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Primeiro vereador cadeirante de Natal tem obstáculos na própria Câmara

O vereador eleito Tércio Tinôco - Arquivo pessoal
O vereador eleito Tércio Tinôco Imagem: Arquivo pessoal

Luiz Henrique Gomes

Colaboração para o TAB, de Natal (RN)

03/03/2021 04h00

Quarenta e nove dias depois de tomar posse como vereador de Natal, Tércio Tinôco segue com a sua cadeira de rodas até a sala onde deveria funcionar o seu gabinete na Câmara Municipal. Com uma expressão pacífica no rosto, aponta para a porta fechada com o nome do antigo ocupante do local gravado no vidro e afirma: "Está aí, desse jeito. Sou o único vereador sem gabinete, porque a sala não tem acessibilidade e as reformas não começaram." Como quase tudo que com o que se deparou depois de 2005, ano em que se tornou tetraplégico devido a um acidente, a Câmara Municipal não estava preparada para recebê-lo.

Tércio Tinôco tem um modo discreto de se portar. Nas sessões da Câmara, costuma ir direto para o plenário ocupar um lugar, conversa pouco com os vereadores em volta e demonstra uma concentração invejável enquanto está no plenário. Aos 33 anos, é administrador e foi paratleta de tênis de mesa entre 2007 e 2010. É tetraplégico desde os 18 anos e, em novembro de 2020, se tornou o primeiro vereador cadeirante da história de Natal, eleito com 3.101 votos pelo Partido Progressista (PP).

O vereador tomou posse no dia 1º de janeiro, mas no dia 18 de fevereiro, data que marcou o início do ano legislativo com a mensagem anual do prefeito de Natal, Álvaro Dias, ainda trabalhava de um gabinete provisório a uma distância de seis quilômetros da Câmara. Ele deve permanecer na sala até o dia 15 de março -- previsão de entrega da reforma.

O gabinete precisa de portas mais largas (as atuais são estreitas demais para a passagem de cadeiras de rodas), retirar degrau que dá para o banheiro e colocar suportes nas paredes. A reforma foi licitada pela diretoria da Câmara somente no dia 19 de fevereiro. Ou seja, 50 dias depois da posse e quatro meses depois da sua eleição.

O vereador eleito Tércio Tinôco - Luiz Henrique Gomes/UOL - Luiz Henrique Gomes/UOL
O vereador eleito Tércio Tinôco
Imagem: Luiz Henrique Gomes/UOL

Um por todos

Localizado num bairro da classe média de Natal, o gabinete improvisado é dividido em duas salas de um imóvel comercial que pertence à família de Tércio -- uma no térreo e outra no primeiro andar. O vereador fica na sala do térreo, um local discreto que fica entre duas pizzarias, de paredes inteiramente brancas e uma porta de madeira comum, fechada por um cadeado.

Na parte interna da sala, uma divisória torna o espaço estreito, com ar de lugar temporário. "Enquanto a Câmara não realizar a reforma da minha sala, vou permanecer aqui, arcando com todos os custos."

No Palácio Padre Miguelinho, onde funciona a Câmara Municipal de Natal, o gabinete de Tércio Tinôco vai funcionar no segundo andar de um prédio anexo, que abriga os gabinetes dos 29 vereadores da capital potiguar. O andar foi uma exigência do próprio parlamentar. A diretoria da Casa havia oferecido um gabinete no térreo, vizinho a sua vaga de estacionamento, mas o vereador escolheu ficar no alto.

O primeiro obstáculo surgiu a partir daí: o único elevador que levava ao segundo andar do anexo estava quebrado. "Para mim seria mais cômodo ficar no primeiro andar, mas não penso só em mim -- e se eu aceitasse não fariam a acessibilidade em nenhum andar. Nós pedimos para toda a Câmara, até o andar da TV Câmara [terceiro]. Eles vão ter que quebrar uma laje. Ou quebra ou sai de lá, porque se eu não der entrevista, nenhum vereador vai dar." As declarações firmes são outra característica do parlamentar.

O prefeito e a inclusão

Foi no dia 18 de fevereiro, logo após a primeira sessão ordinária da Câmara este ano, que Tércio mostrou à reportagem do TAB a sala que vai servir de gabinete no Palácio Padre Miguelinho. A sessão ordinária estava marcada para as 14h, mas foi adiada na manhã do mesmo dia para as 16h. Tércio foi um dos últimos vereadores a chegar no local, às 15h30, e aguardou na primeira fileira de cadeiras a chegada do prefeito. O restante dos vereadores transitavam entre o plenário e os seus gabinetes até o início da sessão.

