Seu Barriga grava na Globo e é tietado por Marco Luque e Gaby Amarantos
Se você encontrar Seu Barriga na tela da Globo dentro de alguns meses, atenção, não será engano. É ele mesmo na TV da família Marinho. Com muitos quilos a menos que a imagem consagrada pelo clássico personagem do "Chaves", seriado mexicano eternizado no Brasil pelo SBT, o sujeito que inferniza seus inquilinos para cobrar o aluguel fará pela primeira vez parte do elenco de uma série no país.
Coprodução da Globo com o Multishow, "No Corre" vai ao ar pela TV aberta e pelo canal pago, com previsão de estreia para novembro. O enredo, criação de José Francisco Tapajós com direção geral de Calvito Leal e Duda Vaisman, é sobre um grupo de motoboys que trabalha num centro de distribuição colado a um restaurante que atende via delivery, na Mooca, em São Paulo.
O cenário tem até um ou outro ângulo que remete àquela vilinha do Chaves. Só falta o barril que abrigava Roberto Bolaños. E quem seria o proprietário do terreno aí citado na zona leste de São Paulo? Quem? Quem? Um mexicano de nome Manolo, genérico de Seu Barriga, interpretado pelo próprio Édgar Vivar.
Oportunidades
O comediante se sente aprisionado pelo personagem? Pelo contrário. "Não me incomoda, não, porque sempre tenho oportunidade de também fazer outras coisas", diz ele à reportagem do TAB, enquanto se submete aos primeiros testes de maquiagem e figurino.
O inconfundível terno que mantém o casaco fechado apenas por um botão foi provado um dia antes de começarem as gravações, quando o ator mexicano de 74 anos chegou ao estúdio da produção em São Paulo. O espaço fica no maior e mais conhecido complexo do ramo na Vila Leopoldina, bairro paulistano que se firmou como point do audiovisual na cidade.
Vivar pousou em solo brasileiro apenas dois dias antes de iniciar o expediente, naquela que está entre a sua 20ª ou 25ª visita ao país: "Perdi a conta de quantas vezes estive aqui", confessa ele, que se hospedou do outro lado da cidade, na vizinhança do Brooklin.
Quando aterrissou no set, para sua surpresa, as gravações já tinham um mês de trabalho realizado. "É como subir num trem em movimento", resumiu, lembrando-se de um ritmo semelhante durante o expediente de "Orfanato", longa-metragem produzido pelo premiado Guilherme Del Toro, em 2007, do qual também participou.
"Anedoticamente, Manolo segue sendo o mesmo personagem, em uma situação diferente. É disso que se trata a comédia de situação", define Vivar.
Chavões de Chaves
Embora seja mencionado o tempo todo, o ator estará em cena apenas em quatro dos 20 episódios de "No Corre", tratada por ele como sua primeira série no Brasil. Antes, havia gravado breve participação no "Vai que Cola", outra sitcom criada pelo canal Multishow: uma homenagem a "Chaves", em que também vestiu o figurino do pequeno Nhonho.
Mesmo antes de se apresentar no set, Vivar já se fazia notar, de modo que a demora apenas alimentou expectativas por sua chegada. Além das referências ao cenário do seriado mexicano, o texto também faz uso dos chavões de "Chaves", com perdão pelo jogo de palavras.
"Quem poderá nos salvar?", dirá, em dado momento, Jackson Faive, o conhecido motoboy vivido por Marco Luque, que estrela a série, ao lado de Luciana Paes, Gaby Amarantos, Érico Brás, Bruna Braga, Sergio Maracujá, Johny Klein e Tardelly Lima.
Também aquecidos pela expectativa de sua presença, os fãs não perdem a chance de comparecer à plateia presencial fantasiados como Chaves ou Chapolim.
Mesmo sendo sucesso em outros países latinos e em alguns europeus, dada a universalidade de seu enredo, "Chaves" encontra no Brasil um público especialmente obcecado pela série — o que Vivar atribui ao tamanho do país e à persistência do SBT, que reprisou seus episódios por décadas a fio.
Ícone geek
Desde julho de 2020, o programa está fora do ar por uma divergência entre a Televisa, produtora do seriado, e o Grupo Chespirito, controlado pelo filho de Bolaños, Roberto Gómez Fernandéz, que administra o legado do pai.
Como integrante do elenco que mais veio ao Brasil, Vivar sabe que é natural ser perseguido por cosplays de toda ordem por aqui, principalmente durante as suas visitas à CCXP, feira de geeks realizada em São Paulo.
Na última vez em que esteve presente, em dezembro, o mexicano anunciou que pretendia reduzir o ritmo de viagens e ficar mais quietinho no México, onde mora, a serviço do cinema e da TV local, com preferência para projetos na telona.
"Cinema é mais tranquilo", disse à reportagem, ainda na sala de maquiagem, onde havia acabado de conhecer um dos grandes galãs da TV brasileira, Francisco Cuoco, 89. "Muito simpático, ele", atestou Cuoco, que não terá a oportunidade de contracenar com Vivár. O brasileiro participa apenas de um episódio de "No Corre".
Tentada com a presença de dois ícones da telinha no mesmo ambiente, a reportagem se conteve para não fotografar os dois juntos, atendendo às combinações impostas pelo Multishow e pela Fábrica, produtora da série, que só autorizou nossa presença no local sob a condição de não fazer imagens de nada, do set aos bastidores. Pena.
