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De 'Star Wars' a New Order: escola de SP troca sirene por sinal musical

Escola estadual troca sirene apocalíptica por sinal musical e conquista alunos e vizinhança - Marie Declercq/UOL
Escola estadual troca sirene apocalíptica por sinal musical e conquista alunos e vizinhança
Imagem: Marie Declercq/UOL

Marie Declercq

Do TAB, de São Paulo

24/03/2022 04h01

Às 7h30 em ponto, um trecho da rua Vitorino Carmilo recebe as primeiras notas da faixa "Blue Monday" do New Order. O beat familiar toca um pouco menos de dez segundos e logo aquela região do bairro de Santa Cecília, no centro de São Paulo, volta a receber o barulho de sempre: carros anunciando a venda de dúzias de ovos, motos acelerando e notificações de iFood vindas dos celulares dos entregadores que fazem ponto nos arredores. Poucas horas depois, outra música ecoa. Desta vez é a Marcha Imperial do Darth Vader, um dos temas de "Star Wars".

A princípio, alguns vizinhos suspeitavam que a origem das músicas vinha do Theatro São Pedro, mas o horário não batia com o funcionamento do local. Bastou levar os ouvidos à janela para descobrir que a fonte musical era o prédio da Escola Estadual Conselheiro Antonio Prado.

O sinal musical apareceu em meados de 2021, pouco após a volta às aulas presenciais. As músicas substituíram a sirene antiga que, quando era acionada, dava a impressão de que o bairro estava sob ataque nuclear. Depois da substituição, não é difícil flagrar alguns funcionários da UBS Doutor Humberto Pasquale e do Pronto-Socorro Barra Funda ao lado da escola abrindo um sorrisinho quando a música sai dos alto-falantes.

"Dá até uma vontadinha de dançar", comenta uma funcionária do PS, antes de apagar o cigarro e voltar para o trabalho.

'Parecia ataque de zumbi'

A sirene anterior era apocalíptica, para dizer o mínimo. O som, aliás, era muito parecido com a sirene que ecoa do prédio da Folha de S.Paulo todo dia às 18h, não muito longe da escola. O problema é que o alarme escolar precisa soar várias vezes ao dia para sinalizar o começo e o fim das aulas e os intervalos. "A vizinhança reclamava bastante. Não só por causa da UBS e do pronto-socorro, mas também porque tem muitos idosos morando nos prédios residenciais em volta", conta Dirceu Donizetti Dias de Souza, 65, diretor da escola desde fevereiro de 2018.

"A substituição foi feita pensando também no bem-estar das crianças que estudam aqui, porque elimina essa sensação fabril e mecanicista que se tinha antes. E também não assusta os alunos que são autistas e outros que se assustam com maior facilidade", afirma ele.

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Dirceu Donizzetti, diretor da escola, diz que a mudança da sirene foi bem recebida
Imagem: Marie Declercq/UOL

A sirene antiga também não era muito querida pelos alunos. Donizetti leva a reportagem a uma das salas de aula para perguntar aos alunos se gostam do novo sinal. A resposta vem fácil e em coro. "Siiiiiiim!" Um menino sentado na primeira fileira explica melhor. "O outro era muito ruim. Parecia um ataque de zumbi." Outra aluna, sentada mais para o fundo, aproveitou a presença da reportagem do TAB para fazer um pedido. "Eles poderiam colocar a música da Família Adams."

As músicas, conta Max Lima, 45, professor do Proatec, já vieram pré-selecionadas no aparelho comprado pela escola. A seleção conta com o tema dos filmes "Jurassic Park", "Indiana Jones", "Star Wars" e "Fantasma da Ópera", entre outros. Mas ela também pode ser personalizada.

Lima é encarregado de atualizar o repertório. O diretor pediu músicas clássicas, uma professora sugeriu o tema da trilogia "O Senhor dos Anéis" e o próprio Lima está querendo colocar alguns hits da Disney e trilha sonora de animes como "Naruto" e "One Piece". "A troca de sinais foi boa, porque minha sala ficava na frente de uma das cornetas. Todo mundo se assustava quando tocava", revela.

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O prédio onde funciona a escola foi construído no começo do século 20 no bairro da Santa Cecília, região central de SP
Imagem: Marie Declercq/UOL

'Aqui nasceu a escola'

O prédio da escola "musical" é uma atração por si só. As portas de madeira são altas, grades de ferro com arabescos separam corredores e o piso é adornado com pastilhas vermelhas e beges.

Os extensos corredores que comportam 14 salas de aula recebem 740 alunos do 1º ao 5º anos do ensino fundamental, divididos nos períodos matutino e vespertino. Grande parte dos alunos, explica Donizetti, vem da favela do Moinho, de ocupações e cortiços que resistem na região da Santa Cecília e Barra Funda. "Esse ano não tem nenhum aluno cuja família mora na rua, mas já tivemos alguns."

O diretor é quem recebe a reportagem, junto a uma assessora de imprensa da Secretaria de Educação, que também ficou curiosa com o sinal musical. Absorto nos mínimos detalhes, o diretor parece conhecer cada tijolo que compõe o prédio e suas adjacências.

"Aqui nasceu a escola", explica Donizetti sobre as origens do local tombado pelo Condephaat em 2010. O edifício foi construído no começo do século 20 (a data exata varia entre 1903 ou 1911) junto a uma leva de escolas da cidade de São Paulo que abraçaram uma nova abordagem educacional, a partir da Primeira República, na segunda metade do século 19. O único momento em que o prédio desvirtuou de sua função original, segundo o diretor, foi durante a epidemia da gripe espanhola em 1918, quando virou um hospital para receber os enfermos.

A construção é simples, mas eficaz, até porque foi projetada pensando na circulação de alunos e professores. Mais recentemente, foi construída uma extensão da escola que comporta um refeitório onde servir merendas, além de banheiros para os alunos.

Aumento de verba

A ideia de instalar um sinal musical surgiu antes de Donizetti assumir como diretor da escola. "A antiga diretora já queria trocar de sirene, mas não tinha verba", explica ele.

Segundo o diretor, a realidade da E.E. Conselheiro Antonio Prado mudou bastante a partir de 2019, quando o governador João Doria anunciou o PDDE-Paulista (Programa Dinheiro Direto na Escola Paulista), com um repasse de recursos para escolas estaduais.

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Relógio musical foi instalado em 2021 após o retorno das aulas presenciais e substituiu sirene antiga
Imagem: Marie Declercq/UOL

Em 2021, de acordo com o Portal de Transparência do programa, a escola recebeu mais de R$ 200 mil para investir na manutenção do prédio e cobrir despesas de infraestrutura. Foi assim que o sinal musical finalmente foi adquirido. A instalação e os aparelhos custaram em torno de R$ 10 mil.

A recepção foi positiva. "Várias pessoas me pararam na rua para falar que gostaram do sinal", conta ele, satisfeito. "Se bem que duas semanas atrás uma senhora pediu para que a sirene voltasse a tocar. Parece que o som trazia boas lembranças para ela."

Para a infelicidade da saudosista, o sinal musical continua firme e forte na escola. Dependendo do horário, perto dos portões da escola dá para ouvir alguns alunos cantarolando alto junto com a música nos alto-falantes.