, os jovens têm plena consciência de que terão de enfrentar uma vida com tempestades, maremotos, altas temperaturas, extinção de espécies, desaparecimento de ilhas e milhões de refugiados do clima, a migrar de um canto a outro para sobreviver. Mas, ao mesmo tempo, não se sentem diretamente envolvidos na causa e nem procuram por soluções. Do ponto de vista deles, afinal, esse problema foi criado pelos antepassados e precisa ser resolvido pelos mesmos — ainda que muitos nem estejam vivos mais.

A passividade diante do problema ambiental deve-se a um quadro de forças perverso. Há a percepção de que os problemas são tão grandes que lhes parecem impossíveis de serem resolvidos. Além disso, o crescimento exacerbado do individualismo os impede de acreditar em qualquer forma de associação como caminho para a transformação.

O resultado é uma geração apática diante dos problemas futuros, descrente das soluções, preocupada única e exclusivamente com a realização dos desejos mais imediatos, os do presente, e ávida por culpabilizar os outros pelos problemas cotidianos. É como se, dado que a causa dos dilemas do hoje é resultado das escolhas dos outros no passado, é importante também que eles (só eles) se preocupem em resolvê-los.

Os jovens da geração Z cresceram em um mundo com alguma consciência ambiental. Dos anos de 1990 para cá, é crescente o protagonismo dos movimentos em defesa do meio ambiente e é notório o crescimento do espaço dado ao tema pelos meios de comunicação. São comuns as matérias de jornais, as narrativas ficcionais, os documentários, interessados em mostrar que corremos o risco de sermos exterminados pelas mudanças climáticas. Porém, o que era para funcionar como um "wake up call", um "acorda, rapaziada", os paralisou.

Ser bombardeado diariamente com uma lista de curiosidades mórbidas sobre o clima, em vez de motivá-los, tem gerado um sentimento de "e eu com isso?". De que adianta saber que cada voo de Londres a Nova York custa ao Ártico 3 m² de gelo, quando a preocupação diária é: como vou encontrar meus amigos na praça perto de casa? Como se preocupar com o fato de que há um aumento na probabilidade de guerras, da ordem de 10% a 20%, se esses são conflitos decididos nos salões dos palácios governamentais? Por que se mexer pela queda de 1/3 dos nutrientes das plantas por conta do aquecimento global, se todos os anos 57 mil brasileiros morrem pelo consumo de ultraprocessados, entulhados nas prateleiras dos supermercados sob os olhos das autoridades? "E nós com isso?", perguntam.

Os dados da pesquisa com jovens na América Latina respondem às indagações. Quando perguntamos aos Zs sobre quem tem maior responsabilidade nas ações voltadas ao cuidado e a preservação do meio ambiente, 67% dos brasileiros responderam que o tema é um problema dos governos ou das empresas (52%), cabendo aos cidadãos a posição de assistirem a tudo bestializados, enquanto os poderosos decidem o que é o certo e o errado.

Nesse cenário, a saída é mais olhar para si do que para os outros. Os esforços se concentram na realização dos desejos individuais e em como cada um vai conseguir atravessar, com menos sofrimento, o futuro aterrorizante.

Por mais contraditório que possa parecer, os Zs têm buscado no consumo a proteção para os dilemas socioambientais. 55% deles definem o consumismo como lema fundamental da geração. Eles apostam na compra de bolinhas para saúde mental, de cursos de meditação, de roupinhas do momento nos aplicativos chineses ou saem no tapa na porta da nova loja da Shein, como formas eficazes de se protegerem da bancarrota ambiental prometida. Em vez de se organizarem como um exército para pressionarem as autoridades e as empresas na virada verde, estão mais preocupados em comprarem as próprias armaduras para se protegerem.

A essa altura, Enzo Gabriel está mais preocupado com a compra de máscaras antigás do que com o aumento da produção de CO2 na atmosfera. Na COP-27, nos temas ambientais, caberá mais a Lula e aos ambientalistas de cabelos brancos o papel de homem da casa ou varão de Deus. Tomara que eles saibam o que estão fazendo.

PS: E a Greta Thunberg, a jovem ambientalista, famosa por encurralar líderes mundiais em busca de soluções para os problemas ambientais?

Há tempos aviso que o apreço dos Zs pelo trabalho da ativista sueca deve-se mais pelo protagonismo e pela habilidade de sentar e ser recebida nos grandes fóruns mundiais do que pela causa em si. Se amanhã ela decidir mudar a frente de ação para a defesa de vendas de churros na praça da República, em São Paulo, e continuar em evidência, eles estarão com ela do mesmo jeito. Desculpa jogar por terra boa parte da ilusões em torno do nome de Greta. Para os jovens, interessa mais o que ela é, menos o que defende.