Só a equipe da produção da série estava autorizada a fotografar. Animadores responsáveis por manter a plateia presente aquecida também tentavam conter a fúria dos fãs por fotos e vídeos das gravações. "Por favor, mantenham o celular desligado", pediam.
Mas não houve como evitar o vazamento de alguns vídeos e imagens entre grupos de fãs no Instagram.
João Victor Trascastro, do Fórum Chaves, tratou de atualizar seu retrato ao lado do ator ainda no hotel onde ele se hospedou. Aos 24 anos, ele já esteve com Vivar em outras ocasiões e foi um dos consultores do musical e do "Circo de Chaves". Agora, viajou 350 quilômetros, de Novo Horizonte a São Paulo, para rever seu ídolo.
'Seriado sem preto'
O elenco da nova série tampouco resistiu a fotos e vídeos com Vivar. "Assistia tanto 'Chaves', que eu sabia todas as falas de todos os episódios e repetia", conta Gaby Amarantos, que realiza com "No Corre" sua primeira comédia. "No Pará não tem favela, mas eu morava na periferia, e não podia brincar na rua por causa da violência. Então brincava de quê? De Chiquinha, de Chaves", lembra.
"Acho que tem umas três ou quatro gerações de 'Chaves', né?", arrisca Luciana Paes. Ali está um grupo quase todo formado por atores que, apesar de diferentes idades, cresceram construindo uma memória afetiva da infância apegada ao pobre morador de uma vila mexicana, personagem que poderia estar em qualquer lugar do mundo.
A exceção no cast é Érico Brás. Embora conheça a fama do seriado e respeite sua trajetória, o ator baiano conta que não tem uma memória de infância do programa, porque não se via representado ali. "Conheço o sucesso, claro, porque realmente o SBT passava várias vezes ao dia, conheço os personagens, os atores, mas não tenho essa relação afetiva com Chaves, porque sempre me chamou a atenção o fato de não ter preto no Chaves", lembra.
"Como eu sou uma pessoa que vem do movimento negro desde criança, eu não me via ali, assim como eu não me via em diversas coisas. Eu venho de uma infância bem ativista mesmo. Meu pai é um dos fundadores do Ileayê, em Salvador. O teatro que eu comecei a fazer já era de movimento negro, a gente já tinha aquele negócio 'onde não me vejo não assisto'."
Diferentemente de Brás, Gaby nota que não tinha essa percepção. "O meu despertar em relação à questão racial veio muito muito tempo depois", diz.
Pouco depois dessa conversa, Brás e Vivar se encontram no set e dão um show. A plateia se rende às gargalhadas diante do invejável domínio dos dois sobre o que chamam de "timing", o tempo de comédia. É qualquer coisa nem sempre possível de se ensinar. Pode até se aperfeiçoar com o tempo de experiência — mas ou se tem, ou não se tem.
É justamente Brás o dono do restaurante cujo imóvel pertence ao segundo. Ao ser cobrado pelo aluguel, Brás dirá que vem enfrentando dificuldade, mas o desmiolado Jackson Faive dirá que o estabelecimento está "bombando", é "top" na Mooca. E Manolo sorri, entusiasmado com a oportunidade de aumentar o aluguel a ser cobrado ou de vender a propriedade.
Para a sorte das novas gerações, o estranhamento que Brás tinha de "Chaves" quando criança não estará em "No Corre", formado por atores de cores e sotaques distintos.
Timing e simplicidade
De fala mansa, rosto esguio e gestos comedidos, Edgár Vivar prima pela voz grave. Fala firme, mas baixinho. Sabe exatamente em que momento e tom fazer sua intervenção em cena, de modo que parece muito simples mas nada simplório.
Os diálogos curtos, mas precisos, favorecem o talento.
Não ignora que o físico roliço de Seu Barriga, a começar pelo apelido do personagem, hoje seria considerado indício de gordofobia. Mas desde 2008 livrou-se de outro preconceito: o de que comediante gordo perde a graça quando emagrece. Vivar deixou 86 Kg para trás após uma cirurgia bariátrica mas segue fazendo rir.
Tampouco se priva das boas ofertas à mesa, uma de suas diversões ao visitar o Brasil. À clássica pergunta sobre o que mais gosta de comer aqui, cita a coxinha de frango antes de qualquer coisa — mas é feliz também com churrasco e feijoada. Também ama a música brasileira. Ouve Caetano, Maria Creuza e Elis.
Questionado sobre o que pensa da greve de atores em Hollywood, é enfático no apoio à mudança de critérios sobre direitos de imagem e royalties devidos a atores pela exibição no streaming, ainda mais tendo estrelado uma produção reprisada à exaustão em tantos países.
No caso de "Chaves" e "Chapolim", os ganhos vinham por "blocos" e não por países, ele explica, e muito menos por número de exibição, como reivindicam hoje os atores da indústria americana. "América do Sul era um bloco só, não importa que tenha 13 países. América Central, a mesma coisa. Europa era um bloco só", cita.
Com tanto sucesso, foi possível ficar milionário? Longe disso. "Ganhei mais do que pensava, mas menos do que acham que eu ganhei", diz.
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