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O paraibano que coleciona em casa relíquias de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião

Paulo Vanderley Tomás da Silva, que guarda em seu apartamento a coleção iniciada pelo pai, acaba de lançar o livro "Luiz Gonzaga 110 Anos do Nascimento" - Camila Mathias/UOL
Paulo Vanderley Tomás da Silva, que guarda em seu apartamento a coleção iniciada pelo pai, acaba de lançar o livro 'Luiz Gonzaga 110 Anos do Nascimento' Imagem: Camila Mathias/UOL

Camila Mathias

Colaboração para o TAB, de Fortaleza

12/12/2022 04h01

Um artista querendo vender seu carro. Um bancário precisando comprar um automóvel. Foi nessa transação que o pai de Paulo Vanderley Tomaz da Silva, 43, se tornou amigo de Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião. O documento do veículo se tornaria um dos primeiros itens do acervo de mais de 5 mil objetos, entre fotos, roupas e discos, que a família coleciona num bairro nobre de Fortaleza.

"Meu pai acabou vendendo o Furglaine Ford, mas ficamos com o documento original [no nome do sanfoneiro]. Desde criança, meu pai e eu fomos juntando relíquias e isso foi alimentando a minha devoção pelo Seu Luiz", conta este paraibano de Piancó, filho de Paulo Marconi Alves da Silva, que herdou e ampliou a coleção do pai com devoção idêntica.

Logo na entrada do apartamento, quadros com a imagem do sanfoneiro. Mais adiante, uma porta de madeira semelhante às típicas de Exu, município pernambucano a 630 km de Recife onde nasceu o Rei do Baião.

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A coleção conta com LPs, fotos, roupas e áudios de entrevistas do sanfoneiro, além de outros artistas do gênero
Imagem: Camila Mathias/UOL

Coisa de cinema

A experiência prossegue por metros e metros de prateleiras com fotos, livros, esculturas de madeira e réplicas de peças que Gonzaga usou em vida — como o gibão e os chapéus de couro repletos de cores —, parte deles usados nas gravações do filme "Gonzaga: De Pai pra Filho" (2012), do diretor Breno Silveira.

Na área destinada aos LP's o colecionador dispõe de três cópias de cada lançamento feito em vida pelo sanfoneiro. "Comecei a mexer com disco de vinil quando tinha 5, 6 anos", conta Vanderley. "E tenho uma lembrança muito forte de ouvir um disco do Luiz Gonzaga chamado 'Sanfoneiro Macho', de 1995. Tem uma música que eu achava muito engraçada, a do matuto que foi a praia."

Em gavetas espalhadas pelo imóvel, o colecionador guarda documentos, contratos com rádios e televisão, jornais de época e até cartas de fãs apaixonadas pelo cantor.

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Parte do acervo foi usado nas filmagens de "Gonzaga: De Pai pra Filho" (2012), do diretor Breno Silveira
Imagem: Camila Mathias/UOL

Confiança de Gonzaguinha

Foi ainda na infância de Paulo que, por conta do trabalho do pai como gerente do Banco do Brasil, a família Silva se mudou para Exu. Em 1989, durante a criação do famoso Museu do Gonzagão, o menino viu a sua casa se transformar em um depósito de caixas: parte das peças enviadas ao novo museu pelo filho do sanfoneiro, o cantor e compositor Gonzaguinha, ficaram provisoriamente alojadas na casa da família — que a essa altura já desfrutava da amizade e da confiança dos Gonzagas.

A época deixou lembranças marcantes no menino. "Seu Luiz Gonzaga chegou a almoçar na minha casa", conta o colecionador, com orgulho. "Tenho uma foto com ele no Parque Aza Branca", aponta sorridente para o quadro em sua sala de estar.

Ele também não esquece o dia em que, aos 9 anos, passava férias escolares com a mãe em João Pessoa quando foi acordado com batidas na porta pelo tio Marcos: "Ó, teu pai ligou dizendo que Luiz Gonzaga faleceu. Prepara a mala que vocês vão voltar agora pra Exu."

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Aos 9 anos, Paulo foi escalado pelo pai para gravar em VHS os funerais do Rei do Baião em Exu
Imagem: Camila Mathias/UOL

Viagem de Asa Branca

600 quilômetros de viagem depois, a família chegou à igreja em que o corpo do cantor seria velado. Era dia 4 de agosto de 1989 e o clima na cidade era de desolação. O pai de Paulo, que iria em cima do caminhão de bombeiros acompanhar o caixão de Gonzaga, escalou o filho para registrar o momento histórico.

E foi assim que ele gravou, com uma câmera VHS simples, o trajeto que o corpo fez até o cemitério. Pequenino, passava por entre as milhares de pessoas que lotavam as ruas de Exu, com a câmera nas mãos. As imagens, tremidas, amadoras, são carregadas de emoção e de um profundo sentimento de reverência ao artista.

A câmera que ele usou faz parte do acervo. "Foi com aquela filmadora que está ali em cima, e é uma coisa que me vigia o tempo todo. Eu, com 9 anos de idade, fiz esse registro, que me trouxe aquele espírito de 'nordestinidade'. Eu vi o Nordeste, o Brasil estava ali dentro", emociona-se.

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O livro tem um toque de tecnologia: para ouvir a voz do artista, o leitor aciona QR Codes impressos nas páginas
Imagem: Camila Mathias/UOL

Nostalgia high tech

Hoje, o colecionador alimenta um site e a página do Facebook "Isto é forró" com peças e informações de seu museu privado. Também presta consultorias sobre o ídolo. Além do filme de Breno Silveira, ele colaborou com o Museu Cais do Sertão, em Recife, e com o samba-enredo "O Dia em que Toda a Realeza Desembarcou na Avenida para Coroar o Rei Luiz do Sertão", da escola de Samba Unidos da Tijuca, campeã do carnaval carioca de 2012.

Agora, Paulo Vanderley Tomaz da Silva acaba de lançar seu próprio trabalho sobre o ídolo. "A ideia de escrever um livro vinha 'azucrinando' meu juízo faz tempo. Até que um dia, eu estava deitado em uma rede quando me deu um estalo: vou colocar o próprio Seu Luiz pra contar a história dele." Paulo mergulhou no arquivo e recuperou entrevistas que Gonzaga deu em vida para rádios e TVs. "Transcrevi tudo e comecei a montar de forma cronológica", conta.

Durante o projeto, recebeu ajuda até de Dominique Dreyfus, escritora francesa autora da biografia "Vida de Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga", que disponibilizou para ele mais de 30 horas de áudio gravadas em dois meses de entrevistas com o sanfoneiro.

O resultado, "Luiz Gonzaga do Nascimento: 110 anos", reúne acontecimentos antigos com toques de tecnologia — para ouvir as memórias do artista, o leitor aciona os QR Codes impressos nas páginas. Fãs podem ouvir a própria voz de Gonzagão, além das músicas que marcaram as diferentes épocas de sua vida e depoimentos de artistas como Elba Ramalho, Lenine, Fagner, Bráulio Bessa e Tato do Falamansa.

"Estou com o coração feliz e grato de ver esta obra se concretizando", comemora o autor.