Educador "por vingança" quer hackear escolas e ensinar combate às fake news
"Meu processo dentro da escola foi uma merda", confessa Kadu Braga. Expulso de duas instituições, estudando sempre só "para passar de ano" e com vontade de "destruir a escola", ele acabou voltando ao local na vida adulta. Virou educador.
Hoje, Braga é membro do grupo de educadores inovadores do Google, professor na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) e no coletivo autônomo São Mateus em Movimento. Como se não bastasse, acaba de fundar a consultoria Teia - Inovação Consciente.
Defensor da tese que o ensino deve consistir numa prática de troca e não numa ação unilateral do professor para os alunos, ele ministrou a oficina "Fake News: como a educação de qualidade pode resolver esse problema" no Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o evento é apresentado pelo TAB.
É preciso pensar em machine learning, big data, inteligência artificial e tudo isso que tem cara de futurismo, mas já está acontecendo, defende Braga. Mas, há quatro anos trabalhando no grupo do Google, ele percebe que a palavra inovação virou moda, e não ação de verdade. "Eu acho que nunca fui a uma escola que não se autoproclama inovadora", afirma. "Vejo muita gente comprando o que a gente chama de 'perfumaria'", completa. Um exemplo que ele dá são os tablets - acumulados aos montes, guardados em caixas, já que os professores não sabem usar e os alunos são proibidos de mexer.
Para ele, o caminho para construir um ambiente de aprendizado mais efetivo, que transborda o conteúdo da matéria e toca em civilidade, inclusive no combate às fake news, começa pela compreensão das diferenças geracionais. "As novas gerações sabem que todo mundo é produtor de conteúdo e que qualquer coisa pode viralizar", avalia. "Vivemos na era da produção, não só da recepção passiva", completa.
Com tanta gente gerando informação, o critério da familiaridade ganha força. Se o conteúdo veio de alguém em que você confia, sua predisposição para acreditar e compartilhar aumenta.
E como a escola é o principal local de desenvolvimento do pensamento crítico, Braga alerta que as discussões sobre fake news precisam estar presentes nesse espaço, tanto na apresentação de projetos de checagem de fatos para os alunos quanto no resgate do sentimento de desconfiança. Com a quantidade de informações vindas de todos os lados e a urgência em compartilhar sem perder o timing, é preciso desconfiar mais, diz o educador.
Além disso, Braga defende fortemente a promoção do conhecimento compartilhado, aos moldes da Wikipedia mesmo. "As pessoas me perguntam: mas como você acredita na Wikipedia? Porque eu acredito em conhecimento colaborativo", afirma.
Braga cita o sociólogo Manuel Castells para explicar que tecnomeritocracia é a base que garante a confiabilidade de uma plataforma como a Wikipedia. Esse palavrão nada mais é do que a relevância que um usuário ganha quando é bem avaliado por outros. Por exemplo: se você quiser alterar a Fórmula de Bhaskara, não vai conseguir, já que outros usuários considerados confiáveis pela plataforma vão acabar com a sua zoeira antes de ela ir para o ar.
Foi nessa ideia de colaboração que ele propôs uma atividade durante a oficina. Os espectadores se reuniram em grupos e pensaram em formas de combater fake news em seus ambientes. Juliana Athayde Carvalho, por exemplo, trabalha na indústria alimentícia e debateu junto com as designers Gabriela Jastrenski e Nadira Ruman, além de Samira Holanda Brandão, uma forma de desmistificar informações falsas ou exageradas sobre alimentação e dietas.
Dentre as propostas dos grupos, a que mais arrancou aplausos foi apresentada por Spartakus Santiago. O youtuber pensou com alguns colegas uma forma de fazer as pessoas sentirem na pele o que é ser vítima de fake news.
A ideia foi um site que funcionaria assim: sabe aquele seu tio que sempre encaminha notícias falsas pelo WhatsApp? Então. Você pegaria uma foto dele, colocaria num template de notícia de um site confiável de notícias, com um título falso embaixo. Aí você enviaria isso para ele pelo WhatsApp. Quando ele abrisse a imagem em tela cheia, veria uma mensagem: "isso é ser vítima de fake news", além um pequeno manual com trechos da legislação sobre o tema e o lembrete de que compartilhar informações sem checar a fonte pode ter resultados graves.
Spatakus conta que ele próprio tenta usar a plataforma que tem para combater a desinformação. "Hoje em dia a gente tem uma lei que fala que tem que ensinar sobre cultura afro nas escolas, mas ninguém segue. A gente também luta para que se fale sobre educação sexual e de gênero, anti-homofobia", relata. "Nossos críticos resolveram nomear isso de kit gay para poder fazer com que as crianças não tenham acesso a essa informação. E a forma que eu encontrei de hackear o sistema é colocar essa informação no meu canal do YouTube para que organicamente as pessoas que queiram aprender sobre isso vão lá e aprendam", completa.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.