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'A Jamaica é aqui': em Maceió, casa de radialista é memorial a Bob Marley

Brinco Star em seu memorial a Bob Marley - Gabriel Moreira/UOL
Brinco Star em seu memorial a Bob Marley Imagem: Gabriel Moreira/UOL

Jean Albuquerque

Colaboração para o TAB, de Maceió

28/06/2021 04h00

Uma casa sem muro, com alto-falantes, bandeiras dos países da África em vinil, telhas nas cores do reggae, pintadas de 50 em 50 unidades quando os filhos ainda eram crianças. Coroas de bicicleta acopladas a uma cerca estampadas com os nomes de Malcolm X, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Marcus Garvey, Desmond Tutu, Madre Tereza de Calcutá, além de frases como "Jah Live", "Jah Bless" e "Respeite para ser respeitado".

Era um sábado ensolarado, perto das 10h30 da manhã, quando José Maria Ferreira Bezerra — popularmente conhecido por "Brinco Star" e natural de Palmeira dos Índios, interior de Alagoas — recebeu a reportagem de TAB com o sorriso que lhe é característico. Durante a conversa, o maior fã de Bob Marley de que se tem notícia no Nordeste foi contando sua história com o rei do reggae (e sobre como foi construído o memorial que diz muito sobre sua personalidade).

Vestindo uma bermuda cinza, chapéu panamá, camisa preta com uma bandeira da África nas cores do reggae, um relógio preto, os óculos pendurados na camisa e, claro, o brinco na orelha direita, que é a sua marca há anos, Brinco Star se explica: "Sou contra o sistema."

A casa de Brinco Star em Maceió (AL) - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
A casa de Brinco Star em Maceió (AL)
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

Uma casa diferente

Quem passa pelas ruas do Benedito Bentes, bairro localizado na periferia da capital alagoana e o mais populoso de Maceió — com cerca de 88.084 mil habitantes —, logo percebe uma casa diferente que foi montada com muita personalidade, tomada pelas cores vermelha, amarela, verde e preto.

No quintal, as plantas emolduram carcaças de televisão com imagens do rei reggae. Por ali, há também um violão que "toca sozinho" as músicas de Marley graças a caixas de som embutidas no instrumento — e muitas, muitas pinturas na parede. Brinco também montou um estúdio dentro da propriedade, onde acabou fazendo uma única live durante a pandemia para discotecar e fazer suas locuções. A transmissão foi realizada pelo Facebook em 2 de novembro, Dia de Finados.

Os corredores internos da csa também têm sua intervenção: diversas fotos de Bob Marley, um ingresso de um show do Djavan colado na parede e uma montagem que Brinco muito se orgulha de ter feito: Bob Marley ao lado de Djavan. São essas gambiarras que dão corpo à sua paixão.

A casa de Brinco Star em Maceió (AL) - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
A casa de Brinco Star em Maceió (AL)
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

Grande homenagem

Brinco é pai de quatro filhos. O primeiro morreu há alguns anos e ele não gosta de falar a respeito. Aos 59 anos, ele tem Marley (28), Marlon (27) e Mayara (25).

Com a chegada do segundo filho, foi possível fazer sua grande homenagem e reverência ao astro jamaicano Robert Nesta Marley (1945-1981). "Foi muito bem pensado, muito bem elaborado. Não queria colocar o nome dele de Bob porque tem muito gato e cachorro com esse nome", relembra.

A paixão por Bob Marley, somada ao fato de a mãe de seu filho ter sido fã do apresentador e jornalista William Bonner na década de 1990, resultou na dupla homenagem que agradou o casal à época. O filho do radialista foi registrado como Marley William Santos Bezerra.

Brinco Star em seu memorial a Bob Marley - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
Brinco Star em seu memorial a Bob Marley
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

A construção do memorial

O início da paixão por Bob Marley surgiu em 1977, quando Brinco passou um tempo morando em São Paulo. Ele ficou totalmente encantado com a descoberta da musicalidade, dos cabelos rasta, da forma de dançar e das mensagens nas letras das canções do ídolo jamaicano. "Se eu tivesse deixado os dreads crescerem até hoje, já estariam batendo no chão. Mas aí vem o sistema, você vai trabalhar em determinado local, vai precisar cortar o cabelo."

