Conselhão de Lula vai debater cogumelos mágicos; o que se sabe sobre o uso
Os cogumelos psicodélicos, também chamados de "mágicos", andam mais populares do que nunca. Até o Conselhão do presidente Lula já o incluiu como tema de debate nos próximos meses.
A proposta partiu de Patrícia Villela Marino, presidente da ONG Humanitas 360, que integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, reativado pelo presidente Lula. A proposta recebeu apoio de duas dezenas de integrantes do Conselhão, entre eles Priscila Fonseca da Cruz (presidente-executiva do Todos pela Educação), Neca Setubal (socióloga, banqueira e acionista do Itaú) e o ex-ministro Nelson Jobim.
A ideia é debater incongruências das abordagens que o estado brasileiro tem sobre drogas como álcool, tabaco, cannabis e psicodélicos, como a psilocibina (presente nos "cogumelos mágicos").
"Enquanto as primeiras, que não trazem nenhum tipo de benefício à saúde, são socialmente aceitas, têm venda e publicidade liberadas e geram impostos, as últimas, apesar de seus benefícios à saúde física e mental comprovados por milhares de estudos científicos, são proibidas", argumenta o texto da proposta a qual a reportagem teve acesso.
"É preciso destravar o nó que impede o país de aferir os benefícios econômicos da cannabis e outras drogas, que nos EUA já movimentam bilhões de dólares na economia formal todos os anos", argumenta Patrícia Villela Marino.
O documento apresentado por ela busca amparo em dados como o elevado número de condenações por porte de drogas proibidas -- cerca de 70% da população carcerária do país. O texto cita ainda entraves à ciência. "No caso dos psicodélicos, mesmo as pesquisas científicas mais rigorosas sofrem seríssimas restrições em território nacional."
"A dinâmica de trabalho será definida pelos conselheiros, mas deve incluir videochamadas semanais, debates e palestras presenciais e virtuais de especialistas", explica Ricardo Anderáos, diretor-executivo do PDR Fundo Filantrópico e assessor de Patrícia no Conselhão.
A proposta prevê entregar um relatório final ao presidente Lula, ao final dos quatro meses de debate, com propostas de alteração da Lei de Drogas, normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e políticas públicas.
Um dos pontos em destaque é a reclassificação de algumas substâncias psicotrópicas, como a psilocibina, com objetivo de criar um mercado para o uso medicinal dessas substâncias.
Zona nebulosa
Há cada vez mais investigação científica séria a respeito dos benefícios dos psicodélicos à saúde, mas o desconhecimento e a desinformação em torno dessas substâncias ainda é grande, até mesmo nos meios médico e científico. Por isso, também há um temor de que os impactos da atual confusão no mercado brasileiro dos "cogumelos mágicos", marcada por prisões, ameaças e troca de acusações, possam nublar um cenário já bastante complexo.
É difícil cravar o lugar ocupado pelos fungos da espécie Psilocybe cubensis no ordenamento jurídico do país. O cultivo do cogumelo em si não é proibido, mas ele contém substâncias que são. Entretanto, pessoas de diferentes perfis, com ou sem problemas de saúde, buscam o produto embaladas por um entusiasmo mundial, propagado por canais de YouTube e redes sociais.
A pergunta que fica é: será que ciência e política podem mesmo abrir caminho para os cogumelos mágicos?
Quem saiu na frente
Uma sinalização positiva vem da Austrália. Por lá, desde o início de julho está autorizada a prescrição médica de psilocibina e de MDMA para tratar condições psiquiátricas, incluindo depressão e transtorno de estresse pós-traumático.
A decisão que tornou o país o primeiro do mundo a reconhecer oficialmente esses psicodélicos como medicamentos pode resolver um gargalo de acesso à psilocibina para tratamentos médicos aqui no Brasil, avalia o advogado Emílio Figueiredo, da Rede Reforma e do Figueiredo, Nemer e Sanches Advocacia Insurgente.
