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'Álbum de suspeitos': jovem negro é inocentado de 3ª acusação injusta no RJ

3 vezes acusado injustamente por reconhecimento em "álbum de suspeitos": após audiência que o inocentou, Danillo Felix comemora junto a amigos e ativistas na frente do Fórum de Niterói (RJ) - Fabiana Batista/UOL
3 vezes acusado injustamente por reconhecimento em 'álbum de suspeitos': após audiência que o inocentou, Danillo Felix comemora junto a amigos e ativistas na frente do Fórum de Niterói (RJ)
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, de Niterói (RJ)

12/04/2023 08h18

Ao som do rapper BK', o educador negro Danillo Felix, 27, se arrumava na casa da mãe para um compromisso inadiável nesta terça-feira (11): uma audiência no Fórum de Niterói (RJ), a terceira vez em que é acusado injustamente de um crime a partir de reconhecimento fotográfico, feito com uma foto sua com a cabeça raspada, publicada no Instagram em 2017. Mais uma vez, foi inocentado.

A primeira acusação contra ele aconteceu em agosto de 2020. Enquanto andava em uma rua de Niterói, um carro branco à paisana o parou e, sem mandado, levou o jovem à delegacia, acusado de roubo de uma moto. Ele ficou preso por 55 dias. Ao vê-lo na audiência, a vítima voltou atrás e o inocentou. Entretanto, a foto dele continuou no álbum de suspeitos da Polícia.

"O prejuízo psicológico é bem maior que o material", relata ele, que fica apreensivo toda vez que vê um carro branco. "É um sentimento de impotência e medo."

Na segunda vez, em setembro de 2020, ele foi convocado a depor na delegacia e inocentado pela vítima que constatou, presencialmente, que ele também não era o autor do assalto que lhe levou carteira e celular. Foi liberado.

Na época, também foi alvo de uma terceira acusação, um roubo de uma mochila e uma aliança - desta vez, Danillo nem passou pelo reconhecimento presencial no DP: recebeu a intimação ao chegar na comunidade onde mora, em Niterói. Conta que se sentiu constrangido e, mesmo certo de sua inocência, desesperou-se novamente.

Às 11h desta terça, o educador estava tranquilo. Tomou um banho e trocou a camisa do time do coração (o Flamengo) por uma camisa social de manga curta, e o chinelo por um tênis. Às 12h30, encontrou amigos e ativistas que foram protestar a seu favor na frente do fórum.

Danillo Felix e Djeff Amadeu - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
O educador Danillo Felix e o advogado Djeff Amadeu, ao fim da audiência
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Mais de 50 casos

Na audiência, o casal que foi vítima do assalto relatou que se sentiu pressionado na delegacia para reconhecer os assaltantes a partir de um álbum de fotos — os policiais nem tinham perguntado antes as características físicas dos suspeitos.

O casal afirmou que, dois anos depois do assalto, não conseguiria reconhecer os suspeitos no tribunal. Ainda assim, a juíza pediu para tentarem identificar os acusados. Danillo não foi reconhecido como autor do crime. "Até quando vou ter de provar inocência?", indaga.

Educador do Cras (Centro de Referência em Assistência Social), Danillo sabe que não é um caso isolado.

Jovens negros como Ângelo Gustavo Pereira Nobre, João Luiz da Silva Oliveira, Raoni Lázaro Barbosa e Tiago Vianna Gomes também foram acusados injustamente a partir de falso reconhecimento por fotos de "álbum de suspeitos".

Entre 2015 e 2021, segundo a Defensoria Pública do Rio, 53 pessoas foram acusadas com base em reconhecimento fotográfico falho.

Djeff Amadeu, um dos advogados que defende Danillo, diz que a técnica do álbum com fotos de supostos infratores induz ao erro. "A vítima acaba fazendo o reconhecendo não do autor do fato, mas da pessoa da foto."

A Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio informou que "os processos criminais seguiram o trâmite processual previsto em lei sendo submetido aos princípios constitucionais com contraditório e ampla defesa". Em nota, também afirmou que a foto de Danillo não consta mais em álbuns de delegacias.

Tramita no Congresso o Projeto de Lei n. 945/2021, que busca regulamentar o reconhecimento fotográfico. A intenção é impedir prisões ou decisões judiciais condenatórias fundamentadas exclusivamente no reconhecimento realizado com fotos nos DPs do país.

Danillo Felix e Bia Sobral - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
'O prejuízo psicológico é bem maior que o material', diz o educador, junto à esposa, Bia Sobral
Imagem: Fabiana Batista/UOL