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'Comunista!': shopping põe segurança para Papai Noel do PT em Joinville

Professor de história e militante do PT, Edson Kolosque da Conceição, 52, viu seu emprego como Papai Noel ser boicotado por clientes bolsonaristas - Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação
Professor de história e militante do PT, Edson Kolosque da Conceição, 52, viu seu emprego como Papai Noel ser boicotado por clientes bolsonaristas
Imagem: Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o TAB, de Balneário Camboriú (SC)

25/12/2022 04h01

Uma longa fila se forma em direção a uma poltrona forrada por um tecido vermelho, colocada dentro de uma espécie de gazebo de plantas, bem no meio do Garten Shopping, em Joinville (SC). Ansiosas, crianças tentam se desprender dos pais para espiar quem está ali sentado: o Papai Noel. Mas não são só os pequenos que ficam atentos: a 4 metros de distância, um segurança observa tudo — o profissional foi escalado após o "Bom Velhinho" ser chamado de "comunista" nas redes sociais do shopping de um dos estados mais bolsonaristas do país.

A despeito do que se poderia concluir, os ataques não têm relação com a cor do uniforme do Papai Noel, mas com as inclinações políticas do ator que encarna o personagem. Há 30 anos, o professor de história Edson Kolosque da Conceição, 52, filiado ao PT, escreveu um livro que conta a história da sigla em Santa Catarina.

"A Fundação do Partido dos Trabalhadores em Santa Catarina e as Eleições de 1982", lançado em 2020, foi escrito originalmente como um TCC quando Kolosque ainda cursava história na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) — ele concluiu a graduação em 2004.

Edson Kolosque da Conceição, o Papai Noel de Joinville (SC) - Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação - Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação
Imagem: Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação

Na época, o futuro bacharel em história e Papai Noel escolheu escrever sobre o assunto pela falta de obras do gênero no estado. Ouviu cerca de dez pessoas que participaram da fundação do partido em Santa Catarina e teve que atrasar a entrega do trabalho porque muitos dos entrevistados se dirigiam a Brasília para trabalhar no primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje, o livro serve de referência para outros trabalhos acadêmicos, já que muitos dos entrevistados já morreram.

Desde cedo interessado por política, Kolosque iniciou sua militância na UJES (União Joinvillense de Estudantes Secuntaristas) e na UCES (União Catarinense de Estudantes Secundaristas). Na maturidade, chegou a ocupar cargos políticos: foi diretor de cultura e de educação durante a administração de Sabino Bussanello (PT) na prefeitura de Itapema, litoral norte de Santa Catarina. Na época, em 2009, ele coordenou a implementação do orçamento participativo na cidade.

Edson Kolosque da Conceição, o Papai Noel de Joinville (SC) - Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação - Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação
Imagem: Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação

Papai Noel por acaso

O emprego como "bom velhinho" surgiu casualmente, em 2011, em Itapema, quando ele ajudava na organização de um musical de Natal. Após a apresentação, que contou com a presença de mais de 15 mil pessoas, ele foi abordado por um casal que perguntou se ele não toparia se fantasiar de Papai Noel para entregar presentes na casa deles.

Kolosque não deu resposta na hora e foi discutir o assunto com sua esposa. Os dois decidiram então apresentar um valor bastante alto, na expectativa de que a família não topasse. Porém, eles aceitaram. E, nos anos seguintes, ele voltou a encarar o freelance de encarnar o personagem na casa daquela família e de outras, indicadas por eles. A reputação foi ganhando corpo e, em 2016, ele foi chamado às pressas para substituir o Papai Noel do Balneário Shopping, em Balneário Camboriú, que havia ficado doente.

Passou ali por três dias e a experiência rendeu um convite, no ano seguinte, para ser o bom velhinho oficial do Garten Shopping, da mesma rede do Balneário Shopping. Profissionalizou-se: Kolosque abriu uma MEI (microempresa individual), a Noel Eventos Edson Kolosque da Conceição, em agosto de 2017. E atende, a cada fim de ano, uma média de 600 famílias aos finais de semana e outras 300 em dias úteis.

A preparação para o personagem começa cedo, na metade do ano, quando o historiador para de se barbear. É que, após cada Natal, ele sempre corta a barba característica, que no caso dele chega a atingir 13 centímetros de comprimento.

Perfis atacaram a página no Instagram do Garten Shopping, estabelecimento comercial em Joinville, Santa Catarina, após publicarem um vídeo com Papai Noel - Reprodução/Instagram/@gartenshopping - Reprodução/Instagram/@gartenshopping
Imagem: Reprodução/Instagram/@gartenshopping

Na caixa de comentários

Os primeiros ataques começaram na esteira da polarização eleitoral deste ano. "É em instantes! Pontualmente às 17hrs o Papai Noel chega no Garten Shopping. Esperamos por você!", dizia uma postagem do Garten Shopping no dia 26 de novembro.