Em 1981, Star passou uns meses em Salvador e se deixou contagiar pela efervescência cultural da cidade. Foi lá que usou, pela primeira vez, um brinco. O apelido ele ganhou em 1986, quando começou a trabalhar em rádio — e foi dado pelo colega Jorge Lenny. Na época, trabalhava na madrugada, como operador de rádio, da 0h às 6h da manhã.

O desejo de construir o memorial surgiu depois de batizar o filho Marley. Em 1995, começou a pintar a sua casa com canetões hidrocor; as cores foram saindo por conta das chuvas, e só em 1997, com a contribuição de amigos, seu acervo foi crescendo e as cores vivas do reggae, com a aplicação da tinta adequada, ficaram definitivas.

Brinco Star em seu memorial a Bob Marley - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
Brinco Star em seu memorial a Bob Marley
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

O radialista explica que, para decorar a casa, começou percorrendo alfarrábios da cidade em busca de revistas que viraram pôsteres, aliando sua criatividade à ajuda de doações. Ele ressalta que o acervo é todo composto por materiais recicláveis. "Vinte e um anos já lapidando o memorial, mas ainda não tá do jeito que eu quero."

Drogas, não

Por conta de sua paixão, Brinco já passou por alguns episódios inusitados — como aconteceu quando a Força Nacional parou em sua porta com o giroflex ligado por alguns minutos.

Ao sair para conferir se havia algo de errado, o fã de Bob Marley convidou os militares para entrar. Os policiais se espantaram com as cores do reggae e o acervo que Brinco guarda carinhosamente. Foi na época do governo de Teotonio Vilela Filho, e Alagoas amargava os piores índices de segurança pública do país.

Diferente do que pregava o seu ídolo, o anfitrião fez questão de ressaltar que não faz apologia a nenhum tipo de droga. "O meu único vício é cultuar o legado deixado por Bob Marley."

O radialista sempre precisa frisar que não faz apologia às drogas. Ele conta, incomodado, sobre a permanente associação entre reggae e cannabis. "Nem todo regueiro tem a obrigação de ser maconheiro. Não é por aí".

A casa de Brinco Star em Maceió (AL) - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
A casa de Brinco Star em Maceió (AL)
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

Na trave

Brinco Star se tornou tão célebre em Maceió que, em 2006, quase foi a primeira pessoa a ser entrevistada no episódio de estreia do "Minha Periferia", quadro exibido aos domingos no "Fantástico" (Rede Globo) e apresentado por Regina Casé. A apresentadora viajava pelo país para encontrar personagens que representassem culturalmente as comunidades nas quais foram criados.

Segundo os relatos de Brinco, a produção do programa ligou para o produtor Marcelo Mendes, da afiliada local da Rede Globo, a TV Gazeta. Na época, Mendes fazia a produção e informou que havia um fã de Bob Marley morando em uma casa toda pintada com as cores do reggae, que não fumava e tinha um filho chamado Marley.

O produtor da TV Gazeta teria ligado para Brinco dizendo que o pessoal da produção do programa da Regina Casé queria fazer um material com ele. Brinco diz que recusou a proposta por estar sem emprego e não ter condições de receber a equipe. "Eu sou geminiano, é muito perfeccionismo."

Brinco Star em seu memorial a Bob Marley - Gabriel Moreira/UOL - Gabriel Moreira/UOL
Brinco Star em seu memorial a Bob Marley
Imagem: Gabriel Moreira/UOL

O radialista — que viu as oportunidades de emprego diminuírem com a chegada da tecnologia às rádios locais nos anos 2000 — estava trabalhando como auxiliar de serviços gerais em um hospital público de Maceió nos últimos meses. Por conta disso, já está imunizado com as duas doses da vacina.

Com a fala tranquila que lhe é característica, ele conta, com resignação, que foi demitido há alguns dias. No momento, pretende se virar com o seguro-desemprego e os bicos que pintarem. Ele se define como um cara simples, humilde, que abre sua casa para qualquer pessoa que queira conhecer o legado de Bob Marley. "Amigo dos amigos."