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"Eu nunca fui derrotada", diz Hortência no Festival Path

Hortência apresenta a palestra "Lições de uma vida: estratégia, valores e atitude da melhor jogadora de basquete do Brasil" no primeiro dia do Festival Path, em São Paulo - Mariana Pekin/UOL
Hortência apresenta a palestra "Lições de uma vida: estratégia, valores e atitude da melhor jogadora de basquete do Brasil" no primeiro dia do Festival Path, em São Paulo Imagem: Mariana Pekin/UOL

Matheus Pichonelli

Colaboração para o TAB, de São Paulo

01/06/2019 11h40

"Quem aqui tem fantasia sexual?", pergunta Hortência para a plateia na manhã deste sábado, 1º de junho. Uma ou outra pessoa levanta a mão. Timidamente. "Agora pergunta se eu tenho fantasia sexual. N-Ã-O T-E-N-H-O!", diz ela, enfatizando cada letra. "Sabe por quê? Porque eu realizo".

Maior pontuadora da história da seleção brasileira de basquete, com 3.160 pontos marcados em 127 partidas oficiais, Hortência falou sobre sua trajetória na palestra "Lições de uma vida: estratégia, valores e a atitude da melhor jogadora de basquete do Brasil" do Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano o evento é apresentado pelo TAB.

Na abertura de sua fala, ela mostra uma foto com os filhos e diz que nasceu para ser mãe. Ao longo do encontro, porém, dá para perceber que uma atleta como ela até pode deixar o esporte, mas o esporte nunca deixa uma atleta como ela.

Ex-jogadora Hortência no Festival Path, em São Paulo - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Entre dores e sonhos, Hortência fala sobre sua trajetória no esporte no primeiro dia do Festival Path
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Ao descrever sua rotina de treinos, mesmo após a aposentadoria das quadras, ela diz que fez uma escolha: malhar, correr, abrir mão de comidas, e bebida. Tudo para não ser reconhecida na rua e alguém dizer: "nossa, que acabada".

"Eu não sou feliz gorda. Não tem problema nenhum querer estar bem. As pessoas me dizem: 'Ah, mas você foi atleta'. E eu respondo: 'o Ronaldo também foi'".

A fala de Hortência tem uma palavra recorrente: sonho. E sonho, para ela, tem muitos sentidos. Inclusive doces. "Eu adorava. Em São Caetano, tinha uma padaria na frente de onde eu treinava. Cheio de creme e açúcar", lembra, quase com lágrima nos olhos, antes de falar das dores físicas e psicológicas de ser uma atleta, repleta de sacrifícios.

"Eu fazia mil arremessos por dia. De tanto você fazer, sua articulação fica podre. Hoje sinto dor no ombro, mas foda-se. Eu gosto de sentir essa dor. A dor me lembra o que eu fui."

"Rala que rola" é uma espécie de mantra para Hortência. "Se não ralar não vai rolar. Se não doer, não vai chegar".

Hortência fala de sua trajetória no esporte na palestra "Lições de uma vida: estratégia, valores e atitude da melhor jogadora de basquete do Brasil" no primeiro dia do Festival Path, em São Paulo - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Imagem: Mariana Pekin/UOL
Das pressões, ela lembra de chegar a Atlanta, sede da Olimpíada de 1996, nos EUA, e ver um outdoor: "Eles diziam 'Aqui estão 2,5 mil atletas. O resto vem pra trocar pin'. Uma Olimpíada tem 14 mil, 15 mil atletas. E só 2,5 mil medalhas de ouro. O resto não interessa".

Para ela, o mundo é dos melhores, e é com os melhores que ela quer trabalhar. "Muitos têm sonhos" - desta vez, sem açúcar em cima - "mas poucos têm planos".

Hortência conta que descobriu o espírito competitivo em Potirendaba, no interior de São Paulo, onde nasceu. Mostra uma foto da infância, com bolsa, cabelo arrumado e vestido. "Que coisa ridícula", diz, ao se observar.

"Eu tenho cabeça de homem. Gosto de conversar com os caras. Queria brincar com os meninos, ganhar na corrida, no rolemã. Brincar de boneca? No way! Queria competir com quem podia competir comigo", disse a atleta que levou dois anos para chegar à seleção feminina adulta após pegar uma bola de basquete pela primeira vez.

O segredo, garante ela, está nos detalhes: na forma como segurar a bola, que se aprende no início da carreira, até na alimentação no dia-a-dia.

Desde então, ela jura, nunca trabalhou ("eu me divertia fazendo aquilo!"), nem foi atrás de patrocínio ("eles vinham atrás de mim"), nunca ficou nervosa ("eu não treinava, eu me preparava para o acerto. Só ficava ansiosa porque queria jogar logo"), nem perdeu ("os outros times é que ganharam do meu").

Hortência apresenta a palestra "Lições de uma vida: estratégia, valores e atitude da melhor jogadora de basquete do Brasil" - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Imagem: Mariana Pekin/UOL
O público estranha quando, após 15 anos de carreira, ela diz que nunca quis chegar à seleção nem ser campeão do mundo. "Não, o que eu queria era não perder. A derrota para mim é insuportável. E é derrotado quem diz: 'eu podia ter feito mais, podia ter feito melhor, podia ter comido melhor, podia não ter bebido'. Eu nunca me senti derrotada porque eu sempre fiz o máximo. Mais importante do que ganhar é não perder."

Com tanta competitividade, Hortência não podia deixar de mencionar a ex-jogadora Paula, sua maior rival. "A Paula foi a pessoa mais importante da minha carreira. Eu treinei a vida inteira para não perder pra ela. Eu tinha que treinar pra ganhar dela. Ela foi a minha inspiração. E foi a minha maior adversária. Ela me ajudou a ser quem eu consegui ser."