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Como YouTube e mesa de bar podem levar mais ciência à vida do brasileiro

Parte da rede Science Vlogs Brasil, o canal do paleontólogo e zoólogo Pirula conta com mais de 760 mil assinantes - Divulgação
Parte da rede Science Vlogs Brasil, o canal do paleontólogo e zoólogo Pirula conta com mais de 760 mil assinantes Imagem: Divulgação

Jacqueline Lafloufa

Colaboração para o TAB, em São Paulo

02/05/2019 04h03

Katie Bouman esteve por toda a internet há poucas semanas, com o mais genuíno sorriso de felicidade possível, ao ver na tela a primeira imagem real de um buraco negro, conquista que só foi possível graças ao algoritmo criado pela equipe liderada por ela. Reconhecer cientistas como Bouman no cenário nacional, contudo, ainda é complicado, seja pela ausência de uma cultura científica no Brasil ou por uma falta de empatia com pesquisadores, que ainda são vistos como integrantes de uma elite acadêmica e não "gente comum" parecida comigo ou com você.

Se fizéssemos uma pesquisa com adultos aleatórios do Brasil, perguntando por três jogadores de futebol de qualquer época, as pessoas vão saber responder. Agora, se você pedir uma lista de três cientistas brasileiros de qualquer época, muito menos pessoas serão capazes de dar esses nomes
Natasha Felizi, diretora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira

Novos caminhos para a divulgação científica no Brasil será tema de uma mesa de discussão no Festival Path, principal evento de inovação e criatividade do Brasil e que em 2019 é apresentado pelo TAB. O Path ocorre nos dias 1 e 2 de junho, em São Paulo.

Felizi explica que a figura do cientista não faz parte do nosso imaginário popular, sendo pouco representada fora dos ambientes acadêmicos, o que cria um distanciamento do público e um isolamento de quem faz ciência no país.

No entanto, se depender da dedicação de cientistas e divulgadores, esse cenário está para mudar. Seja por vias de incentivo financeiro, como os propostos pelo Serrapilheira, que oferece financiamentos flexíveis, ou por meio de iniciativas independentes, há uma onda de interesse pela divulgação científica, seja na mídia ou até dentro de bares.

TAB apresenta o Festival Path 2019, o maior e mais diverso evento de inovação de criatividade do Brasil. Saiba mais e participe.

Veja a programação completa

Jornalismo mais científico

Depois de anos amargando obstáculos para escrever sobre ciência no Brasil, a jornalista e pesquisadora Sabine Righetti resolveu solucionar a falta de pautas científicas nacionais. "O Brasil produz muita ciência: são 200 novos estudos científicos inéditos por dia. Estamos entre os 15 maiores produtores de ciência do mundo, mas [na época] eu não conseguia achar nada [para publicar]", lembra, numa referência aos seus tempos de jornalista de ciência na "Folha de S. Paulo".

A concorrência com a divulgação científica internacional também era injusta: nos EUA, jornalistas contam com o apoio do EurekAlert, da Associação Americana pelo Avanço da Ciência, que funciona como um repositório científico específico para divulgação jornalística. Por meio dessa plataforma, jornalistas recebem estudos inéditos antes da sua publicação, tendo o devido tempo para analisá-los, pesquisá-los e escrever sobre eles.

Entre o próprio anseio de ter uma ferramenta como o EurekAlert no Brasil e a necessidade cada vez mais latente de auxiliar os jornalistas na produção de reportagens sobre ciências, Righetti criou a Bori, agência que promete conectar cientistas e jornalistas. "O cientista no Brasil não sabe o que fazer com a informação de um estudo aprovado. Alguns falam com assessoria de imprensa, outros falam com o chefe do departamento, e pouquíssimos acessam algum jornalista", explica Righetti, que contará mais sobre a iniciativa durante o painel "Novas formas de pensar e divulgar as ciências" no Festival Path.

