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Artesão dos botões de futebol de mesa vende peças há 40 anos no Rio

Adriano Moutinho, o fabricante de peças para futebol de mesa, no Rio - Fabiana Batista/UOL
Adriano Moutinho, o fabricante de peças para futebol de mesa, no Rio
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, do Rio

12/07/2021 04h01

Eles podem ser improvisados com tampinha de garrafa, botões de roupa e ficha de pôquer. Na década de 1970, essa era a realidade das crianças que não tinham onde comprar botão, mas eram apaixonadas pelo jogo.

Adriano Moutinho, 65, passava a mão nas fichas de pôquer do pai e fazia as próprias peças, junto dos irmãos. A tática virou profissão.

Em uma casa no bairro da Freguesia, no Rio, fica a refinaria do mestre dos botões — como Adriano é chamado pelos botonistas. Só mesmo um apaixonado para dedicar 40 anos da vida à confecção das peças. Atualmente, ele é representante do Botafogo e coordenador da Fefumerj (Federação de Futebol de Mesa do Estado do Rio).

Quem não fica muito feliz com o empenho é a esposa — único ser vivo, além de uma gata, que mora com ele e tenta disputar espaço com o maquinário. "Ela sempre aponta, braba, minha bagunça", explica Moutinho, ao mostrar os retalhos dos botões no terraço. Toda a área externa do térreo e do terraço é de uso exclusivo do artesão.

Na tarde de segunda-feira em que TAB o visitou, ao som de pássaros e do murmúrio do vento frio, Moutinho começou a se ajeitar para trabalhar e decidiu fabricar um botão do zero para mostrar as etapas de produção. Enquanto trabalhava no torno, a conversa tinha de ser suspensa. Quando a máquina grita, não é possível ouvir mais nada.

No silêncio, Adriano resgatou uma memória de infância. De quando se federou à Fefumerj e começou a levar o esporte a sério. E falou do dia em que decidiu, na década de 1990, abrir a primeira loja exclusiva para botonistas do Brasil.

Maleta de fichas de pôquer que serão transformadas em peças para futmesa - Fabiana Barbosa/UOL - Fabiana Barbosa/UOL
Maleta de fichas de pôquer que serão transformadas em peças para futmesa
Imagem: Fabiana Barbosa/UOL
Botões em preparação, na oficina de Adriano Moutinho, o fabricante de peças para futebol de mesa, no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Botões em preparação na oficina de Adriano Moutinho
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Entre o torno e as fichas

Entre o barulho do torno e do polidor, o cheiro da resina e as cores e brilhos das fichas de pôquer, tudo entulhado em mesas, o trabalho começou. Adriano colocou no torno um bloco retangular de fichas cortadas e coladas, de cores diferentes, e começou a arredondá-lo. Naquela manhã, já tinha saído para a rua. Às segundas, resolve pendências no banco e despacha encomendas pelo correio.

O trabalho começa religiosamente às 8h e termina ao entardecer, todos os dias. Cinco dias por semana. Todas as semanas do mês. Ao voltar da rua, reforma peças mal feitas de clientes envergonhados de não terem comprado, diretamente, dele — "são botões comprados por preços menores da concorrência e que vêm com algum defeito".

Já os dias subsequentes são dedicados à produção das encomendas. Prepara um bloco retangular cortando e colando as fichas de pôquer e, para arredondá-lo, usa o torno. Há ainda os detalhes, este a gosto do freguês. O brasão de time colado é o mais solicitado.

O mestre dos botões é paciente e trabalha sem pressa e com primor, porque é preciso. Cada peça tem 1 centímetro de altura e 6 cm de diâmetro. Um corte fora da marcação e a peça perde a serventia ou um dedo é cortado. O encaixe do brasão é feito em um furo de 18 milímetros no meio da circunferência e colado com resina. O acabamento, feito com lixa e um polidor, deixa o botão liso e brilhando.

Os aprendizados de Adriano, além de adquiridos na infância com os irmãos, sofreram influência e modificações. Aprendeu a usar torno em 1983, quando conheceu Juarez Reis, um torneiro da rede ferroviária federal, já falecido, pioneiro na fabricação artesanal de botões.

Um time inteiro, com dez botões, custa R$ 700. Por mês, são fabricados, no terraço de Moutinho, vinte times. Real Madrid e Barcelona são os que mais saem. Mas antes de estes ficarem famosos no país, os brasões mais solicitados, no Rio, eram os do Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo.

Botão sendo lustrado no polidor - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Botão sendo lustrado no polidor
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Onde começou

Os irmãos Moutinho, um trio em que Adriano é caçula, brincavam em volta da mesa de futebol de botão em qualquer lugar. Tijuca e Copacabana, bairros onde moraram na infância, eram considerados redutos da brincadeira entre garotos.

