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Na Copa do Condado, faria limers sentem saudades do 'craque' Paulo Guedes

Guilherme Lobianco é um craque. Ao menos, assim seus pares o consideram. E não há nada pior para um jogador decisivo do que ficar de fora de uma partida importante. "Tive uma fratura no tornozelo e lesionei o ligamento jogando tênis. Se tudo der certo, volto daqui seis semanas e ainda pego o último jogo da fase de grupos", diz o jogador, tentando demonstrar otimismo.

Por enquanto, resta a torcer para que o time volte a vencer. É tarde de sábado (5) e a XP Corretora entra em campo precisando do resultado. A equipe é a atual campeã da Copa do Condado — competição que reúne times de várias empresas do mercado financeiro —, mas perdeu a partida de estreia por 5 a 3. "Também perdemos o primeiro jogo no campeonato passado. Temos mais sete pela frente e acho que no final vai dar bom", especula o carioca Lobianco, 32, craque também na disputada área comercial da XP.

Neste caso, ele fez uma boa avaliação de risco: sua previsão começou a se concretizar com a vitória da XP sobre a Porto Asset por 4 a 1. Os detentores do título dominaram o adversário do começo ao fim, jogando no ataque e com a segurança de Maurício Alves, um zagueiro tão duro de enfrentar quanto os defensores da política de juros do Banco Central.

Na concentração, o beque Maurício e o atacante Guilherme, estrelas da XP Corretora, atual campeã do torneio
Na concentração, o beque Maurício e o atacante Guilherme, estrelas da XP Corretora, atual campeã do torneio Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Estilo Rockgol

"Copa do Condado" é o nome do torneio que reúne a nata do mercado financeiro. "Condado" é a sugestiva maneira como os jovens corretores chamam a região da Faria Lima, em São Paulo, e seu entorno. Em sua 3ª edição, o campeonato começou com 40 equipes masculinas e será decidido ao longo de três meses. A inscrição para os times femininos ainda está aberta e a expectativa é de que oito deles entrem em campo. Disputam o título desde portentos do mundo financeiro como XP, Safra, BTG, Credit Suisse e Bloomberg até corretoras menores.

As partidas acontecem em uma arena de futebol society na Vila Leopoldina, zona oeste da cidade. Não são meras peladas marcadas por WhatsApp. Os times contam com o apoio institucional das empresas e alguns têm até comissão técnica. Todos os duelos são transmitidos ao vivo pelo YouTube, com direito a narrador e comentarista no estilo Rockgol — o campeonato entre músicos organizado pela MTV que marcou o início dos anos 2000.

A narração é recheada de trocadilhos e piadas, como dizer que o jogador de sobrenome Carneiro "estava contando carneirinhos" ao perder o gol. Além da equipe de YouTube, o evento conta com um site que agrega todas as informações, números e programação das partidas.

No mais, a Copa dos "faria limers" não difere muito de um bom campeonato de society. Não tem gente jogando de colete ou sapatênis. E a plateia acompanha tudo tomando cerveja — comum, não artesanal —, fumando um vape e berrando com a cara grudada no alambrado. No domingo de abertura, dia 30 de julho, duas tendas serviam churrasquinho completo para os mais esfomeados.

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A euforia aqui é com o gol, não com o atual momento positivo da economia brasileira
A euforia aqui é com o gol, não com o atual momento positivo da economia brasileira Imagem: Divulgação

Nostalgia do 'craque'

É um ambiente em que todos só querem falar de futebol, certo? Nem tanto. Os valorosos representantes do mercado financeiro nacional não se furtam a falar das grandes questões econômicas do país, mesmo vestindo meiões e chuteiras.

A reportagem do TAB perguntou aos jogadores quem batia um bolão: o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, ou o atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A expectativa de uma disputa acirrada não se confirmou: o baixinho calvo que não gosta de empregadas domésticas na Disney e já chamou a primeira-dama francesa de feia ganhou de goleada.

"Sem dúvida, Paulo Guedes bate bola melhor que Haddad. A gente vê a trajetória da economia. O Brasil saiu na frente de todo mundo na questão do ajuste de juros. Agora está cortando [os juros] e levando a inflação ao centro da meta", defende Marcio Realba, goleiro da equipe da StoneX.

Para Gabriel Brasão, também da StoneX, Guedes e Haddad são "jogadores de perfis diferentes". "O Paulo Guedes seria um jogador mais pra frente, enquanto o Haddad seria um cara mais paradão", resume. Uma crítica curiosa se levarmos em conta que, em apenas sete meses de governo, o atual ministro da Fazenda já emplacou o novo arcabouço fiscal e uma reforma a tributária aguardada há décadas. Mas cabeça do torcedor, só ele mesmo entende.

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"O Paulo Gudes é o Cristiano Ronaldo e o Haddad... nem sei dizer quem seria", riu Diogo Ruiz, da Rabobank. Ele admite, porém, que a nova contratação de Lula vem se saindo melhor que o esperado. Sobre as previsões apocalípticas feitas por colegas da Faria Lima, Diogo pondera que "o Congresso ajudou o governo a não fazer tanta burrada, colocou um freio".

