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Em Maquiné (RS), crianças 'somem' das ruas pós-prisão de família nazista

Após apreensão de materiais nazistas na casa de um adolescente de 14 anos, avenida principal da cidade de Maquiné (RS) esvaziou - Tiago Coelho/UOL
Após apreensão de materiais nazistas na casa de um adolescente de 14 anos, avenida principal da cidade de Maquiné (RS) esvaziou
Imagem: Tiago Coelho/UOL

Leonardo Catto

Colaboração para o TAB, de Maquiné (RS)

19/04/2023 04h01

É pouco provável que algum dos 6.700 habitantes de Maquiné, a 140 km de Porto Alegre, não saiba o que colocou a cidade no noticiário nacional na última semana. Após a apreensão de materiais nazistas na casa de um adolescente de 14 anos que planejava um ataque em sua escola, e a prisão dos pais, a cidade do litoral norte gaúcho está dividida entre dois sentimentos: medo e vontade de esquecer.

Marta da Silva, 59, administra a rodoviária de Maquiné. A casinha verde em que ela trabalha tem três boxes, mas quase nunca a cidade recebe mais que um ônibus por vez. Há 38 anos na função, Marta lembrou, grata, o fato de as cachoeiras do município terem sido mais procuradas no último verão. Respondeu como se falasse do tempo. Quando perguntada sobre a última semana, o semblante mudou. "A cidade ficou apavorada", resumiu.

Como a maioria das pessoas que circulavam na avenida principal de Maquiné, neste último sábado (15), Marta conhece os pais do adolescente apreendido. Ela foi a primeira a dizer à reportagem do TAB a frase "eu não esperava", repetida por toda a avenida General Osório.

O menino deve responder por ato análogo a terrorismo, apologia ao nazismo e organização criminosa — as duas últimas acusações também foram endereçadas contra os pais. A investigação chegou ao jovem de Maquiné depois da apreensão de outro adolescente no Paraná, também suspeito de planejar ataques. Os dois trocavam mensagens sobre ações em escolas nos dois estados.

A cidade tenta diluir o pavor mencionado por Marta. No sábado de sol, o movimento era intenso nos mercados e na Paróquia Santo André Avelino, que se preparava para receber um casamento no fim do dia. Uma feira ocupava o pátio ao lado da igreja.

Tudo parecia normal, fosse Maquiné uma cidade sem crianças. Em todo dia, menos de 10 foram vistas na rua — todas acompanhadas de adultos, além de uma turma de adolescentes. Muitos pais mantiveram os filhos em casa, depois de já não os terem levado à escola de quarta (12) à sexta (14), dias após a apreensão.

Igreja de Maquiné (RS) - Tiago Coelho/UOL - Tiago Coelho/UOL
Imagem: Tiago Coelho/UOL

'A vontade é esquecer logo'

O adolescente que planejava o ataque a uma escola estadual foi encaminhado para a Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo). Detido em flagrante na noite de 11 de abril, o pai foi levado à Penitenciária de Osório, a 28 km de Maquiné. A mãe, pelo mesmo motivo, foi para o Presídio Feminino de Torres, a 72 km de onde viviam.

Quem circulava mais pela cidade era o pai, que se mudou para Maquiné, saído da Inglaterra, na década de 1980. "Inglês", como é conhecido, trabalhava com impressão de placas e fachadas. Antes, trabalhara 25 anos em um dos dois postos de gasolina do centro da cidade.

O dono do estabelecimento, Nestor Alves, 66, considerava o ex-funcionário "muito educado, inteligente e sempre tranquilo". É mais um dos que afirmavam não imaginar a ligação do homem com o nazismo. "A vontade é esquecer logo. Ainda bem que não aconteceu nada", disse. A quietude do homem era um traço marcante, mas não era um comportamento questionado — "para começar, ele era inglês", justificou Nestor.

Do outro lado da avenida, atendentes de um comércio que preferiram não se identificar lamentam que "a escola esteja sob julgamento na cidade". Uma delas, S.F., é mãe de uma criança que não foi às aulas na última semana. "Não sei se não vai voltar a ser como era na pandemia", referia-se ao ensino remoto, enquanto uma colega retrucou: "Tem que voltar ao normal".

A mulher afirma que tem um toque diferente no celular para as chamadas da filha. A ligação virou alarme e ela corre para o aparelho toda vez que ouve o som. Depois da apreensão do material nazista, os boatos na cidade anunciavam até uma bomba na escola. "Quando ouvi isso, liguei para o prefeito, que disse ser mentira", conta S.F.

Segundo a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul, as aulas foram retomadas um dia após o fato e seguem normais, depois de um "acolhimento às famílias" no local, que será mantido nesta semana.

Vendinha em Maquiné (RS) - Tiago Coelho/UOL - Tiago Coelho/UOL
Imagem: Tiago Coelho/UOL

Colegas e vizinhos

Num restaurante local, um adolescente de 14 anos, identificado apenas como J.A., acompanhava um atendente no balcão. Ele era colega do menino apreendido com os materiais nazistas.

J.A. disse ter medo, mas que voltaria às aulas na segunda-feira. Ele descreveu o colega como alguém que pouco interagia. Mais tarde, em uma sorveteria próxima, um grupo de jovens que também era da turma do menino apreendido afirmou que o jovem sofria bullying e era agressivo em resposta a isso.

"Pelo menos desde o 3º ano, ele fazia desenhos com essas coisas [símbolos nazistas]. E já escreveu que ia ter massacre em banheiros da escola. Nós sempre avisamos professores", falou um deles. Outro compartilhou a preocupação da mãe: "Ela chorou com medo de que acontecesse algo comigo".

Uma operadora de caixa, cujo filho frequenta a escola, contou sentir raiva. "Não tem cabimento sair de lá [da Inglaterra] para vir para cá fazer isso", desabafou.

A família morava numa área onde acaba o asfalto e começa uma rua de terra, numa das casas altas feitas de madeira para evitar inundações do rio que fica próximo.

Ao lado da casa da família, uma vizinha falou com a reportagem do TAB. "Conheço o 'Inglês' desde criança. Nunca procedeu mal. Estão achando que eles são bandidos, criminosos. Sabemos sobre nazismo e somos pessoas 'de cor', né? Nunca sofremos nada", falou a mulher negra, que preferiu não se identificar.

Na casa em que a família vivia, uma mulher, filha de outro casamento do "Inglês", preparava roupas para levar ao pai na cadeia. Abatida, ela afirmou que não sabia de nada sobre os materiais apreendidos. Contou que o irmão era recluso. Lamentou que o caso tenha "saído na mídia desse jeito".

Maria Chaves Peres, 78, uma das vizinhas, viu da janela o momento da detenção do casal. Ela se considerava "amiga" deles, "mas cada um em sua casa".

Carmen de Freitas, 57, foi a única adulta fora da família que relatou ter conversado com o menino apreendido. A mulher disse que ele fazia desenhos com suásticas e o pai os jogava no lixo. O neto de Carmen os encontrou algumas vezes. "Coisa de criança", definiu ela.

De volta à avenida principal, homens se reuniam em frente ao restaurante com músicas que alternavam entre os hits do TikTok e sertanejos sofridos. Uma dupla de jovens tomava cerveja. Outros homens se juntavam em uma roda de conversa e cerveja na padaria, na outra esquina. Em Maquiné, quem não está assustado está distraído.

Placa em comércio de Maquiné (RS) - Tiago Coelho/UOL - Tiago Coelho/UOL
Imagem: Tiago Coelho/UOL