"Termo 'ideologia de gênero' não se sustenta", defende antropólogo no Path
Nascido na periferia da zona norte de São Paulo, o antropólogo João Martins desenvolveu uma pesquisa sobre gênero e infância em uma escola de sua quebrada para entender como o conceito de masculinidade e feminilidade se apresentam durante a infância.
O livro, intitulado "É de menina ou de menino? Gênero e infância na periferia", foi um dos assuntos abordados neste sábado no Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o evento é apresentado pelo TAB.
Na obra, Martins explora como as construções sociais de gênero se manifestam na escola. "A escola adquire uma centralidade na socialização de meninos e meninas. Eles estão inseridos na escola, na família, no bairro, na igreja, mas a escola tem um processo formativo, por isso adquire uma centralidade", afirma Martins.
Existia uma concepção romantizada do que é ser menino e do que ser menina
Na periferia, diz Martins, a masculinidade está associada à agressividade, à honra e ao entendimento do dinheiro como possibilidade de ostentação. Nas escolas, essa representação do que é o masculino se reflete nas brincadeiras e no comportamento das crianças na escola desde a educação infantil. No livro, Martins conta um episódio em que uma das crianças simulou uma situação de batida policial durante um momento lúdico na escola.
Os professores, no entanto, nem sempre estão preparados para lidar com os papéis de gênero reproduzidos pelos alunos na escola. "As professoras não moravam no bairro e não tinham conexão com as vivências que as crianças tinham fora da escola. Por isso, a escola não dialogava com essas realidades, existia uma concepção romantizada do que é ser menino e do que ser menina", afirma.
'Ideologia de gênero'
Envolvido com o tema de educação, Martins levantou a bola sobre o debate em torno da chamada "ideologia de gênero", que assombra os conservadores de plantão e é um termo constantemente repetido por figuras de poder. Em sua fala, o antropólogo foi categórico: "O termo ideologia de gênero não se sustenta, porque a ideia de gênero não serve para doutrinar ninguém, é uma categoria científica, de análise", diz.
Para Martins, que iniciou sua pesquisa em 2011, um dos marcos que trouxe a questão de gênero para as escolas foi quando o Plano Nacional de Educação (PNE) tramitou na Câmara em 2014. O texto vetado colocava como meta a "superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual".
Por pressão da bancada evangélica, a palavra "gênero" foi retirada do texto e o novo plano não faz menção à questão.
O professor Theo Nery, que dividiu o palco com Martins durante a palestra, concorda e explica que o termo só surgiu quando o debate começou a fazer parte da pauta da educação. "O conceito de gênero começa a virar vilão a partir do momento em que isso vira discussão. Não era um problema enquanto a gente não falava sobre isso", diz.
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