A dificuldade de encontrar botões diferentes e mais bonitos, visto que não existia produção artesanal no Rio, fez com que os irmãos decidissem fabricá-los eles mesmos. A fabricação era amadora. "A lima era usada na inclinação do botão e o alfinete marcava o diâmetro [da circunferência]".

Quase vinte anos depois, Adriano foi pioneiro ao abrir a Toca do Botão, primeira loja exclusiva de futmesa, do Brasil. Em 1998, decidiu se dedicar exclusivamente ao ofício e abriu a loja no centro do Rio.

Foi estendendo os tentáculos. Além dessa loja, abriu em 2000 a Oficina do Botão, com o mesmo objetivo, no Shopping Boulevard, em Vila Isabel. Depois, em 2001, no Shopping Barra Garden, na Barra da Tijuca.

Nenhuma delas aguentou os altos preços de aluguel. A do centro fechou em 2001, a da Barra em 2004, e a última, com o aluguel e condomínio batendo R$ 12 mil, fechou em 2007. As três fizeram história. Chico Anysio, por exemplo, era um dos frequentadores da loja da Barra e passava horas jogando na mesa de Moutinho. "Ele era fanático por botão."

O artesão passou, então, a vender online e em feiras de rua. Ficou cada vez mais conhecido no universo dos botonistas. Colecionadores e Alexandre Schmidt, estudioso do esporte, afirmam que Adriano é o fabricante de botões mais antigo, em atuação, do Rio.

Adriano Moutinho, o fabricante de peças para futebol de mesa, no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL
Retalhos de acrílico usados por Adriano Moutinho na fabricação de peças para futmesa, no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Retalhos de acrílico usados por Adriano Moutinho na fabricação de peças para futmesa, no Rio
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Não é brincadeira

Ao entrar no quintal da casa, é possível ver, embaixo das escadas, uma mesa com dezoito troféus conquistados. Dois deles foram quando, em 1998, Moutinho foi campeão estadual na modalidade Bola 12 Toques e, em 2005, no Disco.

Já na diretoria da Fefumerj, o botonista foi um dos responsáveis por oficializar, no início dos anos 2000, o "Dadinho 9x3" nos campeonatos estaduais da federação. O diferencial do Dadinho 9x3 é a própria bola, um dado minúsculo. "9x3" significa que quem está em posse da bola tem o direito de nove passes, e cada jogador pode dar três toques seguidos, até revezar com outro de seu time. "Todo mundo já jogou. Até os jogadores de outras modalidades, mesmo que moleque." Antes disso, a modalidade era amadora.

A bola do 1 Toque, a modalidade mais jogada do futbola, é um disco de polietileno de 1 centímetro de diâmetro e pode ser amarela ou branca. Os jogadores, cada um de um time, têm direito a um toque, ou seja, um passe por vez.

Essa foi uma das suas tentativas de ampliar a adesão de pessoas ao esporte e à federação. Em debates dentro da diretoria, Adriano busca expandir os campeonatos estaduais para locais como shoppings e parques. "Teremos mais plateia, e, assim, o futebol de mesa pode ganhar mais adeptos."

Ao final do trabalho, o mestre dos botões encostou em uma mesa, ainda no terraço, olhou o céu cinza e acendeu um cigarro.

"Minha preocupação é daqui algumas décadas. Mesmo que haja um aumento entre os interessados, o inchaço é visto, apenas, na categoria adulto e temos pouca adesão da geração sub-18", afirma, nostálgico.

Colagem do brasão com resina, na oficina de Adriano Moutinho - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Colagem do brasão com resina
Imagem: Fabiana Batista/UOL
Acessórios de futmesa fabricados por Adriano Moutinho - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Acessórios de futmesa fabricados por Adriano Moutinho
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Criança não tem paciência

Os mais velhos são a maioria dos federados. Há 269 no Rio. O vice-diretor do Dadinho 9x3, Jonas Kojala, afirma que dos quase 130 na modalidade, não há mais que 20 no grupo infantil.

A família de Adriano é um espelho disso. Pai de duas filhas e um filho, o caçula até brincou com os botões do pai, mas já não o acompanha mais. As filhas não foram estimuladas. O jogo é, em suma, masculino.

Além disso, o botonista percebeu que as crianças não têm paciência para o botão. "A competição que os pais travam com a tecnologia é injusta."
Ainda que apaixonado pelo universo dos botões, Adriano demonstra cansaço, e, algumas vezes, diz que seu corpo não aguenta mais o peso do trabalho. A produção vai acabar ali, no mestre dos botões.

Sem muito remorso, ele é consciente de que fez o que pôde. "Tá tudo bem. Vai que chegam os netos e topam essa empreitada?" Adriano sonha com um repeteco do que os irmãos Moutinho fizeram quando meninos.