Topo

Suplicy troca Dylan por Racionais e diz que Bíblia defende justiça social

Eduardo Suplicy - Marcelo Justo/ UOL
Eduardo Suplicy Imagem: Marcelo Justo/ UOL

Kaluan Bernardo

Do TAB, em São Paulo

02/06/2019 04h00

Dar dinheiro para todos pode permitir a construção de uma sociedade justa, produtiva e que garanta condições mínimas de liberdade e dignidade a todos os cidadãos, principalmente em um mundo que caminha para a automação dos empregos? Para muitos economistas, políticos e empreendedores - à esquerda e à direita - a resposta é sim.

O conceito de Renda Básica Universal (RBU) tem uma série de variações dependendo do cenário em que é discutido, mas consiste basicamente em distribuir periodicamente dinheiro bruto para todos os cidadãos, sem exceção, a fim de garantir o mínimo para uma existência digna. Se esse conceito te fez lembrar do Bolsa Família, você acertou — a política brasileira que virou uma assinatura dos anos Lula foi um tanto inspirada na ideia de RBU.

"No início havia muito preconceito em relação ao Bolsa Família. Nas eleições de 2008 e 2012, vários candidatos prometiam acabar com o programa. Hoje, com o inegável sucesso dele, ninguém mais arrisca ameaçá-lo", comenta Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica no TAB Apresenta: Festival Path.

Ferreira discutia o tema com o advogado Victor Del Vecchio, consultor da ONU Migração, e com ex-senador Eduardo Suplicy (PT), hoje vereador de São Paulo e, quando no Congresso Nacional, autor da lei da Renda Básica de Cidadania, instituída em 2005 e que prevê a implementação da RBU no Brasil, o que nunca ocorreu plenamente. Eles fecharam a programação de sábado (1º) do Festival Path, o maior evento de inovação e criatividade do Brasil.

Uma utopia realista?

Para Suplicy, a ideia de garantir justiça e dignidade social a todos é muito antiga e encontra registros na "Bíblia" e em livros sagrados do budismo, islamismo e várias outras religiões. "Um livro um pouco mais recente, de 1516, que acho que nosso presidente deveria ler, é 'Utopia', de Thomas More", disse o vereador. A obra é tida como uma das primeiras a mencionar a distribuição de renda igualitária entre todos. "Não por acaso More foi declarado 'Patrono dos Estadistas e Políticos' pelo Papa João Paulo 2º", afirmou.

Leandro Ferreira no Festival Path defende a Renda Básica Universal - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Leandro Ferreira no Festival Path defende a Renda Básica Universal
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Para Del Vecchio, embora a RBU não seja recente, ela está sendo mais discutida que nunca justamente por causa da evolução da automação no trabalho. "Economistas apontam que poderão sumir mais de 2 bilhões de empregos até 2030 — sendo os de baixa complexidade mais afetados", diz. Trabalhos complexos, como os de advogados e cirurgiões, também estão sob ameaça da automação. Em um cenário no qual muitas pessoas poderão não ter emprego, a garantia de uma renda mínima a todos é uma possível resposta não só para a garantia da dignidade alheia, mas também como forma de evitar um colapso econômico.

Ferreira, que defende a RBU desde 2004 com Suplicy, acredita que o tema está em voga porque apenas agora o fluxo de problemas globais encontrou o fluxo de soluções econômicas do projeto. "Estamos em uma janela de oportunidades. O tema está chegando aos tomadores de decisão", afirma. "O mundo nunca foi tão rico quanto hoje, nunca tivemos tantas condições de conhecer as necessidades de cada um na sociedade. É o momento econômico e institucional para debater a RBU", completa.

"Você pode achar difícil implementar isso no país como um todo. Mas por que não podemos fazer experimentos primeiro em cidades, estados, comunidades?", questiona — lembrando que já aconteceram diferentes testes de RBU no Canadá, Quênia e Finlândia.

Suplicy diz:

O mais importante da Renda Básica Universal é a liberdade que garante aos indivíduos.

Essa liberdade, defende Ferreira, "é essencial para garantir que o cidadão não seja mercantilizado a ponto de não conseguir viver na sociedade assim que caia no desemprego". Por isso, a distribuição de renda precisa continuar a ser oferecida junto com serviços básicos estatais em segurança, educação e saúde.

Tradicionalmente, Suplicy canta "Blowing in the Wind", de Bob Dylan, em momentos públicos. No Festival Path, no entanto, resolveu citar "Homem na Estrada", de Racionais MCs. A letra fala de um homem que perdeu sua liberdade e sofre com a miséria. "Quando ninguém precisar colocar sua vida ou dignidade em risco por dinheiro, ela poderá usa seu tempo para algo que acredita e que é sua vocação", afirma.