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O debate político sobre o Cenas, o 'TikTok' do Instagram para a geração Z

Divulgação/Instagram
Imagem: Divulgação/Instagram

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, colaboração para o TAB

11/02/2020 04h00

Quem usa o Instagram no Brasil (e está com o app atualizado) já tem o Cenas à disposição nos Stories desde novembro de 2019. A rede social decidiu testar a nova função aqui primeiro. Se der certo, o plano é implementar em outros países. Com ela, é possível cortar e editar vídeos, criar transições, gravar dublagem de áudios.

Se você está por dentro dos interesses da geração Z na internet, já deve ter percebido que as funcionalidades são bem parecidas com as do TikTok, aplicativo que já acumula mais de 500 milhões de usuários no mundo, atraindo principalmente jovens de até 20 anos. Em 2019, foi o quarto aplicativo mais popular da App Store.

Ainda é cedo para dizer se o Cenas vai roubar o público do TikTok, como os Stories fizeram com o Snapchat, mas polêmica não falta e envolve dois grandes embates políticos.

A primeira discussão gira em torno da briga comercial entre China e Estados Unidos. O TikTok é da empresa chinesa Bytedance, uma das startups mais valiosas do mundo, que está sob investigação nos EUA. O segundo ponto é que o Instagram é visto com preocupação por especialistas que estudam fake news nas eleições. Um estudo da New York University publicado em setembro de 2019 alerta que é preciso ficar atento ao app: os Estados Unidos vão eleger um novo presidente em 2020, e os brasileiros irão às urnas para escolher novos prefeitos e vereadores.

Guerra comercial ou tecnológica?

Para entender o que o Cenas tem a ver com a briga entre Estados Unidos e China, é preciso primeiro conhecer o TikTok, aplicativo chinês que nem sempre esteve nas mãos da Bytedance. Em novembro de 2017, a startup comprou o app, que ainda se chamava Musical.ly, por quase US$ 1 bilhão. Mas a operação entrou, no fim do ano passado, no radar do Comitê de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês), que avalia potenciais riscos de segurança nacional em acordos como esse. O app também foi alvo de debate no Senado americano em novembro, em uma audiência intitulada, em tradução livre, "Como as corporações e as big techs deixam nossos dados expostos a criminosos, à China e a outros atores maus".

A Bytedance já tomou medidas para separar o TikTok do resto de suas operações chinesas, informou a Reuters, na tentativa de tranquilizar os EUA sobre riscos envolvendo o possível uso de dados de usuários americanos pelo governo chinês. Ainda assim, uma empresa de segurança cibernética israelense concluiu, em análise, que o app tinha graves vulnerabilidades que poderiam deixar dados pessoais expostos para hackers.

"Cada vez mais, o que era uma guerra comercial começou a ganhar tonalidades de uma guerra tecnológica (entre Estados Unidos e China)", afirma o coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Evandro Menezes de Carvalho. "Mas esse não pode ser um jogo de soma-zero, porque há uma real interdependência dos países no setor. Se a China perder, os Estados Unidos também perdem, e vice-versa", avalia.

O Cenas surge exatamente nesse contexto, como uma solução americana para deixar o "problema chinês" de lado. Pode dar certo, mas pode não dar, já que a imagem do Facebook já está bem desgastada quanto à privacidade, lembra Alexandra Avelar, country manager no Brasil da Socialbakers, plataforma global de soluções para otimização de performance corporativa em redes sociais. "O Facebook até vem dando conta de conter esses avanços de outras redes na aquisição, ou com uma briga bem direta com funcionalidades novas. Mas desconfio que em dado momento não vai mais conseguir atrair esse público (jovem), que está muito sedento de privacidade e espaços mais reais para se posicionar", diz Alexandra.

Eleições 2020

O Facebook está sob a lupa do Senado americano desde 2018, com o escândalo da Cambridge Analytica, e há quem diga que Mark Zuckerberg pode até estar usando o Cenas como um agrado ao governo de seu país. Se tiver sucesso e "derrubar" o TikTok — como aconteceu com o Snapchat, que sofreu um baque com a chegada dos Stories em 2016 e só se estabilizou em 2019 —, Zuck pode tirar das mãos do governo a grande preocupação com o TikTok.

Mas isso não quer dizer que a barra dele estará limpa. Se nas eleições de 2016 (que elegeram Donald Trump) o Facebook foi visto como grande vilão da desinformação, em 2020 esse cenário não deve mudar muito. Dois outros apps do grupo são vistos com preocupação: Instagram e WhatsApp.

O do Centro de Negócios e Direitos Humanos da New York University, mencionado mais acima, reserva um capítulo inteiro para debater os perigos do Instagram na distribuição de fake news. Segundo o relatório, pelo menos nas eleições americanas de 2016, o Instagram e o WhatsApp tinham poucas regras e menor capacidade de identificar notícias falsas. Apesar dessas duas empresas estarem fazendo esforços para combater o compartilhamento de desinformação, é preciso ficar de olho no conteúdo publicado por lá e continuar cobrando mecanismos de combate e identificação de fake news. Segundo a NYU, isso vem principalmente da educação da população sobre a mídia de uma maneira mais clara e direta.

"É uma obsessão na ciência política determinar qual a relevância das redes na decisão do voto, como elas impactam", avalia Tathiana Chicarino, professora de pós-graduação na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Ela afirma que há pesquisas que apontam que essa influência existe, mesmo que seja na hora de tirar alguma dúvida sobre um candidato ou conhecê-lo um pouco mais pelo comportamento online. "Elas são importantes para o nosso cotidiano, não tem mais como pensar em uma vida (principalmente nas grandes cidades) sem o uso das redes", diz a professora.

Pensando nisso, há um embate entre algumas redes sociais, principalmente nos Estados Unidos, quanto à publicação de propaganda política paga. Enquanto o Facebook permite a prática e afirma que tirar de circulação posts dessa natureza (mesmo que contenham informações falsas) seria um desrespeito à liberdade de expressão, o CEO do Twitter Jack Dorsey publicou uma thread em outubro de 2019 explicando por que que a rede decidiu banir esse tipo de publicidade (e alfinetando o Facebook).

O TikTok está alinhado ao Twitter nesta questão: em post no blog oficial, a rede anunciou que quer manter o "ambiente positivo" e "inspirar a criatividade", e que portanto propaganda política paga não seria permitida.

Nas eleições municipais do segundo semestre, há dúvidas sobre o impacto do TikTok e do novíssimo Cenas. Chicarino observa que o Instagram ainda não pegou tanto no país para a propaganda política, e acredita que o WhatsApp vai continuar sendo o principal foco quando falamos em fake news de eleições - pelo menos em 2020.

Sem um esforço coletivo, a professora não vê com esperança a diminuição da circulação de notícias falsas pelos aplicativos. Para ela, seria necessário um acordo geral entre os políticos para um uso honesto das redes. "Acho que é papel da sociedade civil e da imprensa forçar um compromisso em torno disso", afirma. "Mas não sei até que ponto isso é possível, com a polarização que vemos hoje."