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Arthur Lira dorme só 4 horas por noite e vai pra cama 'com raiva'

Marcos Lima/UOL
Imagem: Marcos Lima/UOL

Felipe Pereira

Do TAB, em Brasília

13/11/2021 04h01

A busca por verbas na Câmara dos Deputados tem dress code. Gente metida em terno, calça reta e vestido sóbrio perambula por gabinetes atrás do dinheiro que vai garantir obras-vitrines na próxima eleição. Mas, quando a sessão está para começar, o deputado se despede daquilo que se conhece por base eleitoral.

As mesuras são conduzidas por assessores, enquanto parlamentares fazem o túnel que leva ao plenário da Câmara parecer acesso ao metrô. No sistema nervoso do poder, as pessoas valem e são chamadas pelo cargo que ocupam: vereador, prefeito, secretário municipal ou estadual. A regra também se aplica à parte de cima do organograma. Quem coordena um grupo de deputados é chamado de líder. No controle de todo esse ecossistema está o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

O cargo em si, terceiro na linha de sucessão presidencial e que permite comandar a pauta das votações, confere status. Nesta semana, contudo, Lira deu forte demonstração de que seu poder vai além das prerrogativas da função que exerce.

Na terça-feira (9), ele liderou a aprovação em segundo turno da PEC (proposta de emenda constitucional) dos Precatórios que, no limite, permite ao governo federal bancar o Auxílio Brasil. O benefício pode fazer toda a diferença nas eleições de 2022. Muito agradecido, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) citou a votação em sua live semanal, enaltecendo Lira.

Líder da minoria, função que coordena a oposição, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) afirma que Lira é o homem mais forte da República, hoje. "Tendo um presidente fraco como a gente tem, sem dúvida o Arthur Lira acaba exercendo um papel muito maior que o do presidente."

O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) diz que a origem do poder de Lira é a capacidade de controlar o orçamento e distribuir verbas. Tanta relevância acabou ofuscando o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Deputados que conversaram com o TAB ao longo da semana afirmam que o poder de Lira é tamanho que demandas ao Planalto são apresentadas primeiramente a ele.

Obcecado por política

Reunir tanto poder requer uma série de predicados, sejam eles positivos ou negativos. O primeiro diferencial de Lira é a capacidade de não parar de pensar em política.

Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) conta que o presidente da Câmara trabalha das 6h até as 2 horas da madrugada. Mesmo em encontros de lazer, Lira tem dificuldade de não estar discutindo política.

"Quando vai dormir, vai com raiva. Ele acha que dormir é perda de tempo", diz o ministro.

Companheiro de partido, o ministro elogia a objetividade e lealdade de Lira. Mas, para outra ala da Câmara, a dupla representa a rendição do governo Bolsonaro ao Centrão e ao "toma lá, dá cá". Para a oposição, não há valores morais na aliança, apenas valores financeiros.

"No começo, ele [Lira] era um dos maiores críticos do ministro Paulo Guedes e, quando teve oportunidade de poder, aderiu ao governo", afirma Kataguiri.

Tropa de choque de Cunha

Uma frase muito repetida é que Lira foi o melhor aluno da tropa de choque do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), que liderou o impeachment de Dilma Rousseff (PT). O aprendizado inclui escantear desafetos, motivo que faz deputados falarem somente em off (declarações dadas apenas em caráter anônimo).

Eles contam que, a exemplo da tropa de choque de Cunha, Lira tem seu núcleo duro de aliados. São integrantes dos partidos Republicanos, PL, PP e PSL. Desse quarteto saem os nomes que vão cuidar de projetos importantes. Caso de Hugo Motta (Republicanos-PB), relator da PEC dos Precatórios.

Lira repete o método em que se consagrou. Encaminha tarefas, acompanha resultados e os bem-sucedidos sobem em seu conceito. "O Lira é um cara que delega, mas acompanha, está perto. A confiança vem com o tempo", declara o deputado Diego Andrade (PSD-MG), líder da maioria.

Além de arregimentar o Centrão, o presidente da Câmara tem o trunfo de manter bom relacionamento com partidos que atualmente se vendem como independentes ou de oposição, caso de MDB, do PSDB, e até da esquerda. É algo que só aparece quando os votos são revelados.

A aprovação das PEC dos Precatórios por quatro votos acima do mínimo incluiu o apoio de dezenas de deputados do PSDB, PSB e PDT.

Outro fato que revela a capacidade de articulação do presidente da Câmara é que, na última semana de outubro, uma contagem revelou haver 256 deputados a favor da PEC. A oposição reclama que esta foi uma articulação feita na base do repasse de verbas.

