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'Que coragem é essa?' Quem é Felippe Valadão, líder da Lagoinha no RJ

O pastor Felippe Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha em Niterói (RJ) - Reprodução
O pastor Felippe Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha em Niterói (RJ) Imagem: Reprodução
Juliana Sayuri e Yuri Eiras

Do TAB, em São Paulo e Niterói (RJ)

25/03/2023 04h01

Com a Bíblia aberta no livro de Gênesis, Felippe Valadão, 42, citava a ida de Abraão a Canaã, no domingo de 12 de fevereiro, na Igreja Batista da Lagoinha em Niterói (RJ). No culto, impregnado pelo aroma de pipoca, vendida dentro da igreja, o pastor fazia um paralelo entre a "Terra Prometida" e a saga de "pioneiros" para desbravar lugares "amaldiçoados" atualmente.

Ironia do destino ou não, no dia anterior Felippe inaugurava a Lagoinha de Itaboraí (RJ) num galpão arrendado que antigamente abrigava a Ita Music, única casa de shows da cidade de 240 mil habitantes, na região metropolitana do Rio. No aniversário de 189 anos de Itaboraí, celebrado no dia 19 de maio, o pastor foi uma das atrações. "Avisa aí, ó, para esses endemoniados de Itaboraí: o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho", declarou, no palco da festa oficial.

"A igreja está na rua! A igreja está de pé!", bradou. "E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado da cidade. Eu declaro, vem um tempo aí, Deus vai começar a salvar esses pai de santo [sic] que tem aqui na cidade."

Quatro dias depois, foi instaurada uma ação civil a pedido da Coordenadoria de Direitos Humanos e de Minorias do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, acusando o pastor de intolerância religiosa e discurso de ódio contra praticantes da umbanda e demais religiões cujos sacerdotes se identificam como "pais de santo".

"O réu possui grande engajamento junto ao segmento religioso de que faz parte, seja por meio de mídias sociais, seja pelos cultos presenciais nas diversas unidades da Igreja Lagoinha. Tal fato ajuda a explicar a enorme repercussão de sua fala", diz o documento do Ministério Público.

Felippe não é um pastor qualquer. Casado com Mariana Valadão, 38, ele é genro de Márcio Valadão, 75, o líder religioso que, ao longo de 50 anos de ministério, alçou a pequena Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, a uma denominação evangélica com cerca de 130 mil membros cadastrados, 700 unidades no Brasil e em outros 13 países. Por acaso, ele já tinha o sobrenome do clã antes de se casar: nascido em São Gonçalo (RJ), Luiz Felippe Valadão de Azevedo fez seminário em Belo Horizonte e, ao lado de Mariana, fundou a Lagoinha fluminense, em 2013.

'Novo tempo'

No Instagram, onde tem mais de 1,1 milhão de seguidores, publica fotos da família e de viagens a Israel, França e Flórida (onde vive o cunhado, André Valadão, 44, presidente da Lagoinha Global desde dezembro, após o afastamento de Márcio). Também posta prints dos próprios tuítes e trechos de cultos legendados de Niterói, que ocorrem num terreno gigantesco no Piratininga, área perto do mar.

Lá, Mariana canta, mas é Felippe quem prega, engajando os fiéis. "Você não pegou essa 'palavra'", diz, provocando-os. O discurso é focado na prosperidade e voltado a um público de classe média — é comum ouvir do pastor expressões como "sua empresa", "seu diploma" e "seu imóvel" durante os sermões. Às vezes, arranca risos dos fiéis ao brincar com questões de casamento, especialmente quando ele cita causos vividos junto a Mariana.

Os pastores Felippe e Mariana Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha em Niterói (RJ) - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Felippe é um homem alto e forte. No púlpito, é enérgico, do tipo que sua e não faz do suor um empecilho: durante o sermão, seca o rosto com uma toalha, esfrega o microfone respingado na camiseta, também com marcas de transpiração. A voz vibrante, rouca e ao mesmo tempo aguda, lembra as de pastores neopentecostais como os da Igreja Universal do Reino de Deus. Vez e outra cita, orgulhoso, sua origem na Trindade, bairro popular de São Gonçalo. No clã Valadão, também tomou para si a missão de levar a Lagoinha a outros cantos.

"Estou te levando no meio de um deserto, de uma desgraça, para você mudar o destino dessa terra", Felippe disse na manhã de 12 de fevereiro. "Ele nos entregou as chaves do reino. Jesus te deu a chave para mudar lugares e inaugurar estações. Pode ser lugar amaldiçoado, pode ser lugar desgraçado, pode ser lugar falido, aonde você chega, [você] inaugura um novo tempo, uma nova estação, inaugura o novo de Deus."

De repente, mergulhou num diálogo solitário. "Pastor, que coragem é essa?", perguntou a si próprio no palco, e imediatamente respondeu: "É porque eu sei que Ele me deu as chaves". "Aonde Deus mandar a gente abrir uma igreja, inauguraremos uma nova estação naquela cidade. Pode ser a pior cidade do planeta, irmão. Se Deus falar comigo 'vai', acabou. Inaugura-se uma nova estação naquele lugar."

*Procurados pelo TAB, Felippe e Mariana Valadão não retornaram os pedidos de entrevista.