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Opinião: Entre os terraplanistas e a China, o que o 5G já é capaz de fazer

"Diga não ao 5G", em um poste de Londres - Ehimetalor Akhere Unuabona/Unsplash
'Diga não ao 5G', em um poste de Londres Imagem: Ehimetalor Akhere Unuabona/Unsplash

Anielle Guedes

Colaboração para o TAB

04/12/2020 04h01

A convergência tecnológica acontece quando o avanço de uma certa tecnologia catapulta e acelera avanços em outra área. A computação em nuvem e o processamento de dados em escala, por exemplo, possibilitou novos panoramas para biotecnologia.

Nos últimos anos, diversas tecnologias tiveram melhorias de performance e velocidade graças ao aumento do poder computacional, novos algoritmos de aprendizado de máquina e ao imenso volume de dados que coletamos. Neste contexto de convergência, uma nova quebra de paradigma está para acontecer com a disseminação da tecnologia de conectividade 5G.

Para além de poder assistir a vídeos instantaneamente, o 5G promete impactar diretamente diversas indústrias com novos produtos, serviços, aplicações totalmente inimagináveis a partir da tecnologia atual. Com as novas oportunidades de negócio surgem também novos desafios de regulação, vigilância, e até em relação à aceitação dos usuários. Quais serão as formas de uso e o espaço que a tecnologia 5G conseguirá conquistar?

Grandes avanços na manufatura e processos industriais

A promessa das vantagens na adoção da tecnologia 5G vão muito além da conectividade do usuário. Os maiores ganhos de produtividade com a tecnologia estão provavelmente no chão de fábrica e na concretização da promessa da internet das coisas.

No Brasil, os primeiros testes de redes 5G industrial foram realizados no centro logístico da Huawei, em Sorocaba. A empresa está demonstrando como manter linhas de distribuição automatizadas e robôs gerenciando os materiais estocados em um armazém de 22 mil m². A empresa chinesa registrou ganhos de eficiência de 25% com a automatização de processos neste projeto e uma redução de 35% no volume de erros. Assim, a sonhada internet das coisas começa a ganhar força através dos dispositivos interconectados dentro de ambientes industriais. Doze veículos autoguiados que transportam materiais dentro do armazém utilizam a tecnologia de conectividade, além de controle de sensores RFID e a conexão das câmeras de segurança.

Novas aplicações dignas de ficção científica

A empresa Verizon está testando uma série de protótipos em parceria com o espaço de inovação New Lab, em Nova York. As novas aplicações permitem o uso de computação em dispositivos móveis (Mobile Edge Computing - MEC) e da banda larga de altíssima velocidade da gigante de telecomunicações norte-americana, que pode multiplicar por 100 a velocidade do 4G atual. A empresa acredita que a tecnologia permitirá criar não apenas novos produtos e serviços, mas um ecossistema inteiro com novas plataformas.

Um dos protótipos mais bem sucedidos até o momento é o da Exyn Technologies, uma startup que trabalha com sistemas robóticos autônomos. A tecnologia criada pela empresa nos testes permite que drones coletem dados em tempo real de maneira confiável em ambientes com pouca conectividade e funcionem em locais sem acesso a GPS.

Outra startup, a Vecna, especialista em "robôs-que-andam-com-pernas" e líder no mercado de teleoperações de veículos autônomos não tripulados, conseguiu atingir com a tecnologia 5G uma comunicação plena entre robôs individuais. Isso significa que os robôs poderiam atuar de forma 100% autônoma e conjunta entre si, sem a necessidade de intervenções externas ou comandos adicionais.

Já a startup Phantom Auto, também participante do projeto-piloto em Nova York, desenvolve uma tecnologia de segurança para controlar remotamente a navegação de veículos autônomos. Ao aumentar a disponibilidade da banda, e reduzir a latência da rede, o 5G permite a escalabilidade das operações de carros autônomos.

Teorias da conspiração

Toda adoção de tecnologia desperta ânimos e levanta questões sobre sua utilidade, benefícios e também sobre potenciais "reações adversas". Será que a tecnologia realmente melhora a vida de quem a usa? Com a tecnologia 5G não teria como ser diferente, ainda mais se levarmos em consideração a polêmica do efeito das ondas eletromagnéticas na saúde humana, que nunca teve suporte científico conclusivo. Desde meados de 2019, protestos ao redor do globo vêm tomando forma com o objetivo de impedir a instalação das primeiras antenas, das torres de repetição das ondas de 5G, ou até mesmo derrubar antenas já instaladas.

Em países como a Suíça, uma grande resistência contra a mais recente geração da tecnologia conectividade está tomando força. Na pequena cidade de Wohlen, nos Alpes Suíços, a prefeitura desistiu dos planos de instalar as torres que transmitiriam o 5G, após moradores se oporem ao projeto. Grupos de ativistas e da sociedade civil citam preocupação com riscos de saúde devido a radiação eletromagnética além daquela que já se recebe hoje em dia das atuais torres de celular. Além da pequena Wohlen, Genebra também decidiu pausar seus planos de adotar a tecnologia. Já na Alemanha, estes grupos organizados pedem mais testes e estudos por parte das empresas antes da instalação em massa dos equipamentos.

Infelizmente, para além dos riscos de saúde, muitos participantes dos protestos estão envolvidos com redes políticas extremistas de direita e em teorias conspiratórias que vão do terraplanismo aos movimentos antivacina. Diversos participantes dos protestos também alegam que "como a tecnologia viria da China", existiria um problema grave com a privacidade dos dados e vigilância. Apesar da legítima preocupação com a questão, especialmente despertadas pelas recentes controvérsias envolvendo a chinesa Huawei, líder do mercado 5G, nem todos os sistemas que utilizam essa tecnologia são deste país. Além do mais, seria importante para a garantia dos direitos individuais e para o próprio avanço desse mercado que todas as companhias que possuem a tecnologia sejam questionadas sobre o uso e gestão dos dados de usuários.

Existem diversos motivos para se posicionar contra a adoção desenfreada da tecnologia 5G. Para usuários, negócios e sociedade, a questão da privacidade dos dados e da vigilância é a mais relevante para se levar em conta como uma ameaça real. Os legisladores precisam entender os receios das pessoas e dar vazão a eles em regulações pertinentes, desde que não sejam aqueles alimentados por fake news e e movimentos conspiratórios sem credibilidade científica.

Apesar disso, a tecnologia 5G deve ser entendida como uma nova forma de conectividade que pode potencializar diversos setores e ainda aumentar imensamente a produtividade industrial. Banir o 5G seria uma perda de competitividade alavancada pela convergência tecnológica, e talvez regular o 5G público e permitir apenas redes privadas seja uma das possíveis formas de implementar a tecnologia enquanto ela amadurece, se prova segura e seus efeitos indesejados se revelam e assim se possa entender melhor seus limites de uso.