Professor de Fortaleza entrega cartas de estudantes escritas há 20 anos
Antero Macedo, 65, passou os últimos dias organizando caixas etiquetadas com "Máquina do Tempo". Estava à procura da carta da arquiteta Fabiana Castro, 29, entre pastas coloridas que tomavam conta da entrada da sala da diretoria do Colégio Monsenhor Joviniano Barreto, em São João do Tauape, um bairro de Fortaleza com jeitão de cidade do interior.
Antero aproveitou a busca pela carta para relembrar momentos com seus "bebês", como carinhosamente chama os alunos que teve. Mostra alguns envelopes ao TAB e lembra como começou o projeto com que mobilizava os estudantes.
Em 2001, Antero pediu que uma turma escrevesse cartas, contando sonhos e desejos pessoais para os próximos dez anos. A ideia era que o aluno lesse o que escreveu décadas depois para tentar compreender as viradas da vida. Adotou o mesmo processo com alunos de séries diferentes e quatro escolas de Fortaleza, entre públicas e particulares, até 2014.
As 1.200 cartas escritas foram colocadas em envelopes e guardadas dentro de pastas etiquetadas com ano, série, turma e escola. As caixas onde ficaram guardadas as pastas são a Máquina do Tempo. Antero levou as primeiras remessas para casa e as escondeu entre o forro e o telhado. Anos depois, após um assalto, perdeu alguns desses documentos. Lamentando, o professor acredita que a carta de Fabiana estivesse na leva que foi roubada.
Desde 4 de dezembro, Antero vem fazendo a entrega das cartas em endereços previamente divulgados em seus perfis nas redes sociais. Até o momento, cerca de 500 foram encaminhadas aos seus autores. "Fiquei despedaçado vendo meus alunos, muitos anos depois. Foi maravilhosa a experiência, mais até do que eu poderia imaginar."
A notícia do recebimento dos escritos logo gerou repercussão nas redes sociais, com compartilhamentos e marcações de ex-alunos nas publicações. E foi assim que Fabiana ficou sabendo do mutirão. "Falei: Meu Deus, como ele conseguiu guardar todas aquelas cartas? É muita dedicação com os alunos. Eu não esperava receber minha carta tanto tempo depois. Achava aquela ideia impossível."
A tão sonhada carta escrita em 2004 não apareceu, nem a dela nem a da melhor amiga, que está tratando um linfoma. A novidade poderia mudar a vida das duas. Fabiana queria que a amiga pudesse reviver o que foi escrito no passado e, por isso, foi ao colégio em busca do documento naquela manhã.
"Vim por ela, que precisa passar algumas semanas em casa, protegendo-se, por causa da imunidade baixa. Mesmo sem a carta, foi bom rever o professor e sentir que o carinho continua o mesmo", conta. Da turma de Fabiana, nenhuma carta foi encontrada.
Letra de música
A engenheira civil Taís Mourão, 27, abriu o envelope aos poucos. Visivelmente desconfiada com o que poderia encontrar, primeiro o apalpou e, em seguida, o balançou para tentar descobrir o que tinha no interior. Sob o olhar atento da irmã, puxou uma das fotos que havia tirado com a turma e algumas cartas. "Só sei que eu tinha colocado uma letra de 'Pump it', do Black Eyed Peas, minha música preferida, mas só isso", relembra.
Com passos lentos, andando de um lado para outro, distraía-se com o que encontrava. Nos textos, Taís falava de ambições profissionais, dos gostos e da rotina da família. Após 14 anos, quase nada dos desejos permaneceu. A engenheira hoje mora em São Paulo, não quis cursar direito, não se casou, nem teve três filhos. "Quando a gente é adolescente, tem uma visão distorcida da realidade, achando que, daqui a dez anos, tudo vai ser resolvido e que a gente estará realizada com aquelas convicções", explica.
Taís acredita que passará algum tempo pensativa em relação à experiência de revisitar o passado. "Não é qualquer pessoa que tem a oportunidade de conversar consigo mesma, quatorze anos atrás. Isso vai servir para que eu pense no meu próximo ciclo, do que vem depois."
Nas primeiras confidências, a estudante de gastronomia Cynara Carvalho, 24, contou que havia escrito cartas para todos os amigos da turma. À época, também pediu para que membros da família lhe escrevessem alguma coisa. A jovem tinha certeza de que um dia iria ler todos aqueles textos. "Ao término de cada ano, sempre lembrava que faltava pouco para a entrega acontecer. Algo me dizia que eu ainda iria ler as cartas, mas não sabia quando."
Dos envelopes guardados, o de Cynara era o que continha mais conteúdo: de CDs à carta da avó, falecida em 2020 por problemas cardíacos. "A gente tinha uma relação um pouco conturbada. E, no final da vida, melhorou um pouco. Na carta ela dizia que, apesar da nossa relação ser assim, sabia que a gente se amava, e queria que eu fosse feliz." Cynara chorou.
Quando criança, estudava pela manhã e, à tarde, ficava aos cuidados da avó, enquanto a mãe ia trabalhar. Foi nesse convívio que Cynara começou a se apaixonar pela arte de cozinhar, observando o que a avó preparava na cozinha. "Aprendi com ela. E sigo a ideia de que cozinhar é um ato de cuidar, de afeto com o outro."
Em meio ao choro, também veio o sorriso após relembrar da carta de um ex-namorado que, atualmente, virou amigo. Ainda no 1º ano do ensino médio, Cynara e Matheus Nogueira, hoje com 24 anos, decidiram escrever uma carta um para o outro. O designer, na carta, fizera um pedido inusitado de casamento. "Brinquei com ele. Perguntei o porquê do pedido não estar acompanhado de uma aliança", lembra Cynara.
Com um "só eu posso abrir" escrito em um dos lados do envelope, a empresária Luciana Valente, 23, enfatizava a proibição para a abertura do pacote a qualquer pessoa que não fosse ela. O pedido feito na adolescência causou estranheza e até medo à jovem, que pretende encontrar a melhor amiga e o namorado para a abertura do documento.
Luciana lembra que, na época, não queria participar da atividade. No último dia de aula, em 2008, após o professor Antero falar de um possível arrependimento, ela foi para casa com o intuito de juntar tudo que lhe transmitisse algum significado. Pegou um brinquedo de que queria lembrar no futuro, escreveu as cartas e colou nelas alguns adesivos. "Hoje eu agradeço demais por ele ter me incentivado. Alguns amigos não fizeram a atividade e hoje estão arrependidos."
A jovem está com o envelope de Jéssica Studart, 23. As duas são parceiras desde a 2ª série (atualmente, 3º ano do ensino fundamental). No documento, está a carta da mãe da amiga, já falecida. "Ela está nervosa. Vai ser um momento de contato com a mãe. A gente vai abrir juntas. Acho que vai ser um misto de sentimentos."
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