Deputados que conversaram com o TAB afirmam que, moral ou não, a liberação de verbas para aliados foi regra nos governos do PT e de Michel Temer (MDB). Nem sempre o apoio envolve emenda parlamentar. Muitas vezes, o deputado quer apoio num projeto ou pleitear audiências com um ministro.

Arthur Lira (de máscara) conversa com Ciro Nogueira em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
Arthur Lira (de máscara) conversa com Ciro Nogueira em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Trânsito livre na Câmara

Enquanto Rodrigo Maia (sem partido-RJ) presidiu a Câmara, as conversas eram feitas com as lideranças. O homem mais poderoso da Casa em 2021 faz questão de conversar com todos.

"Arthur Lira fala que, se tiver alguma oportunidade em que ele mesmo possa, num contato, reforçar uma posição a favor de uma matéria, ele sempre se disponibiliza", ressalta o deputado Efraim Filho (DEM-PB), líder do Democratas.

A capacidade é considerada consequência da trajetória de Lira. Filho do ex-senador Benedito Lira (PP), ele frequentava gabinetes políticos de Maceió desde os 15 anos. Ao chegar a Brasília, integrou comissões importantes como a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), do Orçamento e foi líder do PP por seis anos, caminho que lhe trouxe domínio da política da Câmara.

Outra caraterística é a franqueza. O senador Esperidião Amin (PP-SC) era da CCJ durante o processo de impeachment do ex-presidente Michel Temer. Ao sinalizar que ia votar a favor do afastamento, foi retirado por Lira.

"Fiquei com minha posição e ele preencheu [a vaga na CCJ] com um nome alinhado à posição do partido. Não deixamos de nos respeitar. Ele me comunicou, não foi desleal, nem sorrateiro."

Ímpeto é risco de atritos

Líder da maioria, o deputado Diego Andrade conversa com frequência com o presidente da Câmara e afirma perceber objetividade e compromisso com resultados. Acrescenta que Lira tem disposição para levar adiante pautas polêmicas, como a privatização dos Correios, da Eletrobras e prepara o Congresso para as reformas administrativa e tributária.

Andrade diz que a mudança do regimento interno promovida por Lira logo que assumiu a presidência da Câmara sinalizou a aceleração das pautas. A oposição afirma que houve redução do debate.

"O Lira representa o que há de pior na condução da Câmara, que é não abrir o diálogo e desrespeitar a oposição. Tenta enfiar pautas goela abaixo", declarou o deputado Kim Kataguiri.

Parlamentares afirmam que Rodrigo Maia não tem mais trânsito com os colegas por atropelar decisões quando dirigia a Casa. Eles consideram que Lira corre risco de cair na mesma armadilha.

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro mostrou-se engajado na campanha de Arthur Lira (PP) para a presidência da Câmara                              - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Votação em alta em Alagoas

Na Câmara dos Deputados, é dada como certa a tentativa de reeleição de Arthur Lira na próxima legislatura. Ninguém o enxerga perdendo a vaga de deputado federal por Alagoas.

Desde 1996, ele acumula eleitores. Na última disputa, foi o segundo deputado federal mais votado, com 143.858 votos, seu melhor resultado, mesmo sob a sombra de escândalos.

O nome de Lira figurou na Operação Taturana, deflagrada em dezembro de 2007 pela Polícia Federal para apurar desvios de verba na Assembleia Legislativa de Alagoas, num esquema de supostos funcionários fantasmas.

O nome de Lira também apareceu em delações da Lava Jato. Ele foi apontado pelo Ministério Público Federal como beneficiário do esquema conhecido como "Quadrilhão do PP".

Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara se manifestou via assessoria de imprensa. Em nota, ele afirma que todos os processos referentes à operação Taturana foram arquivados pela Justiça. Sobre a Lava Jato, alega que, quando levadas a julgamento, as denúncias vêm sendo arquivadas por falta de provas.

Outro caso que pesa sobre Lira é a denúncia de violência doméstica. Em 2006, Jullyene Lins, com quem o deputado foi casado por dez anos, registrou boletim de ocorrência por lesão corporal. Cerca de dez anos depois, ela mudou o depoimento e Lira foi inocentado. Mas, em entrevista à Folha de S.Paulo em janeiro de 2021, Jullyene reafirmou as acusações.

Em relação à ex-mulher, a nota enviada à reportagem afirma que a Justiça já se posicionou em duas ocasiões, a favor do deputado. "Todas as informações são públicas, tanto nos sites da Justiça como pela imprensa."

TAB tentou conversar pessoalmente com Lira ao longo da semana, mas a assessoria informou que não havia disponibilidade de agenda. Com um cargo tão alto, mesmo dormindo apenas quatro horas, é impossível atender a todo mundo.