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'Anjo e demônio': a cantora suspeita de matar e assumir identidade de amigo

A cantora Mariana Munhoz, 49 - Reprodução/Instagram
A cantora Mariana Munhoz, 49 Imagem: Reprodução/Instagram

Do TAB, em São Paulo

22/09/2022 04h01

Sentada no chão de um beco de barracos de madeira, numa favela de São Paulo, Mariana Munhoz, 49, alimentava um gato faminto e pedia ajuda a quem assistia àquele vídeo, publicado por ela em 13 de julho: "Linda, lindo, doe", reforçava a mulher, usando a expressão vocativa que sempre repetia nas redes sociais para chamar atenção de seus seguidores.

Mariana Munhoz é o nome artístico de Maryanna Elisa Rimes Paulo. No Instagram e no Facebook, ela coleciona milhares de publicações como aquela, realizando ações de caridade a animais ou em bairros pobres, centros de acolhimento e na casa de pessoas em situações de vulnerabilidade. Com os apelos públicos, recolhia doações em dinheiro e produtos e repassava a quem precisava.

"Sou cabeleireira e maquiadora, mãe protetora e amiga dos animais, cantora trans", diz sua na página, que também expõe registros de shows e apresentações em casas noturnas, muitas vezes imitando a cantora norte-americana Mariah Carey.

"A gente não acredita que está falando da mesma pessoa", diz o maquiador e drag queen Dicesar, ex-participante do Big Brother Brasil, colega de Mariana, com quem já dividiu o palco em apresentações. A imagem contraditória é porque a cantora passou a estampar o noticiário policial apontada como suspeita de assassinar um amigo, o ex-bancário Marcelo do Lago Limeira, 52, assumir a identidade dele e então movimentar cerca de R$ 1 milhão de seu patrimônio.

O crime

Mariana e Marcelo eram amigos havia mais de duas décadas. Eles se conheceram em uma festa e, desde então, se tornaram muito próximos. Em 18 de maio do ano passado, o ex-bancário passou por uma cirurgia estética para retirada de uma prótese de silicone do rosto. A cantora passou a ajudá-lo no período pós-operatório e, segundo as investigações, foi aí que, três dias depois, ela o teria assassinado com doses altas de remédios.

De acordo com a Polícia Civil, Mariana contou com ajuda de outro amigo, o maquiador Ronaldo Bertolini, para esconder os vestígios. Segundo a investigação, eles alugaram uma chácara no interior de São Paulo para queimar o corpo de Marcelo, mas não conseguiram e o abandonaram às margens de uma rodovia.

Mariana foi até um cartório e conseguiu assumir a identidade do amigo, explicando que era uma pessoa trans mas que ainda não havia feito a retificação dos documentos após a transição de gênero. Ronaldo e ela movimentaram a conta e o cartão de crédito de Marcelo ao longo de um ano. Um dos carros da vítima também foi vendido pela dupla. Uma parte desse dinheiro, conta o delegado Cristiano Luiz Sacrini Ferreira, foi usada para a festa de casamento do maquiador.

Foi a gerente do banco quem desconfiou do crime, em abril deste ano, depois de Mariana solicitar um empréstimo em nome de Marcelo. Avisada da situação, a irmã dele procurou a polícia. Durante a investigação, o sigilo telefônico de Mariana e Ronaldo foi quebrado e, segundo Ferreira, foi na escuta dessas conversas que a polícia descobriu que a festa de casamento do maquiador seria paga com dinheiro do amigo assassinado. Eles foram presos em 28 de agosto.

Mariana Munhoz e Marcelo Limeira - Reprodução - Reprodução
Mariana Munhoz e Marcelo Limeira
Imagem: Reprodução

Imagem destruída

A estilista e performer Michelly Summer diz que ficou "sem chão" ao receber a notícia da prisão da amiga, com quem trabalhava desde 1999. "Como uma pessoa que era um verdadeiro anjo é um verdadeiro demônio?", indaga. Quatro dias antes da prisão, as duas se apresentaram num evento na capital paulista. "Ela fez um show lindo, deixou todo o teatro chorando. Ela entrou mesmo para se despedir, porque já sabia que estava sendo investigada."

