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Hit no TikTok, casarão no RN é 'assombrado' por passado de engenho e prisão

A 27 km de Natal, uma escola agrícola de Macaíba abriga um dos três únicos baobás do Rio Grande do Norte. Baobá é uma árvore imponente de raiz africana - para abraçá-la, é preciso ao menos dez pessoas. Não vinga em qualquer canto.

"E aí a gente pensa: como diabos um baobá chegou nesse terreno? Opa, ele indica que ali teve uma presença negra", diz Maiara Gonçalves, 35, que dá aulas de história na EAJ (Escola Agrícola de Jundiaí), um campus da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) com estudantes de ensino técnico, graduação e pós-graduação.

Nos últimos tempos, os alunos têm pensado mais sobre o baobá — mais precisamente, sobre os negros escravizados que teriam passado pelo terreno de 30 mil m² da EAJ.

Isso porque a estudante Tayane Francisca, 19, viralizou no TikTok ao mostrar um cartaz afixado no mural de um dos corredores do colégio que alertava para "cuidados" diante de quem se pode trombar à noite: os fantasmas do casarão.

"Pode parecer que você está sendo observado. Você está, mas não se preocupe", dizia um recado. "Não preste atenção no zumbido vindo das árvores, elas estão de luto", outra frase alertava.

A EAJ contempla, entre outras construções, um casarão construído no século 16, o Engenho Jundiaí — um engenho de açúcar do Brasil colonial.

Tem até hoje estábulos para cavalos e bois, onde se concentram os estudantes do curso técnico de veterinária. Tem um sobrado, a Casa Grande, como era conhecida à época, e uma capela de arquitetura neoclássica, datada de fins do século 19, que hoje é pouco utilizada.

Tem também histórias de assombrações, barulhos de correntes e vultos misteriosos.

A estudante Tayane Francisca, 19, em frente ao sobrado de Macaíba
A estudante Tayane Francisca, 19, em frente ao sobrado de Macaíba Imagem: Valcidney Soares/UOL
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'Memórias tristes'

Ninguém assumiu a autoria do cartaz que Tayane divulgou no TikTok. Não foi iniciativa da direção da EAJ, segundo o TAB apurou.

Até onde se sabe, foi uma brincadeira de um estudante, mas inspirado num rumor antigo: por lá o sobrenatural foi conquistando terreno ao longo dos anos a ponto de instigar alunos, docentes e funcionários.

Tayane, a autora do viral, diz que seguranças e alunos já viram "um senhor com um chapéu fumando cigarro na escada do sobrado": "Ele ficava olhando e depois de um tempo desaparecia".

Fosse qualquer casarão, talvez o rumor de fantasmas não se alastraria.

Entretanto, antes de abrigar cerca de 1.500 alunos, o terreno da EAJ já foi engenho (onde escravizados teriam trabalhado à força) e prisão (para imigrantes italianos e alemães durante a Segunda Guerra Mundial). Macaíba, a cidade onde está a EAJ, também abriga indígenas Tapará, do povo Tapuia Tarairiú, que também foram massacrados no Brasil colonial.

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Em outras palavras, sangue correu ali — sangue de africanos, indígenas e imigrantes.

Maiara, a historiadora, considera que a cidadezinha de cerca de 80 mil habitantes tem uma história que até hoje não foi explorada. "Assombração nunca vi, mas de fato é um local que coleciona memórias tristes", diz.

Alegres, também, pondera. "Todo ano a escola agrícola faz a festa dos ex-alunos, onde todo mundo vai." Segundo Maiara, é um momento importante de confraternização dos antigos estudantes potiguares.

De engenho a campus

Antes de hitar no TikTok, o terreno onde fica a EAJ passou por três fases.

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Primeiro, foi um engenho de açúcar. Depois, foi a Fazenda Jundiaí, em 1909, onde se cultivava também arroz, algodão, milho e videiras.

Em 1949, tornou-se Escola Prática de Agricultura, a que abrigou uma colônia de suspeitos de atentar contra a segurança nacional — os prisioneiros eram principalmente italianos e alemães.

Entre os detentos estaria Richard Burgers, um alemão radicado em Natal, preso no porão do sobrado em 1942, conta a historiadora Ermínia Nascimento, 72, hoje técnica administrativa da EAJ.

O porão está desativado, ainda que tenha uma janela com grades expostas à vista de qualquer um que passe por lá.

Lá dentro, um depósito, há muita poeira e troféus antigos.

Foi nos tempos da "colônia penal", um eufemismo para as prisões na Segunda Guerra, que a escola agrícola tal como se conhece hoje foi erguida. Os presos, diz Maiara, construíram alguns dos primeiros prédios.

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Em 1967, o endereço virou uma unidade da UFRN.

Grupo de estudantes conversando na escada do casarão
Grupo de estudantes conversando na escada do casarão Imagem: Valcidney Soares/UOL

'É tudo presepada'

Desde que os millennials começaram a chegar ao campus, as histórias de fantasmas não só não arrefeceram, mas bombaram.

Arianne Beatriz, 19, que estuda agropecuária e mora na residência feminina dentro da escola agrícola, não quer arriscar: até água benta ela diz já ter jogado dentro do quarto para se proteger de possíveis assombrações.

"Não saio da residência à noite porque tenho muito medo", diz.

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A residência feminina é um dos cantos que concentra relatos de aparições. A estudante Carol Jones, 16, não esquece de uma história que já ouviu.

"Uma mulher aparecia às 3h da manhã e não falava nada, só começava a seguir a pessoa por dentro da EAJ, aí chegava num certo espaço depois da residência feminina e ela sumia."

Nem a direção da escola agrícola escapa de ouvir os relatos.

"Vou fazer 20 anos de Jundiaí [EAJ] e, desde que entrei aqui, a gente escuta sempre essas coisas, mas não sabemos como surgiram essas histórias", afirma Max Lacerda, o diretor da EAJ.

"Aquele prédio é cheio de presepada", diz José Nilson Caraú, 54, motorista que trabalha há 11 anos na escola.

Marta Aylla, 17, bolsista que trabalha à tarde dentro do sobrado, também é cética. "O pessoal que vem pra cá de noite fica vendo os escravizados aí embaixo, vêem um vulto passando numa janela que é aberta", diz. "É tudo mentira, tudo balela."

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