Na sequência, uma mulher escreveu: "Papai Noel comunista NÃO!! Fora!!". O comentário rendeu 33 respostas, inclusive da própria autora da primeira mensagem. "Procura a biografia dele, procura as redes sociais, pesquisa no Google Fotos dele com o lul@ entre outras vias", incitou a patriota indignada. Que ainda rebateu o comentário de outra consumidora do shopping sobre qual era o problema nisso, alertando ser "muito inocente não pensar que o comunismo está sendo implantado no Brasil".

Três dias depois da primeira publicação, quando o shopping fez nova postagem com um vídeo da chegada do Kolosque como Papai Noel ao local, a campanha de boicote prosseguiu. "Levei as minhas filhas no outro shopping VALEU MUITO A PENA! Garten não, Papai Noel COMUNISTA!!", insistiu a mulher, seguida de 48 comentários.

"Jamais meus filhos vão chegar perto", escreveu outro homem. "Esse cidadão apoia o Lula. Como brasileiro estou fora!", indignou-se outro. Houve também quem zombasse da polêmica. "Tá brincando que papai Noel é comunista??? Achei que ele vendia brinquedos pras crianças e nadava no dinheiro. Tô passada", postou outra mulher.

Crises de ansiedade

Apesar das manifestações contrárias aos ataques e até solidárias ao Papai Noel, Kolosque conta que foi tomado por um sentimento de tristeza ao ler toda a repercussão: "Joinville é uma cidade que tem muitas pessoas bolsonaristas, muita gente na frente do quartel. Eu fiquei chateado porque faço meu trabalho com carinho, eu gosto de fazer". Para ele, "confundiram política com a parte natalina".

Pai de dois filhos e duas filhas, preocupou-se com os riscos à sua família. "Eu sempre tive meu lado político e trabalho há 11 anos [como Papai Noel] e isso nunca incomodou ninguém. Fiquei chateado porque meus filhos poderiam sofrer bullying na escola."

Uma semana após os ataques, Kolosque acordou no meio da madrugada com uma forte dor de cabeça. Tomou um remédio, que não resolveu o problema. Foi então que se deu conta de que estava tendo uma crise de ansiedade que se transformou em enxaqueca. Foi medicado em um hospital e precisou desmarcar compromissos de sua agenda corrida de Papai Noel.

Gatilho emocional

Kolosque percebeu o que estava sentindo pois já tivera uma crise de ansiedade antes. Foi em 2018, quando trabalhava em uma escola estadual de Joinville e teve que apartar uma briga entre dois alunos. Um deles estava armado e, em um ato impulsivo, o professor retirou o revólver das mãos do estudante. Ninguém ficou ferido e o aluno acabou expulso, mas o professor não saiu ileso.

Dias após o incidente, chegou até o portão da escola e ficou paralisado, sem conseguir entrar. Por causa do trauma, teve que pegar menos aulas — decisão difícil para quem teve que trabalhar muito, desde cedo.

Aos nove anos, quando o pai foi trabalhar na construção de uma ferrovia no Iraque, passou a ajudar a mãe, ocupada com sete filhos. Trabalhou como engraxate, vendedor de frutas e de algodão doce. Aos 13 anos, parou os estudos na sexta série para contribuir com o sustento da casa e só voltou com 22 anos, por incentivo da mãe e das irmãs, que já estavam na faculdade. "Aprendi com o trabalho algumas coisas que não se aprende na escola."

Emprego de risco

Agora, embora grato pela preocupação da direção do shopping, ele revela desconforto com a proximidade do segurança durante o seu trabalho. "Eles estão tomando cuidado comigo, mas é uma coisa que me incomoda, porque eu não gosto. Eu sei que é necessário, mas não me sinto bem. É uma festa natalina, não era para precisar disso", lamenta.

Kolosque entende que os ataques tinham o objetivo de prejudicá-lo e forçar o shopping a rescindir o contrato com ele. A repercussão do caso, porém, acabou tendo efeito contrário. A todo momento ele recebe convites para ser o Papai Noel em festas familiares e de empresas — presente que ele, na maioria das vezes, é obrigado a recusar.

A agenda de um Papai Noel, por óbvio, é fechada um ano antes das festas — este ano, apesar de todo o assédio bolsonarista, ele deu expediente até dia 24. "Agora tenho lista de espera. Todo dia tem gente entrando em contato. Eu aviso: 'Se alguém desistir, fecho com vocês."

Errata: este conteúdo foi atualizado
A versão original do texto se referia a Edson Kolosque da Conceição como "ex-professor" e "ex-historiador". Na verdade, ele ainda é professor e historiador. O texto foi corrigido.