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'Girando no ar': caminhoneiro que bateu em 16 veículos no PR diz que surtou

Vinicius Konchinski

Colaboração para o TAB, de Curitiba

30/01/2023 04h01

João Bordinhão de Andrade, 58, deixou Guarapuava (PR) em direção ao balneário de Guaratuba (PR) por volta das 5h da manhã do sábado (14), junto com a esposa Eny. O casal estava no primeiro dia de férias programadas há dois anos. Perto das 8h, ele cruzava Curitiba num HB20 para pegar a estrada rumo à praia, quando sentiu um impacto colossal. Seu carro capotou três vezes e parou com as rodas no chão.

"Percebi que estávamos girando no ar", lembra Andrade. "Nem sabia dizer o que havia nos atingido. De onde aquilo tinha vindo." O automóvel havia sido arremessado para fora da pista por um caminhão Scania branco capaz de transportar 60 toneladas de carga.

Esse mesmo caminhão seguiu em alta velocidade rumo à região central da cidade. A corretora de imóveis Luciana Ferreira, 48, deu de cara com ele trafegando pela contramão da Avenida República Argentina. Ela saía de casa com seu Honda Fit para entregar as chaves de um imóvel a um cliente quando avistou o gigante sobre rodas vindo em sua direção.

"Não deu tempo de fazer nada", conta. "Ele bateu na frente do meu carro e entrou no corredor de ônibus que fica no meio da avenida." Poucos metros dali, o caminhão furou o sinal vermelho e atingiu o Jetta branco de Cristiane Lourenço da Silva, 41, que acabara de sair de casa com o marido Rodrigo para deixá-lo no trabalho.

"Parece até que ele [o motorista] jogou o caminhão pra cima da gente", afirma. "Senti na hora uma dor no meu pé [que quebrou com a colisão]. Eu só conseguia chorar de tão nervosa."

Caminhão desgovernado em Curitiba - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
'Parece até que ele jogou o caminhão pra cima da gente', conta Cristiane Lourenço da Silva, que fraturou o pé
Imagem: Theo Marques/UOL

Surto e medo de assalto

Como no filme "Encurralado" (1971), de Steven Spielberg, em que o condutor de um veículo se vê perseguido por um misterioso motorista de caminhão, as cenas provocaram pânico nas ruas de Curitiba. O caminhoneiro, Nilson Pedro dos Santos, 35, só foi identificado quando a carreta parou na Cidade Industrial de Curitiba, periferia da capital.

"Parou por falha mecânica depois de tantas batidas", explica o delegado Edgar Santana, chefe da Delegacia de Delitos de Trânsito de Curitiba. "Ninguém conseguiu interceder." Nilson afirmou ter tido um surto.

"Ele disse em depoimento que alguém lhe falou que havia duas pessoas na carroceria do seu caminhão tentando lhe roubar", relata o delegado.

Caminhão desgovernado em Curitiba - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
'Ele bateu na frente do meu carro e entrou no corredor de ônibus da avenida', diz Luciana Ferreira, outra vítima
Imagem: Theo Marques/UOL

Bebidas e pó

O caminhão saiu da cidade de Ponta Grossa (PR) rumo a Embu das Artes (SP) no início da noite da quinta-feira (12), a serviço da transportadora Rododrive. Carregava centenas de garrafas de cerveja Heineken produzidas na fábrica no interior do Paraná.

Em depoimento à Polícia Civil do Paraná, Nilson dos Santos conta que chegou a Embu por volta das 3h de sexta (13) e descansou dentro do caminhão até o dia amanhecer. Após descarregar a carga e carregar o veículo de garrafas vazias, pegou a estrada de volta para Ponta Grossa por volta das 10h45.

Ele admitiu que bebeu e se drogou — o exame toxicológico indicou uso concomitante de álcool e cocaína. Já de manhã, resolveu sair com o caminhão rumo a Curitiba sem motivo aparente. Foi quando relatou ter tido um surto e começado a dirigir loucamente.

Prejuízos e vítimas

O Scania circulou em alta velocidade e de forma desgovernada por cerca de 130 km, de Ponta Grossa a Curitiba. Pelo caminho, derrubou todas as garrafas de cerveja vazias que carregava e bateu em 16 carros. Pelo menos três pessoas foram feridas, incluindo Cristiane. Nenhuma gravemente.

Santos, que foi preso em flagrante e teve a prisão convertida em preventiva pela Justiça, deve responder pelos crimes de tentativa de homicídio doloso, direção de veículo automotor alcoolizado e acima dos limites de velocidade, omissão de socorro às vítimas e por ter se afastado dos locais dos acidentes.

Ainda no sábado, pediu desculpas às vítimas e disse que não queria causar todo esse transtorno. A Rododrive afirma que está em contato com as vítimas para ressarci-las. E a Heineken lamentou o ocorrido e declarou que os contratos que a companhia firma com transportadores prevêem o cumprimento de normas e procedimentos obrigatórios, que incluem orientações sobre limite de velocidade e direção sob efeito de drogas.