A gente não pode esperar que os cientistas, na loucura da vida deles, parem para fazer um vídeo no YouTube para explicar seu estudo. Queremos criar um protocolo para que, assim que o estudo estiver aprovado, eles se lembrem de avisar o 'EurekAlert do Brasil', que estamos chamando de Bori, em homenagem à Carolina Bori, primeira presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Sabine Righetti, jornalista e pesquisadora

Capitaneada por Sabine Righetti e Ana Paula Morales, a agência BORI promete auxiliar a divulgação científica de instituições brasileiras - Leo Eloy/estúdio garagem - Leo Eloy/estúdio garagem
Capitaneada por Sabine Righetti e Ana Paula Morales, a agência BORI promete auxiliar a divulgação científica de instituições brasileiras
Imagem: Leo Eloy/estúdio garagem

A um play de distância

Muitos cientistas podem não ter tempo ou habilidade para vídeos, mas aqueles que se dedicam ao formato estão atraindo audiência. Desde 2006, o paleontólogo e zoólogo Paulo Miranda Nascimento, conhecido como Pirula, publica vídeos no YouTube no qual explica temas científicos. O canal já teve 77 milhões de visualizações e conta com mais de 760 mil assinantes.

Juntando o rigor acadêmico com a informalidade da plataforma, Pirula se debruça em pesquisas antes de gravar os vídeos. O objetivo é garantir o respaldo científico das suas opiniões. O cuidado é tanto que ele inclui na descrição dos vídeos as referências acadêmicas dos seus argumentos.

É o começo de qualquer trabalho acadêmico: juntar as referências. Sempre foi muito automático, e me surpreendi ao ver que ninguém estava fazendo isso
Paulo Nascimento, o Pirula, paleontólogo e zoólogo

Ao estarem disponíveis em um ambiente muito menos isolado do que a academia, os conteúdos de Pirula e de outros vlogs de ciência, como os do coletivo Science Vlogs Brasil, chegam a impactar os jovens até mesmo nas decisões sobre o que gostariam de estudar.

"É uma grande responsabilidade impulsionar a pessoa a fazer algo tão grande quanto decidir uma opção de carreira. Imagina, alguém falar 'Pirula, virei biólogo por sua causa!' Quer dizer, agora você está feliz, mas dentro de quatro anos, vamos ver", brinca ele, ao mesmo tempo que se mostra preocupado com o peso da sua influência.

Quem tem vidas mais agitadas que os jovens e não pode se dar ao luxo de assistir a um vídeo encontra opções interessantes em formato de podcasts. É o caso do 37 graus, iniciativa da dupla Beatriz Guimarães e Sarah Azoubel. A jornalista e a bióloga se encontraram no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), buscando uma forma de divulgar ciência de forma agradável e imersiva. "Eu queria fazer algo parecido com os podcasts que ouvi durante o meu doutorado nos EUA", contou Azoubel, citando podcasts narrativos e imersivos como Radiolab, The American Life e Invisibilia.

Segundo Felizi, ainda são poucas as opções de financiamento flexíveis, que permitem aos divulgadores de ciência decidir onde querem gastar seu dinheiro. O Camp Serrapilheira, que abrirá novo edital em maio, se posiciona como um financiamento para projetos que não cabem 100% dentro do ambiente acadêmico e nem têm interesse total do mercado. "A gente quis dar conta um pouco desse pedaço da cadeia, atendendo divulgadores [de ciência] e produtores de conteúdo [científico] de uma forma mais contemporânea", sintetiza ela.

Combina até com cerveja

Fato é que mesmo sem financiamento ou apoio do mercado, quem se empolga em divulgar ciência o faz nem que seja de graça, via voluntariado. É o caso do Pint of Science. Criado em 2012 por pesquisadores ingleses como um jeito informal de falar de ciência, o evento reúne pesquisadores, cientistas e divulgadores em bares e convida a tomar uma cerveja e falar de ciência. Interessados, pesquisadores de São Carlos, no interior de São Paulo, tentaram um piloto da ideia em 2015, indo até dois bares da cidade para falar de matemática e computação. "E deu muito certo! Os bares ficaram lotados em todos os dias do festival, e o pessoal adorou a ideia", conta Natália Pasternak Taschner, coordenadora nacional do Pint of Science.

A primeira edição nacional do evento ocorreu em 2016, com sete cidades participantes. Em 2019, entre 20 e 22 de maio o Pint of Science estará presente em 87 cidades brasileiras, 17 delas capitais, colocando o Brasil como o país com mais municípios participantes, à frente da Espanha e da própria Inglaterra. "Acho que esse sucesso se deve ao fato de que já existia uma demanda reprimida por ciência na sociedade", avalia Taschner.

As pessoas têm interesse, querem saber [sobre ciência], e só faltava criar um canal adequado para isso, que consegue mesclar a ciência em um ambiente descontraído como é o bar, com uma linguagem mais acessível, e transformar isso em uma celebração e não em um seminário científico
Natália Pasternak Taschner, coordenadora nacional do Pint of Science