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Por que o LinkedIn é uma rede social tão odiada?

O LinkedIn parece irritar muita gente na internet - Getty Images
O LinkedIn parece irritar muita gente na internet
Imagem: Getty Images

Marie Declercq

Do TAB

09/08/2021 04h00

A premissa do LinkedIn, em tese, é prática. Se trata de uma rede social direcionada para a área profissional, onde os usuários mantêm um perfil com atualizações sobre onde estão trabalhando, novas experiências e fazem conexões com outros usuários da mesma área profissional ou com interesses em comum. Quase inofensiva.

O LinkedIn se manifesta de algumas formas na nossa vida online. Para quem não é muito chegado nas redes, normalmente ele se resume a um perfil protocolar que não é atualizado há algum tempo e que, de vez em quando, vem à memória porque a plataforma tem o costume de mandar e-mails avisando que alguém trocou de emprego — ou que uma pessoa que você conheceu em uma festa da firma em 2010 quer se conectar com você.

Agora, para os que usam a rede social da plataforma como recurso primordial de comunicação, é um vasto universo de conteúdos — não muito diferente do Instagram — de pessoas influentes ocupando cargos de liderança em grandes empresas. É, ainda, um canal para receber propostas de trabalho e participar de processos de seleção.

A importância do LinkedIn foi crescendo por conta do fator decisivo que um perfil atraente na rede social pode ter para arrumar um emprego. Não é à toa que ele tem mais de 774 milhões de usuários e mais de 40 milhões deles estão no Brasil, quarto país mais presente no site. No entanto, com o crescimento da rede e a escolha da plataforma de priorizar a criação de conteúdos, a bolha do LinkedIn muitas vezes acaba estourando e vazando para outras redes sociais com publicações que vão desde clichês de coachs motivacionais, empreendedores reclamando de funcionário que quer descansar no feriado e anúncio de vagas com requisitos discriminatórios. Afinal, o LinkedIn é tão ruim assim ou nós vemos só a parte ruim dele? Nossos entrevistados explicam.

Peraí, o LinkedIn não é só um lugar pra montar um currículo e procurar emprego? Inicialmente, sim, mas sua função foi evoluindo nos últimos anos para se tornar uma rede social de fato, em vez de ser uma plataforma estritamente profissional. Um reflexo disso é que, desde 2016, a empresa passou a eleger influenciadores de destaque no LinkedIn em cada país, chamados de Top Voices, e impulsionou a plataforma Pulse para os usuários, servindo como um "agregador" de notícias. Atualmente, existem até cursos e dicas de profissionais de marketing digital ensinando a criação de conteúdo especialmente para a plataforma.

Se é apenas uma rede social como qualquer outra, por que as pessoas odeiam tanto o LinkedIn? A rede social é um local onde as pessoas se identificam e são identificadas pela profissão, emprego e experiência profissional. Isso, por si só, já ajuda na criação de um clima mais formal. De certa forma, é como se fosse uma digitalização daquele papo que o pessoal tem perto da máquina de café do seu trabalho, mas com uma dimensão de milhões de pessoas dos mais variados perfis.

"No geral, o problema com o LinkedIn é que ele é dividido em um grupo muito grande de pessoas querendo alguma coisa e um grupo mais reduzido de pessoas conhecidas por seus cargos que estão lá falando para o mesmo tipo de pessoa", resume o proprietário anônimo do perfil @Startupdareal, criado para denunciar e expor discursos falaciosos de empreendedores, gurus e coachs motivacionais.

"O LinkedIn é o núcleo desse tipo de discurso de empreendedor que critico no meu perfil, porque é onde os 'empreendedores' vão para mostrar serviço, para puxar o saco de alguém ou receberem algum tipo de autoafirmação", resume o criador da página, autor também do livro "Este livro não vai te deixar rico: Descubra a verdade sobre empreendedorismo, startups e arte de ganhar dinheiro".

Com tantos usuários querendo "vender o peixe", o conteúdo do LinkedIn vaza para outras redes sociais com publicações problemáticas, polêmicas ou apenas clichês demais. "Há um exagero de elogios que não são sinceros, um exagero de uma vida profissional que não é de verdade, uma romantização dessa coisa de trabalhar até mais tarde. Os textos motivacionais, especialmente agora com as Olimpíadas, estão ainda mais desconectados da realidade", explica Nina da Hora, cientista da computação.

Que tipo de publicações viralizam em outras redes? Histórias de superação são um hit na plataforma e, consequentemente, são as que mais geram engajamento e, às vezes, revolta. No entanto, justamente para conquistar o público, as histórias parecem fantasiosas ou cópia da cópia. É o famoso "eu tava lá, eu era o cachorro". "As pessoas estão lá tentando construir uma imagem, mas todo mundo copiou a mesma história de superação do outro e assim por diante. Por pior que soe, ela é uma rede muito mais de aparências do que o Instagram", diz @Startupdareal.

