Topo

Iogurteira, voz trêmula e Ana Maria Braga: a vida de Aracy, da Top Therm

Aracy Wolf, garota-propaganda da iogurteira Top Therm - André Porto/UOL
Aracy Wolf, garota-propaganda da iogurteira Top Therm
Imagem: André Porto/UOL

Luciana Bugni

Colaboração para o TAB, de São Paulo

10/07/2023 04h00

A iogurteira Top Therm fica no balcão da cozinha do apartamento de Aracy, 76, e seu marido Gerhard Wolf, 81, no bairro do Morumbi, em São Paulo. A cada dois dias, os dois consomem dois litros do iogurte produzido na máquina criada por ele há mais de 30 anos. Ela é a responsável pela publicidade da marca na TV e é famosa por sua voz trêmula. "É o melhor iogurte que tem", repete.

O casal se conheceu e se casou em Presidente Venceslau, a 567 km de São Paulo, nos anos 1960. Na época, ela era professora primária na cidade - passou em segundo lugar no concurso, o que lhe deu o direito de escolher o Grupo Escolar Alfredo Marcondes Cabral, a apenas quatro quadras do centro da cidade, para lecionar. Wolf era funcionário do Banco do Brasil, mas tinha uma inquietação de querer ganhar mais dinheiro e vivia às voltas com vendas.

Decidiu largar o emprego no banco depois de conhecer um pecuarista na região — o que deixou Aracy e a cidade toda em polvorosa. "Naquela época, trabalhar em banco era tudo que as pessoas mais desejavam, pela segurança. Até os amigos dele vinham falar comigo. Mas ele queria mais."

Pouco tempo depois, o fazendeiro para quem seu marido prestava serviços morreu. A viúva afirmou que não queria mais os serviços de Wolf e ele ficou desempregado. Sem gado e sem o banco, o casal tinha de se virar com o salário de professora de Aracy para criar as filhas Ana Cristina, Eliana, Luciana e Nara. "Não tive dúvida: falei que todo mundo que ia para São Paulo ficava rico e ele também deveria ir", contou à reportagem do TAB.

Enquanto o marido se estabelecia na capital, na década de 1970, Aracy trabalhava na escola e cuidava das crianças. Wolf trabalhou como corretor de imóveis e, logo que fez a primeira venda, "usou o dinheirinho" para trazer toda a família para a capital. "Eu morria de ciúme dele sozinho aqui, lindo daquele jeito. Não via a hora de vir para São Paulo", ela confessa, afirmando que o marido "é lindão até hoje".

A mudança veio amarrada em um caminhão até um sobrado no Alto de Pinheiros. "Wolf sempre quis dar uma vida boa para a família. Não tínhamos um gato para puxar pelo rabo, mas morávamos em uma casa linda."

Instalada, correu atrás de colégios particulares para arrumar um emprego — e conseguiu ser contratada no Colégio Santa Clara, na Vila Madalena, com bolsa para as quatro filhas. Foi um jeito de respirar um pouco. "Tínhamos uma perua muito velha e levávamos as meninas para a escola nesse carro. Então chegávamos ao colégio, repleto de filhos de milionários, com o carro enferrujado, em que uma das crianças precisava ir segurando a porta para não abrir", conta Aracy, gargalhando.

Aracy Wolf, garota-propaganda de iogurteira na TV - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL

A caixa de plástico que os deixou ricos

Fazer iogurte em casa era praxe. No começo era simples, fazia-se na panela, um dos costumes herdados por Wolf de sua mãe, de família alemã. Mais tarde, compraram uma iogurteira elétrica. "Mas só tinha seis potinhos e demorava 12h horas para ficar pronto. Quando ficava, as meninas acabavam com tudo em cinco minutos. Eu pensava que deveria ter um jeito melhor de fazer iogurte em casa", ele conta.

Wolf fez protótipos de uma máquina que produzisse mais iogurtes simultaneamente e chegou a um modelo que tinha 12 potinhos de uma vez. Resolveu o problema do consumo da casa, mas queria mais. "Tem gente invejosa que diz que ele ficou rico com uma caixinha de plástico e 12 tupperwares. É verdade", ri Aracy.

O irmão de Wolf, impressionado com a máquina, sugeriu que ele começasse a vender o produto. O empresário foi até a TV Record tentar falar com a apresentadora Ana Maria Braga, que comandava o programa "Note Anote" à época. Ana se interessou pelo produto e pela história do casal e eles acabaram no palco, apresentando a iogurteira para todo o Brasil.

"Naquela época, eles não tinham ninguém cuidando do marketing da empresa. Pareciam tão dedicados, com uma história tão verdadeira... Foi o próprio Wolf quem criou a iogurteira e o produto era saborosíssimo", lembra a apresentadora à reportagem.

Ana Maria Braga chamou Gerhard e Aracy para uma visita em sua casa, para ensinar conceitos básicos de marketing. "Não fiz nada extraordinário, só tentei mostrar como funcionava um plano de marketing, porque havia feito alguns cursos relacionados ao tema quando trabalhava na Editora Abril. Nada muito mirabolante, mas, quando se tem credibilidade e se faz o produto direito, dá para crescer."

Funcionou. Três décadas depois, Aracy se comove ao falar de Ana Maria: "Para mim, é Deus no céu e Ana na Terra. Ela era uma vendedora incrível." Ana afirma que apenas ajudou no início, mas até hoje acompanha a trajetória da empresa e torce por eles. "Continuo de longe aplaudindo", revela.