Para Michelly, Mariana "era um símbolo de uma pessoa boa, que faz caridade, que vai nas comunidades, que ajuda todo mundo". "Construída há anos, essa imagem ser quebrada é doloroso", conta. "Quando eu perguntava a ela sobre Marcelo, ela inventava que ele estava sumido porque estava com namorado novo. Marcelo era meu cliente, chegou a encomendar um macacão e sumiu."

A artista Leandra Moreira, também amiga de Mariana, diz que a cantora "nunca deu close com o dinheiro" roubado. "Ela nunca se mudou da casa na Freguesia do Ó. Chegou a viajar para Cancún [no México], mas disse a gente que ganhou as passagens de Marcelo. A gente acreditou."

Michelly e Leandra conheciam os três envolvidos no episódio e não sabiam que Marcelo pretendia fazer transição de gênero — informação que só foi citada na investigação da Polícia Civil, com base em troca de mensagem dos dois suspeitos.

A notícia do crime pegou de surpresa as amigas e as pessoas que recebiam apoio da cantora. Na Casa Florescer, que acolhe travestis e transexuais em São Paulo, o episódio assustou todo mundo — das mulheres assistidas à equipe. O espaço frequentemente era tema de vídeos nas redes sociais de Mariana.

Procurado pelo TAB, no entanto, o administrador da Florescer, Beto Silva, não quis comentar o assunto. "Neste momento, não podemos participar [da reportagem]", disse, por mensagem.

O atleta de MMA Thalyson Galleoni, dono de uma sex shop para quem Mariana fazia vídeo promocional nas redes, também negou entrevista. "Conheço ela [Mariana] pelo fato de ajudar algumas pessoas. Não tenho interesse em participar, foi um assunto que chocou todo mundo, foi complicado, mas é muito particular."

Mariana Munhoz - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Mariana Munhoz
Imagem: Reprodução/Instagram

'Agora estou pagando'

Um ex-namorado de Marcelo, com quem ele se relacionava na época do crime, foi localizado nesta semana e convocado para depor como testemunha. É uma das últimas peças da investigação, antes da conclusão do inquérito, segundo o delegado Ferreira.

Mariana está presa na Cadeia Pública Feminina de São Bernardo do Campo, e Ronaldo, na Cadeia Pública de São Caetano do Sul. Ambos devem seguir em prisão temporária até o início de outubro, quando voltarão a ser ouvidos em depoimento. A dupla deve responder por homicídio qualificado, ocultação de cadáver, estelionato e falsidade ideológica. Eles negam as acusações.

Em entrevista à TV Record, gravada no centro de detenção de São Bernardo, Mariana disse que encontrou Marcelo morto depois de ele tomar uma superdosagem de remédio. Com medo de ser acusada de assassinato, ela declarou que decidiu esconder o corpo com ajuda de Ronaldo.

Três dias depois de Mariana ser presa em São Bernardo, foi postado um vídeo no perfil dela no Instagram. Era a própria cantora falando rapidamente para seus seguidores: "Linda, lindo, só estou aqui pra dar uma satisfação. Aconteceu um problema, agora estou pagando por ele". A mensagem, segundo o delegado, foi gravada antes da prisão e publicada por um dos irmãos da suspeita.

Lacônica, Mariana não contou qual era problema nem onde estava no momento da gravação. A configuração da rede foi ajustada para que ninguém conseguisse fazer qualquer comentário àquela atualização.

"Mas importante é que estou bem e vou ficar bem, independe de onde eu estiver", afirmou ela, antes de embargar um pouco a voz, como se estivesse chorando. "Quero pedir a vocês que não parem de doar, mesmo que eu não esteja aqui. Doa, ajuda, tem tanta gente precisando", finalizou. Foi, até então, a última aparição pública de Mariana Munhoz.