"Se a gente precisar de alguma coisa que faríamos no gabinete, temos que sair batendo de porta em porta, quase pedindo favor", comentou um dos assessores do parlamentar.

Naquele dia, o prefeito Álvaro Dias discursou durante duas horas diante dos parlamentares e das galerias repletas de assessores, secretários e jornalistas. Tércio ouviu o discurso praticamente sem tirar os olhos do púlpito onde estava o chefe do Executivo. Os únicos desvios aconteceram nos momentos em que virou a cadeira de rodas para fazer comentários no pé do ouvido da esposa, sentada a seu lado no plenário como acompanhante. O parlamentar não tem movimento nos dedos, e precisa de auxílio durante todas as sessões para realizar tarefas como assinar documentos.

Após a sessão, o parlamentar comentou: "Viu que o prefeito falou em inclusão? Será que ele teria falado tanto se eu não estivesse aqui?" A resposta do que procurava com tanta atenção no discurso estava dada. Como primeiro vereador cadeirante da história de Natal, a inclusão não vai sair do seu radar enquanto ocupar o cargo.

Em janeiro, Tinôco soube que a prefeitura tinha a intenção de criar uma pasta voltada para "Direitos Humanos e Minoria". Logo, solicitou uma reunião com o prefeito para pedir a inclusão de uma subsecretaria de acessibilidade dentro da nova pasta. O encontro aconteceu num prédio da prefeitura, próximo ao gabinete improvisado do parlamentar, porque a sede do governo municipal não tem acessibilidade. "O pedido foi atendido, mas temos muito a avançar. Poucos prédios públicos têm acessibilidade hoje em Natal."

Tércio Tinoco, eleito vereador em Natal - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Tércio Tinoco, eleito vereador em Natal
Imagem: Arquivo Pessoal

Acidente

Tércio Tinôco se tornou tetraplégico depois de sofrer um acidente aos 18 anos, no dia 25 de dezembro de 2005. Ele passava férias num parque aquático com os pais e, num mergulho em uma piscina, bateu de cabeça no fundo. Todos os movimentos foram perdidos imediatamente. Sem conseguir retornar à superfície para respirar, ainda se afogou e ficou sem batimentos cardíacos por 15 minutos.

O socorro aconteceu graças a um homem que estava no local e viu o desespero dos primos de Tércio. Ele foi encaminhado para o hospital e passou 12 dias num leito de UTI, em Natal. Em seguida, foi transferido para um hospital em Brasília. "Quando acordei, eu não conseguia mexer nada, apenas os olhos."

A tetraplegia é a perda do movimento dos braços, do tronco e das pernas. No fim de dois anos, Tércio conseguiu recuperar o movimento dos braços, mas não o dos dedos. O trauma pós-acidente o deixou com depressão, e, durante a reabilitação física e psicológica, conheceu o tênis de mesa. Foi quando se tornou paratleta, ainda em Brasília.

Em 2010, Tércio voltou para Natal, fez faculdade de administração e, quatro anos depois, assumiu a Sadef/RN (Sociedade Amigos do Deficiente Físico), entidade civil sem fins econômicos com o objetivo de dar suporte à prática do esporte de alto rendimento. A presidência da Sadef o colocou no meio político de maneira indireta, porque ele passou a representar a categoria.

"Foi aí que eu vi a dificuldade que tínhamos para conseguir. Eu me sentia chegando com um 'pires na mão' para conseguir direitos", rememorou. A decisão de entrar para a política aconteceu em dezembro de 2019, depois de ter colocado o nome à disposição e recebido o apoio da entidade. "Foi a minha primeira eleição e agora assumo uma responsabilidade muito maior."

No dia em que foi à Câmara Municipal para participar da primeira sessão ordinária do ano, Tinôco sentiu o tamanho da confiança depositada nele. Ele era o único cadeirante presente no Palácio Padre Miguelinho. Na saída do plenário, foi abordado por um segurança da casa, que disse: "Vereador, vá em frente e tenha coragem. Sempre que chega um cadeirante aqui eu preciso carregar nos braços." Tércio ouviu, o cumprimentou com o punho fechado e acenou com a cabeça, mantendo o mesmo jeito discreto do plenário.