De acordo com o advogado, para se obter um tratamento de saúde via Judiciário é necessário ter uma fonte lícita do medicamento que será usado. "Com essa nova disposição na Austrália, de permissão da prescrição e de fornecimento regular, é possível que pacientes no Brasil consigam acesso à psilocibina."
O advogado acredita que o acesso à psilocibina pode repetir a trajetória da cannabis medicinal no Brasil, mas para seguir por esse caminho será preciso mostrar que doentes deixaram de sofrer a partir do uso. "Isso sensibiliza o poder público e a sociedade."
Sobre isso, o maior estudo já realizado envolveu 233 participantes, de várias partes do mundo, diagnosticados com depressão resistente ao tratamento. Os resultados foram divulgados em 2022 na revista científica mais influente do planeta, a The New England Journal of Medicine.
O ensaio clínico, em fase dois (que investiga a segurança de se usar num público-alvo específico, no curto prazo, e a eficácia do uso) foi realizado pela empresa britânica Compass Pathways. Entre os resultados, constatou-se que uma única dose de 25 mg de psilocibina pode reduzir sintomas depressivos.
Pesquisas no Brasil
Além de tratar depressão grave, outras condições de saúde estão sendo testadas com psilocibina, inclusive no Brasil. Em São Paulo, pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) estão recrutando participantes para um estudo que pretende avaliar a eficácia dos "cogumelos mágicos" no tratamento do tabagismo.
O estudo clínico que será realizado no segundo semestre deste ano é realizado pelo Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes). Vinculado ao departamento de psiquiatria da universidade, o serviço público atende há 35 anos pessoas com transtornos por uso de substâncias.
"O protocolo de pesquisa é composto por até doze sessões, sendo duas delas com a administração dos cogumelos, que deverão ocorrer em um intervalo de um mês entre elas", explica o biomédico Renato Filev, coordenador do estudo.
Outras duas pesquisas com psilocibina foram anunciadas em 2022 pelo Instituto Alma Viva da Biocase Brasil. Uma delas avalia e testa a potência do psicodélico para uso final em pacientes no Brasil.
Realizada em parceria com o Certbio (Laboratório de Avaliação e Desenvolvimento de Biomateriais do Nordeste), da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba), a pesquisa está perto de avançar para uma próxima etapa, segundo o diretor científico do instituto Alma Viva, o médico Cesar Camara.
Pesquisadores finalizam um dossiê que será apresentado à Anvisa. A ideia, segundo ele, é solicitar uma nova autorização para realização de estudo clínico fase um (grupo pequeno de voluntários para estabelecer tolerância à substância e a segurança) de psilocibina.
O instituto havia também anunciado que realizaria este ano uma pesquisa clínica fase dois para avaliar a psilocibina no tratamento do sofrimento psicológico e existencial em cuidados paliativos de pacientes com câncer — protocolo semelhante ao que pesquisadores da universidade norte-americana Johns Hopkins realizaram, com bons resultados. Mas este estudo ainda não tem data para começar. O motivo, segundo a empresa, é a falta de uma regulação específica no Brasil.
Uma alternativa, segundo Camara, seria buscar uma regulação que torne o cogumelo Psilocybe Cubensis uma " droga vegetal", que permitiria a produção em centros cadastrados pela indústria de fitoterapicos ou fármacos, como já acontece com algumas outras substâncias. "Este pode ser um caminho mais adequado para avançarmos em segurança científica e regulatória."
Liberação avança nos EUA
No estado de Oregon (EUA), desde janeiro, o uso de cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, desidratados ou em cápsulas, está liberado para maiores de 21 anos, sem necessidade de prescrição médica. A oferta ocorre em centros credenciados pelo governo estadual — os facilitadores não precisam ser médicos ou psicólogos.
No final de 2022, outro estado norte-americano regulamentou o uso de cogumelos psicodélicos. A partir de junho de 2026, será permitido o acesso para adultos também no Colorado.
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