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Um dos maiores concorrentes do jornalismo é o Tinder, diz chefe da Axios

O jornalista norte-americano Nicholas Johnston, publisher da startup Axios, que esteve no Brasil para participar do Festival Piauí de Jornalismo - Simon Plestenjak/UOL
O jornalista norte-americano Nicholas Johnston, publisher da startup Axios, que esteve no Brasil para participar do Festival Piauí de Jornalismo Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Do TAB, em São Paulo

05/12/2022 04h01

Certa vez, o jornalista estadunidense Jim VandeHei publicou um texto de 1.600 palavras sobre o governo Barack Obama no seu site, o Politico. O texto repercutiu bastante em Washington, a audiência estava alta e o autor estava se sentindo inteligente e importante — até que viu os dados de acesso: na realidade, quase ninguém havia passado das primeiras 450 palavras da coluna. "As pessoas estavam respondendo, compartilhando, comentando uma história que quase ninguém leu", relatou ele, num recente TED Talk.

VandeHei então fundou a startup Axios, em 2017, que propõe "smart brevity" no jornalismo — basicamente, uma tentativa de informar mais usando menos palavras.

"'Smart brevity' é um modelo de jornalismo que entrega informações de forma inteligente e rápida sobre assuntos que importam", define o jornalista estadunidense Nicholas Johnston, publisher da Axios e convidado do 7º Festival Piauí de Jornalismo, que ocorreu no último fim de semana, em São Paulo.

"É ser eficiente. Se dissesse mais seria irônico, pois a ideia é ser breve", acrescenta nesta entrevista, (dolorosamente) editada em 900 palavras.

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Imagem: Simon Plestenjak/UOL

TAB: "Apocalipse do Analytics", nas suas palavras, é quando jornalistas descobrem que os leitores não estão lendo o que eles escrevem. Como foi esse momento para você?

Nicholas Johnston: Ao longo da minha carreira, fui tendo mais acesso a dados. E o resultado é um só: ninguém está lendo tanto quanto você pensa, descendo a barra de rolagem ou passando tanto tempo na página o quanto você espera. É difícil para um jornalista encarar essa realidade ancorada em dados. Isso me levou a conversar com leitores e a perguntar o que eles querem, o que me fez confrontar meus piores pesadelos: eu escrevia e eles não liam. Todas as redações estão notando isso agora. É preciso encontrar a audiência onde ela está, e não continuar fazendo jornalismo como se fazia em 1950 ou 1850.

Axios é um modelo que veio para ficar ou uma tendência do momento?

NJ: O surgimento do smartphone e das mídias sociais nos fez afogar em informações. Temos uma infinidade de opções ao alcance dos dedos. No celular, posso acessar qualquer filme, livro ou música, posso pedir delivery, pedir um carro, agendar viagens. Nessa guerra por atenção, os jornalistas precisam compreender contra o quê eles estão competindo. Tem uma brincadeira que Mike Allen, um dos fundadores da Axios, faz: "Quem é nosso concorrente? O Tinder, já que você pode mover o dedo e sair num date, em vez de ler notícias". É isso. E vários veículos estão copiando a gente. Tenho diversos memorandos de editores e todos dizem: nossos textos são muito longos, ou muito focados no que importa para o jornalismo impresso e não para o digital — ou, mais especificamente, para o smartphone, que é hoje a janela para o universo.

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Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Como escrever menos e dizer mais?

NJ: É a coragem de tirar os dedos do teclado. E você ficaria surpresa: note o sucesso do Twitter, 140 caracteres no início, e as pessoas foram forçadas a pensar em como se expressar nesse limite, elas ficaram eficientes e inteligentes nisso. O que tentamos manter na redação é essa disciplina. Tem uma frase de Mark Twain de que gosto muito: "Desculpe, não te escrevi uma carta breve, pois não tive tempo. Em vez disso, escrevi uma carta longa". É verdade, é difícil escrever em poucas palavras o que é notícia, por que importa e por que o leitor deve tirar um tempo para lê-la. É muito mais fácil sentar e digitar, digitar, digitar.

Como leitor, o que você lê?

NJ: De manhã, as newsletters da Axios (são todas minhas filhas). O que me libera para ler depois, por exemplo, a revista New Yorker. Nos fins de semana, The Economist. Nos voos, levo livros. Essa é a vantagem de ter informação entregue eficientemente, questão de 3,5 minutos para se informar sobre o mundo, o que libera tempo para todo o resto. Há, sim, histórias que exigem mais: já publicamos textos de milhares de palavras, mas porque eles se justificam, eles valem o tempo. É preciso desenvolver esse tipo de confiança com o leitor: esse texto leva 8 minutos de leitura, mas ele vale.

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Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Quem é o público-alvo da Axios?

NJ: Há pessoas inteligentes e interessadas no que está acontecendo, que leem notícias na mídia tradicional e que, assim como eu, têm pilhas de jornais e revistas para ler — mas que têm um emprego, filhos, coisas para fazer, e não vão conseguir fazer tudo. Há uma audiência que não tem tempo para ler tudo o que quer na mídia tradicional. É aí que a Axios entra.

O sr. foi convidado para um festival de jornalismo no Brasil que discutiu "notícias que parecem mentiras e mentiras que parecem notícias". Qual é o papel do jornalismo em tempos de desinformação?

NJ: Ser uma fonte de confiança à qual as pessoas podem recorrer em busca de fatos. A ascensão das fake news e da desinformação na internet torna mais difícil distinguir o que é verdade e o que não é, o que é opinião e o que é fato (não temos editorial ou artigos de opinião na Axios, só notícias). As ameaças ao jornalismo são reais: há líderes de países que se referem à mídia como inimigos de Estado, há agentes e organizações que buscam minar a liberdade de imprensa e a democracia — e jornalistas precisam estar atentos às ameaças e cultivar essa relação de confiança com os leitores.

Nicholas Johnston no Festival Piauí de Jornalismo - Marcelo Saraiva Chaves/Divulgação - Marcelo Saraiva Chaves/Divulgação
Imagem: Marcelo Saraiva Chaves/Divulgação