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'Tia Tainá': sobrevivente de Realengo quer ser pedagoga para 'virar o jogo'

"Ela acreditou que podia mudar o mundo, então se tornou professora", diz a camiseta de Tainá Bispo, sobrevivente de Realengo; para ela, uma educação inclusiva é transformadora - Pedro Madeira
'Ela acreditou que podia mudar o mundo, então se tornou professora', diz a camiseta de Tainá Bispo, sobrevivente de Realengo; para ela, uma educação inclusiva é transformadora
Imagem: Pedro Madeira

Pedro Madeira

Colaboração para o TAB, do Rio

23/04/2023 04h01

Todo mês de abril, memórias do ataque à Escola Municipal Tasso da Silveira, de Realengo, no Rio de Janeiro, voltam à tona para Tainá Bispo. Hoje aos 27 anos, estudante de pedagogia, ela sobreviveu ao massacre que deixou 12 alunos mortos no dia 7 de abril de 2011.

Mais recentemente, ela se viu instada a tocar no assunto com o irmão mais novo, Davi, 10. Quando o garoto relatou rumores de ameaças ao colégio onde estuda, ela lhe pediu para ficar "esperto" diante de "movimentações estranhas". Há doze anos, Tainá perdeu a irmã Milena, 15, no massacre de Realengo. "Pensei: meu Deus, e se acontecer de novo?", conta.

Tainá relata que, desde então, vive os dias com diversos gatilhos, principalmente quando ouve notícias de novos atentados — segundo dados da Operação Escola Segura, divulgados pelo Ministério da Justiça nesta terça-feira (18), 1.738 casos de ameaças a escolas estão sendo investigados no Brasil. Para Tainá, as mãos formigam e a mente acelera.

"Já foi pior. Até o momento que decidi virar pedagoga para 'virar o jogo'", diz a universitária, na sala de aula que montou na garagem de sua casa, para dar aulas particulares de reforço para dez crianças da vizinhança, em Realengo. Quando o relógio marcou 12h na terça, pela rua de Tainá passaram dezenas de crianças, num burburinho rumo à escola. Da garagem, ela espiava o movimento.

"Tia Tainá" é como às vezes as crianças do bairro se referem a ela, ao tocar a campainha. "Eles são assim comigo porque é o jeito como se conversa com cada um. Eu pergunto o que aconteceu na escola, quais matérias estão gostando mais. O afeto do acolhimento traz segurança", afirma.

A três semestres de concluir o curso de pedagogia, ela atualmente dá aulas para crianças e adolescentes de até 16 anos que estão em processo de alfabetização. Também faz estágio em uma escola particular a 15 minutos de sua casa, auxiliando alunos com disciplinas como inglês e português. "Também quero mostrar que a educação te leva a lugares incríveis, como aprendi com uma professora que admirava. E que, quando surge um problema, eles podem contar comigo."

Tainá Bispo - Pedro Madeira/UOL - Pedro Madeira/UOL
Estudante de pedagogia, ela dá aulas particulares de reforço para crianças da vizinhança
Imagem: Pedro Madeira/UOL

De volta à sala de aula

Na garagem de sua casa, Tainá tenta ajudar os alunos respondendo perguntas sobre atentados com sensibilidade. Neste mês, uma garota viu uma reportagem na TV sobre Realengo e levantou a questão na aula — Tainá comentou o que aconteceu, mas desconversou nos pontos que considerou "papo de adulto".

A estudante supõe que as crianças ficam confusas com tantas informações disponíveis, a ponto de tomar atitudes equivocadas. Cita o caso de um menino que levou uma faca para se "proteger" de um possível ataque em uma escola particular do Rio, no dia 10. De acordo com o comunicado oficial do Colégio Souza Amorim, o aluno disse que levou o objeto depois de ver notícias sobre os incidentes na creche de Blumenau (SC) onde quatro crianças foram mortas no dia 5.

Procurada pelo TAB, a Secretaria de Educação do Rio não comentou o episódio, mas informou que vem monitorando casos similares em ação conjunta com outros órgãos, como a Polícia Militar. Via assessoria de imprensa, a PM disse que intensificou a patrulha escolar e reforçou o policiamento em unidades que receberam denúncias.

Enquanto caminhava até o colégio onde faz estágio, Tainá foi lembrando obstáculos que enfrentou até se encontrar como pedagoga. No ano seguinte ao atentado de Realengo, passou a tomar aulas dentro de casa, pois não conseguia ir à escola. Depois, mudou de colégio. "Sem minha irmã e meus amigos, eu me isolei", diz. Na época, tinha crises de pânico.

Ao finalizar o ensino médio, foi contratada como auxiliar administrativa no escritório de uma empresa de ônibus, onde ficou até os 18 anos. A rotina lhe ajudou a conviver com os gatilhos do trauma, mas ao mesmo tempo ela sentia que não tinha perspectiva para crescer. Por um tempo, "ali estava bom", conta. "Mas sempre fui ensinada, pelos meus pais, que a educação abre portas."

Aos poucos, viu que era pedagoga o que de fato queria ser para crescer. Ela conta que a descoberta aconteceu num dia simbólico enquanto estava dentro de uma sala de aula, substituindo uma professora: 7 de abril de 2022, onze anos depois de Realengo.

"Voltar a uma sala de aula hoje é saber que tem crianças esperando por mim e, através disso, posso mudar um pouquinho a vida de cada um", destaca. "Isso tem sido minha maior dedicação e fonte de energia, porque é algo que eu sei que eu posso. Hoje posso entrar numa sala de aula e ter a garantia que está tudo bem. Que não preciso ter medo", diz, antes de entrar na escola.

Tainá Bispo - Pedro Madeira/UOL - Pedro Madeira/UOL
A caminho do colégio onde faz estágio, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro
Imagem: Pedro Madeira/UOL