Nesse início, Wolf mesmo apresentava o produto em cena, no programa. A demanda cresceu e ele teve de cuidar do outro lado do balcão, com o telemarketing e entrega para alavancar vendas. A garota-propaganda que assumiu o lugar foi a filha Ana Cristina, que fez merchans por um ano, antes de engravidar. E aí surgiu o impasse: quem faria a propaganda na TV agora? A família foi unânime: dona Aracy.

Aracy Wolf, com a iogurteira famosa que fica exposta sobre um móvel de cozinha - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Aracy Wolf, com a iogurteira que fica sobre um móvel de cozinha
Imagem: André Porto/UOL

Vamos falar de coisa boa?

A professora já havia largado o giz e quadro negro para ajudar Gerhard na administração da empresa, mas nem cogitava ficar na frente das câmeras. "Decidi fazer para provar para eles que não ia dar certo, mas deu", ela ri.

Sua primeira aparição no programa foi, segundo ela, derrubando coisas, de tão nervosa: "Não era só minha voz que tremia, era o corpo todo. Mas passou confiança... não sei o que aconteceu. Acho que a credibilidade de mãe, de avó, causava identificação nas donas de casa", tenta explicar.

O carisma da matriarca fez o produto bombar. No dia em que suas mãos tremiam em frente às câmeras, o telemarketing quase não deu conta de atender às ligações. A empresa contratada ligou para Wolf para contar que ele tinha uma mina de ouro nas mãos. "Sabia que ela era uma mina de ouro desde o dia em que casei", ele afirma, arrancando um sorriso da esposa.

Ela então teve a ideia de mostrar que era possível fazer um estrogonofe delicioso com o ingrediente, por exemplo. Inventava receitas, como pudins e bolos, sempre substituindo ingredientes por iogurte. Cada vez que ia ao programa, mostrava novos jeitos de usá-lo.

"Um dia combinei com um chef de cozinha, que fez um coquetel de camarão com iogurte. Ana Maria comia e se deliciava e esse era o grande charme. O telefone tocava o dia todo", lembra.

Bom para o cérebro

Pelo apartamento no Morumbi, onde moram provisoriamente enquanto fazem uma obra na residência oficial, na Vila Nova Conceição, os livros ficam espalhados pelos cômodos. "Vou deixando por aí quando termino, mas esse aqui, por exemplo, é para ler de uma tacada só", diz ele sobre um exemplar de "Um café com Sêneca: um guia estoico sobre a arte de viver", de David Fideler, que está na mesa de centro da sala de estar.

Aracy e Gerhard Wolf, o casal da iogurteira Top Therm - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Aracy e Gerhard Wolf, o casal da iogurteira Top Therm
Imagem: André Porto/UOL

Todo esse interesse rendeu uma nova obsessão há mais de 10 anos - o ômega 3. "Ninguém falava disso na época, mas ele leu o livro de um médico que defendia o produto. E decidiu vender", ela diz. Meses depois, o suplemento virou febre. "Wolf teve faro. Quanto mais a mídia falava, mais vendia. Hoje, o carro-chefe da empresa são suplementos", revela.

Chris Flores, que divide os merchans da Top Therm com Aracy atualmente no "Fofocalizando", no SBT, afirma que tudo o que se vê nas propagandas que eles fazem é genuíno. "Quando ela diz que foi para a Noruega saber mais sobre o Ômega 3, é porque realmente foi. Eles são de uma gentileza absurda. E uma simplicidade... Ninguém imagina que ela é umas das maiores patrocinadoras da emissora. Chega no estúdio e cumprimenta todo mundo, traz chocolates, escreve bilhetinhos, pergunta como as pessoas estão. Mesmo a questão da voz, que é a marca registrada dela, virou um meme e ela abraçou isso com carinho", conta.

Aracy faz ginástica quase todos os dias e, às vezes, faz a própria escova e maquiagem. Com sete netos, não economiza elogios à prole. No fim de 2022, levou todos, com agregados, para Berlim. A próxima viagem é para a Itália com a turma. Nara e Luciana moram nos EUA; Ana Cristina, em Fortaleza; e Eliana, em São Sebastião (SP). O casal fica em São Paulo.

"A sorte é que a gente se dá muito bem. Estamos calminhos, em casa, à tarde jogamos baralho e eu ganho bastante dele", conta Aracy, com um sorriso malicioso. Wolf corrige depois: "Ela rouba bastante". Ambos gargalham.

A rotina do casal também inclui uma agenda de restaurantes três a quatro vezes por semana e bons vinhos. À noite, o programa pode ser um cinema. Ambos gostam de ler: Aracy acaba de ler a história do Príncipe Harry e diz que ama biografias ("adoro fofoca de reis").
Hoje, ela, que já esteve em diversos canais de TV, optou por ficar só no SBT. "Precisa ser amiga da dona de casa, parceira, confiável para estar há tantos anos vendendo o que ela vende. O entendimento é que não precisa mudar para agradar os outros", reflete Chris Flores.

Não mudar inclui recusar uma proposta para fazer uma cirurgia para alterar sua voz. "Por que ela faria isso, se é a marca dela?", indaga Wolf.

"Não me incomoda, todo mundo brinca com minha voz. Já gravo até vídeo brincando com as imitações. É aquela história: tudo que se acha ruim, é pior. Eu mando ômega 3 para o pessoal que me imita", afirma.

No fim da conversa, garante que ninguém nunca vai experimentar um iogurte tão gostoso quanto o feito pela sua máquina. "É maravilhoso. Eu sou viciada", diz, oferecendo uma taça da iguaria. O merchan da vida real funciona também.