Outra característica comum das publicações mais "odiadas" da LinkedIn é que grande parte vem com sinalizações de virtude — uma forma de expressar opiniões para demonstrar bom caráter ou valores morais. "Para usar um termo da moda, é um 'personal branding', mas sempre partindo de um ponto de vista em que você sempre será o herói da coisa toda, que o seu mercado é demais, tá todo mundo feliz", explica Murillo Leal, jornalista. "É uma historinha muito fácil de montar", reflete Leal, que foi nomeado Top Voice do LinkedIn em 2016.

Por meio de sua assessoria de comunicação, o LinkedIn afirma que conteúdos autênticos são o que de fato funcionam na plataforma. "O LinkedIn deve ser, e é, um lugar onde as pessoas são encorajadas a compartilhar suas experiências pessoais e percepções de uma forma genuína, pois pode inspirar outras pessoas que possam estar lidando com uma situação semelhante", explicam.

Por que tem tanta historinha assim por lá? Porque o LinkedIn é um terreno fértil para isso. Tanto para @Startupdareal quanto para Leal, a taxa de desemprego de 13 milhões no Brasil contribui para que, nos últimos anos, mais pessoas com perfil motivacional crescessem na plataforma. "São cursos de coaching, sempre anunciando uma oportunidade de dinheiro fácil que apela para quem está desempregado. Um mar de cursos começaram a aparecer, sempre com receitinhas de bolo e historinhas de superação. Tudo repetindo, sempre a mesma coisa", explica o perfil anônimo.

Mas isso é tão ruim assim? As histórias de superação são inofensivas, mas existem situações mais sérias onde é possível ver pessoas em cargos altos ou responsáveis pelo recrutamento de funcionários fazendo comentários preconceituosos ou reclamando de direitos trabalhistas.

Segundo @Startupdareal, o que mais merece atenção é como alguns discursos de ódio acabam ganhando um tom empresarial. "É muito comum você ver comentário de diretor de empresa comentando coisas absurdas, de funcionários de empresas grandes sendo racistas. É um reflexo do que a gente vê nas empresas, do pessoal que ocupa cargos mais altos falando absurdos."

Assim como no caso da recrutadora que fez uma publicação afirmando que não "contrata LGBT" mas sim "seres humanos", muitas usuárias mulheres já relataram haver sido assediadas pelas mensagens privadas. "Todo debate no LinkedIn tem esse tom de que pode prejudicar na sua contratação ou na sua permanência em um emprego. Sendo uma mulher jovem e negra, isso me coloca em uma situação difícil. Por isso que mal interajo", explica Da Hora.

De acordo com a plataforma, dos mais de 313 mil conteúdos removidos por violarem as normas de conduta em 2020, mais de 157 mil são publicações abusivas ou que promoviam assédio, seguidos de 110.742 conteúdos removidos por desinformação. Para evitar publicações do tipo e também de anúncios de vagas de emprego com requisitos preconceituosos, o LinkedIn combina a atuação de revisores humanos, denúncias dos próprios usuários e aprendizado de máquina para moderar o que é publicado.

Mas é culpa do LinkedIn? Toda rede social privilegia certos conteúdos para ganhar visualizações e incentivar o engajamento. O LinkedIn não é exceção.

"O algoritmo do LinkedIn acaba favorecendo esse tipo de conteúdo", explica Leal. "Tem um caso conhecido de um usuário que lidava com RH e fez uma publicação extremamente preconceituosa sobre a contratação de mulheres, mas descobrimos que ele fazia isso porque esse tipo de conteúdo gerava interação", relata.

A assessoria do LinkedIn defende que os usuários da plataforma podem customizar o conteúdo que recebem a partir dos seus interesses. "O próprio usuário pode filtrar o tipo de conteúdo que aparece no feed. Nosso objetivo é criar a melhor experiência possível para os usuários, oferecendo a eles os controles necessários para uma experiência personalizada e envolvente no LinkedIn", disse ao TAB.

Então só tem engodo no LinkedIn? Não, mas infelizmente o que tem uma qualidade duvidosa e grande capacidade de viralizar é o que vai mais aparecer para você. O segredo, caso você goste do LinkedIn ou queira começar a usá-lo, é tentar filtrar da melhor forma possível e não interagir com publicações apelativas. "Existem bons conteúdos de pessoas que não defendem esse 'mundo mágico' do LinkedIn", defende Leal.

Querendo ou não, ter um perfil atualizado no LinkedIn é bem-visto por empresas na hora de procurar alguém para ocupar uma vaga. Só não vale inventar historinha motivacional.