Atrás do alambrado, gritos da torcida, cerveja comum e baforadas de vape
Atrás do alambrado, gritos da torcida, cerveja comum e baforadas de vape Imagem: Divulgação

Jogo jogado

Já em se tratando do "Posto Ipiranga" do governo anterior, nem num assado de boleiros argentinos se ouviria opiniões tão unânimes. E nem adianta apresentar estatísticas de jogo, segundo as quais no governo anterior o Brasil enfrentou recordes de inflação não registrados desde a implantação do Plano Real, o número de brasileiros na extrema pobreza disparou 48% só em 2021, e o crescimento acumulado do PIB brasileiro de 2020 a 2022 ficou abaixo do registrado por outros 96 países, de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Tampouco se estranha ali — é jogo jogado, como se diz — a descoberta de uma conta offshore do ex-ministro de Bolsonaro, com quase US$ 10 milhões de dólares: o que, em termos de conflito de interesse, seria o mesmo que um jogador de um grande clube de futebol ser dono também de uma casa de apostas.

O goleiro Ernesto Kabashima, da Jive Investimentos, prefere Guedes à Haddad, mas concede que o atual ministro está 'numa direção boa'
O goleiro Ernesto Kabashima, da Jive Investimentos, prefere Guedes à Haddad, mas concede que o atual ministro está 'numa direção boa' Imagem: Daniel Lisboa/UOL
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Falta entrosamento

Menos taxativo em suas análises é o goleiro Ernesto Kabashima, da Jive Investimentos. Bem-humorado, ele diz que os faria limers são melhores cuidando do dinheiro dos outros do que jogando bola. Também prefere Guedes à Haddad, mas acha que o ex-prefeito que obteve grau de investimento para a cidade de São Paulo "está vindo numa direção boa".

"O governo Lula precisa de mais articulação no Congresso que o Bolsonaro", avalia Kabashima. "O Lula vinha de um discurso mais paz e amor nos outros governos. Dessa vez, no começo não foi tanto assim, o que assustou". Se no final do mandato Haddad pode ser consagrado craque do jogo ele não sabe: "É muito cedo."

Avaliação diferente faz Leonardo Surita, da StoneX, que podia ser um adepto da célegre Igreja Maradonista argentina tal a devoção pelo seu ídolo: "Paulo Guedes é um camisa 9. Marca gols. Faz hat trick [expressão usada quando um jogador faz três gols na mesma partida]. O Fernando Haddad nem sabe o que é economia."

Para Surita, "ele está se saindo muito mal, está patinando. A inflação está caindo porque o Campos Neto [presidente do Banco Central] está fazendo um ótimo trabalho", garante.

Confraternização sim, mas fora de campo e das mesas de operação das corretoras
Confraternização sim, mas fora de campo e das mesas de operação das corretoras Imagem: Divulgação
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Fair play e pouca camaradagem

É preciso admitir que os faria limers são jogadores razoavelmente disciplinados. Fora um cartão amarelo ou outro, a reportagem não presenciou lances mais duros ou brigas durante as partidas. Um clima de camaradagem que pode mudar na fase eliminatória. "O clima vai ficando mais tenso com o andar do campeonato", avisa Guilherme Lobianco.

"Ano passado, teve umas confusões. Jogamos contra a EQI nas oitavas de final, por exemplo. E a EQI era um escritório afiliado à XP que foi para o BTG. Essas questões de mercado acabam sendo levadas para dentro de campo", admite.

"A camaradagem fica fora de campo. Dentro de campo, todo mundo quer ganhar", confirma Henrique Sato. Ele marcou de cabeça um dos gols da XP contra a Porto Asset. Mas o que é mais fácil, protagonizar um lance desses ou o Campos Neto baixar os juros? "Olha, acho que dava tempo pra fazer mais uns três gols de cabeça", brinca Sato, em referência à cabeça dura do presidente do BC no que diz respeito à taxa Selic.

Na segunda rodada da copa, porém, a inflação foi de gols: foram exatos 233 gols em 32 partidas, média superior a sete por jogo. A maior goleada foi o 10 a 0 do gigante bancário Safra sobre a enxuta fintech Nelogica. O artilheiro até agora é Gabriel Antunes, da Macam Asset, com 6 tentos marcados. A fase classificatória vai até 5 de outubro, os jogos eliminatórios começam dia 9 e a grande final será dia no dia 28.

"Estamos buscando patrocinadores para premiar os campeões, artilheiros e melhores jogadores", conta Lucas Zanardo, um dos produtores do evento. As chances são boas, levando em conta que lábia não falta ali. A finalíssima da última edição contou com o apoio da BMW. Alvos foram colocados nos ângulos das traves e quem os acertasse mais vezes, ficava com um carro da marca para passear durante o final de semana. Lobianco foi o vencedor.

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"Levando em conta que a primeira edição teve sete times e durou só um dia, foi praticamente uma brincadeira. Agora, chegamos a ter mais de 60 times na lista de espera", exalta, com discurso de empreendedor, Thiago Salomão, o idealizador da Copa do Condado. Para ele, o grande feito da competição é desarmar a rivalidade entre torcidas. "Conseguimos juntar empresas que jamais estariam juntas no mesmo evento, como XP e BTG. Elas não estariam na mesma mesa de jantar, mas estão aqui jogando com a gente."

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